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Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo

Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

A raposa cuidando no galinheiro na COP28

A COP 28 não parece a mais propensa a deter a indústria petrolífera. (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

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No próximo dia 30 de novembro, começa a COP28, nome popular da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, reunindo os Estados-parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima. A convenção foi proposta no Rio de Janeiro, em 1992, na ocasião popularmente conhecida como Rio 92. Este ano, a conferência será em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, um dos principais produtores e exportadores de petróleo do mundo, além de gás natural. Por motivos óbvios, a escolha foi polêmica, mas agora a hipocrisia da escolha ficou descarada.

O petróleo e o gás natural são ambos combustíveis fósseis, junto com o carvão mineral. Somados, respondem por mais de 80% da produção energética mundial, cuja demanda cresce cada vez mais. Principalmente, são recursos não-renováveis, termo que o leitor certamente já viu antes. Esse nome se dá pelo fato de que esses combustíveis levaram milhões de anos para serem formados e, hoje, são consumidos em um ritmo que levará à exaustão das reservas existentes, ao contrário de outras formas de geração de energia, como, principalmente, a nuclear.

Além disso, o uso desses combustíveis gera bilhões de toneladas de dióxido de carbono e outros poluentes, que contaminam a atmosfera em ritmo alarmante, já que os processos naturais, como o dos oceanos, absorvem apenas uma parte dessa emissão. Isso significa que, ano após ano, a quantidade dessas partículas na atmosfera da Terra aumenta, gerando dois fenômenos. Um deles é o da poluição, que afeta a qualidade de vida e a saúde das pessoas, com um enorme custo econômico. Todo ano, milhões, no plural, de pessoas morrem por doenças respiratórias causadas ou agravadas pela poluição.

O segundo fenômeno é o da mudança climática, que inclui o aquecimento global, termo utilizado desde os anos 1980. A mudança climática não se limita ao aquecimento global, incluindo outros fenômenos como alterações nas correntes oceânicas. O fato científico da mudança climática causada por atividades humanas dos três últimos séculos é por vezes negado ou negligenciado. A negação e a inação são, muitas vezes, consequências de processos de propaganda e desinformação conduzidos pelos principais beneficiados economicamente, ou seja, as grandes empresas do ramo e alguns países industrializados.

Presidência dos Emirados Árabes Unidos

Chega-se ao aspecto contraditório da COP28. O que a comunidade internacional, ou boa parte dela, tem buscado nas últimas duas décadas é, dentre outros objetivos, uma mudança ampla e sistemática na matriz energética mundial. O uso de fontes mais limpas de energia e a diminuição do uso de combustíveis fósseis, para evitar consequências ainda mais catastróficas nos próximos anos. Sediar o evento em um país como os Emirados Árabes Unidos, um país que depende do petróleo para a sua pujança econômica, não fazia sentido algum, era no mínimo contraditório.

A contradição tornou-se ainda mais absurda quando o ministro Sultan al-Jaber foi nomeado para presidir a COP28. Além de ministro, al-Jaber é o executivo-chefe da ADNOC, a estatal emiradense de petróleo. Como diz o ditado, colocaram a raposa para cuidar do galinheiro. Sob Al Jaber, a ADNOC expandiu substancialmente suas operações. Hoje, os EAU são o décimo sétimo maior produtor mundial de gás natural e o sétimo maior produtor de petróleo. Pois bem, até o momento, a realização da COP28 soava “apenas” como contraditória e um provável golpe de marketing pelos próprios emirados.

Nessa segunda-feira, entretanto, dois fatos novos tornam esse cenário ainda mais surreal. Primeiro, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo, a OPEP, emitiu uma nota agressiva em defesa da indústria de hidrocarbonetos, dentre eles petróleo e gás natural, afirmando que a Agência Internacional de Energia “difamou injustamente” a indústria. Isso foi uma reação ao relatório da AIE que, na véspera da COP28, levantou números alarmantes sobre a emissão de gases estufa e a necessidade de fontes mais limpas de energia, como a hidrelétrica, principal fonte de energia elétrica no Brasil.

Segundo, uma reportagem da rede estatal britânica BBC mostra que o comitê organizador da COP28 e autoridades emiradenses estão usando, e planejam usar, sua posição de anfitrião para pressionar e propor acordos de petróleo e de gás. Os documentos mostrados pela reportagem incluem fichas com os pontos principais a serem abordados com cada delegação. No caso brasileiro, fala-se, por exemplo, de uma eventual compra da empresa brasileira Braskem pela ADNOC, e o pedido expresso pela “conexão adequada” com o ministro responsável pela área.

Quebra de confiança

Por um lado, é óbvio que o governo dos EAU está defendendo seus interesses econômicos e jogando com as cartas que tem na mão. Por outro lado, é expressamente determinado que o país-sede deve ser neutro, incluindo em relação aos seus próprios interesses. Um presidente da COP priorizar seus interesses comerciais pode significar a erosão do processo de negociação de um acordo final, levando ao fracasso da conferência. Ainda mais quando se trata de interesses claramente contraditórios com o propósito maior da conferência, como era o óbvio caso.

Esse é o problema principal, o fato da escolha de um país como os EAU para sediar uma COP, um país que depende do petróleo. A raposa não apenas está cuidando do galinheiro, mas está ativamente tentando comer as galinhas. Essa manobra, na verdade, não é nova. Lembra quando, na Guerra Fria, governos autoritários se esforçavam bastante para estarem na então Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Com isso, evitavam maiores problemas para si, ou seja, sua própria impunidade. As ditaduras militares de Brasil, Argentina, Chile e Uruguai, por exemplo, se revezavam na comissão.

Assim, sempre havia um governo militar para “livrar a cara” dos outros caso surgisse alguma questão ou possibilidade de investigação, como durante a presidência de Jimmy Carter nos EUA. O que os Emirados Árabes Unidos estão fazendo é simplesmente usar o sistema internacional contra ele mesmo, aproveitando, e incentivando, as contradições desse mesmo sistema. Se um acordo vinculante ambicioso já era difícil, agora, com esse elemento, torna-se quase impossível. O petróleo vai continuar a jorrar, os dólares vão continuar circulando e uma hora a conta vai chegar.

Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise

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