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Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo

Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

Guerra na Ucrânia

A Ucrânia manda um recado, e não é para a Rússia

Soldados da Guarda de Honra ucraniana hasteiam uma bandeira nacional em Odesa, Ucrânia, 23 de agosto de 2022. (Foto: EFE/EPA/STRINGER)

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As forças armadas ucranianas realizaram outra operação militar audaciosa contra a Rússia. A Ucrânia atingiu alvos dentro de território russo, a mais de quinhentos quilômetros da fronteira. O país repetiu o seu procedimento de não reivindicar e nem negar a autoria dos ataques, mas a situação de guerra torna a resposta óbvia. Ao realizar essas operações, a Ucrânia quis enviar um recado não somente aos russos, mas também aos EUA.

No último dia cinco de dezembro, as bases aéreas de Engels e de Dyagilevo foram atacadas por drones. Ambas as bases sediam regimentos de bombardeiros estratégicos da Força Aérea Russa. O aeródromo de Engels, inclusive, é base dos bombardeiros Tu-160, de longo alcance e o mais pesado avião supersônico do mundo. Os vetores são essenciais para a doutrina de dissuasão nuclear russa.

A Rússia utiliza seus bombardeiros pesados para disparar mísseis de cruzeiro contra alvos na Ucrânia a partir de distâncias seguras, sobrevoando o mar Cáspio, por exemplo. Nos últimos meses, esses ataques foram intensificados e direcionados contra a infraestrutura da Ucrânia, destruindo parte da capacidade ucraniana de gerar energia e manter seu saneamento básico. No início do inverno.

Curiosamente, inclusive, parte da frota russa de bombardeiros era da Ucrânia, incluindo metade da frota dos citados Tu-160. Herdados pelos ucranianos após a dissolução soviética, eles foram cedidos à Rússia ao final dos anos 1990, como parte do pagamento de dívidas pela compra de gás natural. Esse é um dos principais retratos da situação que muitas ex-repúblicas soviéticas enfrentaram como Estados independentes.

Efeitos dos ataques

Os danos materiais, aparentemente, não foram tão grandes. Segundo fontes ouvidas pela imprensa internacional, dois bombardeiros foram danificados, um ou dois caminhões de combustível foram destruídos e três militares russos morreram. Outro aeródromo foi atingido no dia seguinte, o de Kursk Vostochny, onde um depósito de combustível foi destruído. Nesse caso, a base não sedia bombardeiros estratégicos.

O primeiro efeito desses ataques é o psicológico. Não se trata apenas de uma vitória de propaganda, mas, agora, a Ucrânia mostrou que pode danificar, mesmo que de maneira leve, alvos antes tidos como inatingíveis. Isso pode gerar consequências no planejamento estratégico russo, talvez motivando a necessidade de reorganizar as defesas antiaéreas do país, em um cenário já tenso de um conflito que se arrasta.

Colocando em perspectiva, tenha o leitor em mente que Dyagilevo está mais perto de Moscou, cerca de duzentos quilômetros de distância, do que da fronteira. É uma retaliação contra os ataques com mísseis de cruzeiro, e uma pequena retaliação ainda é mais eficaz do que passividade. O segundo efeito é, de certo modo, também psicológico. Ele gera incerteza sobre as capacidades da indústria bélica ucraniana.

Que equipamento a Ucrânia utilizou para realizar esses ataques? Segundo o governo russo, foram “drones soviéticos modificados”, possivelmente versões do drone Tu-141, que entrou em serviço em 1979 e era produzido em território atualmente ucraniano, em Kharkov, ou Kharkiv, na grafia ucraniana. Como a Ucrânia o modificou? Foi com cooperação ocidental? Teriam utilizado outro tipo de armamento, na verdade?

Finalmente, um terceiro efeito desses ataques é o recado internacional que eles passam. E não apenas aos russos, a ideia, já mencionada, de que a Ucrânia consegue atingir outros alvos ou, até mesmo, Moscou. Uma frase chamou a atenção da coluna nesse sentido. O general ucraniano Ihor Romanenko, ex-vice-chefe de Estado-Maior da Ucrânia, foi ouvido pela rede Al Jazeera em relação aos ataques. 

Recado e audácia

Ele afirmou que os ataques foram "inesperados, não apenas para nossos inimigos, mas também para nossos aliados”. Soa como uma declaração sem grande substância, feita por um militar que tem servido de “porta-voz extra-oficial” das forças armadas ucranianas durante o conflito. Quando se pensa no contexto imediato, no “timing”, dos ataques, entretanto, pode existir algo mais.

Os ataques foram realizados dois dias após Joe Biden, enquanto recebia Emmanuel Macron em visita de Estado em Washington, ter tido publicamente pela primeira vez que aceitaria negociar diretamente com Vladimir Putin para um fim da guerra na Ucrânia. No dia quatro, Putin afirmou que admitiria a conversa com o presidente dos EUA, desde que sem pré-condições.

Apenas em ajuda militar direta, os EUA já enviaram cerca de vinte bilhões de dólares aos ucranianos, mais dezenas de bilhões em ajudas indiretas. Como já tratado aqui em nosso espaço, isso gera cada vez mais fadiga na política interna dos EUA. Mesmo que sejam os EUA que estejam custeando boa parte da “conta” da guerra, quem está sofrendo e morrendo na linha de frente são os ucranianos.

No mínimo uma parte das lideranças ucranianas não querem que o fim do conflito seja ditado por Washington e desejam continuar lutando. Biden fala no dia três que aceita negociar, no dia quatro Putin é receptivo da ideia e, então, no dia cinco, os ucranianos atacam bases aéreas dentro da Rússia. Algo inesperado inclusive para seus aliados, como disse o general Romanenko.

Essa se torna a terceira operação militar audaz ucraniana em alguns meses. Primeiro, o ataque contra a ponte da Crimeia. Depois, o primeiro ataque a um porto com drones navais da História. A questão é que os alvos anteriores eram tidos como alvos militares legítimos inclusive pelos países ocidentais que, em diversas ocasiões, sinalizaram aos ucranianos que não deveriam usar os equipamentos cedidos pela OTAN para atacar a Rússia.

O recado é que a Ucrânia, ao menos parte de sua liderança, vai lutar. Nem que seja necessário levar o conflito ao território russo. Isso pode gerar outras consequências, claro, mas, ao menos por hora, não há sinais de escalada do conflito. Resta saber se o efeito desejado pelos ucranianos foi alcançado. Tanto no Kremlin, em Moscou, quanto na Casa Branca, em Washington.      

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