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Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo

Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

Diplomacia

O novo acordo entre Ucrânia e Rússia, uma briga de irmãos

Encontro entre Zelensky e Putin
Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, presidente francês Emmanuel Macron e presidente russo Vladimir Putin (Foto: Alexey NIKOLSKY/SPUTNIK/AFP)

Ucrânia e Rússia precisam normalizar suas relações. A frase soa quase óbvia, por isso é importante frisar o verbo precisar. É uma necessidade, um imperativo. Nenhuma das duas nações conseguirá ir muito adiante em um cenário de antagonismo mútuo. Para dar um passo nessa resolução, os presidentes Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky se encontraram nesta segunda-feira (9), em Paris, mediados pelo francês Macron e pela alemã Angela Merkel. Foram dados alguns passos na direção da paz, mas ainda falta muito.

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Os motivos da ênfase nessa necessidade são vários. Os laços históricos entre Ucrânia e Rússia, em alguns momentos indistinguíveis. Talvez o leitor já tenha se deparado, em alguma leitura ou filme, com o título “Czar de todas as Rússias” para o soberano russo. As “todas as Rússias” eram referência à Rússia propriamente dita, à “Rússia Branca”, atual Belarus, e à “Pequena Rússia”, justamente a Ucrânia. A Igreja Ortodoxa em comum por séculos, o idioma extremamente semelhante, são séculos de união.

Como anedota, basta olhar para os nomes dos mandatários. Vladimir e Volodymyr são apenas versões diferentes do mesmo nome, de origem eslava. Essa herança mútua significa comunidades transfronteiriças, símbolos e momentos históricos em comum; diversos textos nesse espaço abordam o tema. É como brigar com um irmão. Pode-se até não pensar nisso na vida cotidiana, porém, em momentos importantes, a ruptura torna-se protagonista, arrastando familiares e causando angústia no andamento da vida.

No campo da política internacional, os dois países enfrentarão obstáculos enquanto não normalizarem suas relações. A Ucrânia terá o empecilho do antagonismo com a Rússia, um país com poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas e com um peso geopolítico enorme. Do outro lado, Moscou sofre com sanções econômicas por sua anexação da Crimeia e seu envolvimento no conflito do leste da Ucrânia. Possui a imagem de um país agressor e expansionista na mente de muitas pessoas.

Finalmente, há o dinheiro. As duas nações precisam de si, economicamente. A Ucrânia precisa de gás natural russo, e a passagem de hidrocarbonetos russos pela Ucrânia, rumo ao consumidor europeu, era fonte de royalties para Kiev. Nos últimos anos, a Ucrânia está sendo geograficamente contornada, com o gás russo chegando na Europa pelo Báltico. Os mercados possuíam laços profundos, dada a História em comum: sistema bancário, bens de consumo, redes de empresas que operavam nos dois lados da fronteira.

Novo acordo

Chega-se no encontro de hoje, um início de processo de normalização, meta de campanha da recente eleição de Zelensky, que ganhou com margem confortável. Foi acordado um cessar-fogo no leste da Ucrânia vigorando já em 2019, com meta de desarmamento pesado até março de 2020; a região é muitas vezes chamada de Donbass, um anglicanismo que referencia a bacia do rio Don. Foi acordada também uma iniciativa conjunta para a retirada de minas, com a criação de pontos de trânsito seguros pela linha de frente.

Também decidiram por uma ampla troca de detidos políticos e prisioneiros “de guerra”; aspas pois, oficialmente, não se trata de uma guerra. Essa troca será na base “all for all”, todos por todos. Ou seja, em caso hipotético, se a Ucrânia possuir cinco separatistas detidos, enquanto a Rússia possui vinte soldados ucranianos, a troca será cinco por vinte. Todos os detidos contarão com assistência da Cruz Vermelha.

Finalmente, foi consumado a adoção da Fórmula Steinmeier.

Esse é um dos pontos polêmicos. Basicamente, a proposta do atual Presidente da Alemanha diz que as regiões do leste ucraniano devem realizar eleições supervisionadas pela Organização para a Segurança e Cooperação na Europa. Caso as eleições sejam avaliadas como justas e corretas, os territórios de Luhansk e de Donetsk teriam novos governos, com algum grau de autonomia, como o uso do idioma russo nas escolas. A fronteira e as relações externas seriam controladas por Kiev.

Fazendo uma analogia, com todos os problemas das analogias, seria uma situação similar ao caso da Espanha, outro Estado unitário, com as regiões autônomas da Catalunha, do País Basco, da Galícia, etc. Alguns setores da sociedade ucraniana consideram isso uma concessão aos russos, o que já mostra o grau de complexidade de um acordo entre Ucrânia e Rússia. Ele é tão complicado quando necessário, e as mesmas razões para sua importância também alimentam os motivos da dificuldade.

Novamente, o cenário da briga entre irmãos, quando rancores e discórdias ficam profundos, e o orgulho em jogo. Zelensky falou que nunca vai comprometer a “integridade territorial” da Ucrânia; isso não significa apenas uma eventual perda do leste, mas também a posição do governo sobre a Crimeia. E quem irá ceder primeiro? O governo russo defende eleições primeiro, desarmamento depois. Kiev insiste no caminho contrário; desarmamento completo, e só depois eleições.

Necessidade de confiança

Existe desconfiança mútua. Os representantes ucranianos se enxergam como agredidos, vítimas de uma anexação territorial e de uma intervenção militar em seu território. Seus homólogos russos vêem uma situação em que acordos foram descumpridos, um governo aliado foi derrubado e a comunidade russófila ucraniana foi reprimida. Antes da crise de 2014, quase um terço da população ucraniana tinha o russo como principal idioma e cerca de 15% se declarava russa, não ucraniana.

Novamente, por muito tempo não existia uma fronteira rígida. Ucranianos e russos viviam em ambos os lados da linha no mapa do Império Russo, depois na URSS. Esse legado histórico em comum chega ao problema quase indissolúvel atual: ucranianos e russos alegam que a Crimeia é sua. As argumentações variam em torno da História, da identidade cultural, do Direito internacional, de uma série de temas, para, no fundo, cada lado da contenda ter a sua resposta definitiva.

Por isso que o documento assinado hoje em Paris é um primeiro passo importantíssimo, pois necessário, ao mesmo tempo que deve ser recebido com bastante ceticismo. Primeiro é preciso construir uma relação de confiança que permita o mínimo de negociações; não faz muito tempo que o representante ucraniano na ONU dizia que seu país se arrependia de ter aberto mão de seu arsenal nuclear em 1992, ao mesmo tempo que Putin brincava que poderia tomar Kiev em questão de dias.

Algumas possibilidades podem ser colocadas na mesa de negociação. Hoje, nenhuma seria aceita. É uma aproximação lenta. O primo que convida os irmãos rompidos para um jantar sem grandes pretensões. Um encontro cordial em um aniversário. A analogia com uma situação familiar parece piegas ou superficial, com algum grau de razão, mas serve para ilustrar como esse processo vai ocorrer. Não será da noite pro dia. É preciso esperar. Principalmente, esperar que os dois lados percebam que precisam um do outro.

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Conteúdo editado por: Isabella Mayer de Moura

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