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O último dia sete de outubro ficará marcado na História como um dia em que se iniciou um processo de profundas mudanças no Oriente Médio. Ainda não sabemos quais mudanças serão essas, mas elas estão a caminho. Nesse dia, o grupo palestino Hamas realizou a primeira invasão de território israelense desde 1948, cometendo diversos atos de terrorismo contra a população. Nesse processo de mudanças que estão a caminho, um ator é e será essencial: a Arábia Saudita, e é para esse ator que iremos olhar.
Antes, é importante explicar aos nossos leitores que existem variados aspectos dos eventos dos últimos dias que poderiam ser abordados aqui. Seria impossível abordar todos eles em apenas uma única coluna. A reação da sociedade israelense, os problemas de segurança em Israel, os questionamentos ao governo Netanyahu, etc, e vários deles aparecerão aqui em nosso espaço no futuro próximo. Além disso, vocês contam com várias colunas passadas aqui em nosso espaço e com a cobertura da Gazeta do Povo em suas matérias.
O motivo da coluna escolher tratar da Arábia Saudita é por, possivelmente, o reino da península arábica estar tanto na gênese desse ataque quanto ser também o ator essencial para a saída dessa situação. Nesse momento, apenas três dias depois dos ataques iniciais que produziram imagens violentíssimas, é impossível sabermos com clareza todo o contexto político e logístico do ataque. Quais foram os motivadores imediatos? Houve apoio do Irã? Se sim, como? O que explica a data escolhida? Muitas variáveis.
Motivadores imediatos do Hamas
Duas possibilidades, entretanto, são bem prováveis. O Hamas anunciou que a operação foi chamada de "Dilúvio de al-Aqsa". Como já explicamos aqui algumas vezes, al-Aqsa é uma das mesquitas de Jerusalém, o terceiro local mais sagrado do Islã, localizada na Esplanada das Mesquitas. O mesmo local é chamado pelos judeus de Monte do Templo, onde está o que restou do Templo de Jerusalém, o local mais sagrado do judaísmo. Tivemos diversos episódios recentes de tensões e conflito nesse local sagrado para ambas as religiões.
Um deles foi nessa última semana, com judeus ortodoxos indo em massa orar na frente da mesquita, por ocasião do Sukkot. A polícia israelense chegou a deter um ultraortodoxo que pretendia realizar um sacrifício de um carneiro no local. Possivelmente, o ataque do Hamas é ao menos parcialmente motivado por esses conflitos recentes no local sagrado, já que, novamente, assim nomeou a operação. Outra questão que pode ter motivado parte dessa operação é a possível normalização entre sauditas e Israel.
Essa normalização não agrada o Hamas, por vários motivos. Primeiro, tratar-se-ia de mais um país árabe reconhecendo Israel. Agora, um de grande peso econômico, político e religioso, já que se trata do reino guardião das cidades sagradas do Islã. Segundo, apesar de ser um grupo palestino, ou seja, árabe, sunita islamista, o Hamas é apoiado pelo Irã e é considerado um grupo terrorista pelos sauditas, como um ramo da Irmandade Muçulmana, que é totalmente proscrita no reino árabe.
No processo de normalização, inclusive, os sauditas defendem também interesses dos palestinos, mas os representados pelo Fatah, o rival intra-palestino do Hamas. Recentemente, os sauditas anunciaram Nayef al-Sudairi como o primeiro embaixador à Palestina, apresentando suas credenciais para Mahmoud Abbas, presidente palestino do Fatah. Esse processo de normalização poderia, então, ao mesmo tempo, legitimar ainda mais Israel perante os árabes e escantear o Hamas.
Ou seja, a operação do Hamas também pode ser uma forma de sabotar esse processo de normalização, afastando sauditas de Israel, e também de marcar a diferença entre o extremismo do grupo e a negociação saudita. Não seria a primeira vez que religiosos agiriam em reação a uma normalização envolvendo Israel. Um muçulmano extremista matou o presidente egípcio Anwar Sadat em 1981 por fazer a paz com Israel e, em 1995, o premiê israelense Yitzhak Rabin foi assassinado por um judeu ultraortodoxo.
Diplomacia saudita
No próprio dia sete, o reino da Arábia Saudita emitiu uma nota sobre a “situação sem precedentes entre uma série de facções palestinas e as forças de ocupação israelenses, que resultou num elevado nível de violência em várias frentes.” Esses são os termos iniciais. Talvez seja interessante citar quatro aspectos da nota. Primeiro, não há o uso do termo terrorismo. Segundo, o Hamas não é mencionado pelo nome. Terceiro, a nota fala em um processo de paz “que conduza à solução de dois Estados”.
Esse trecho é interessante, pois tanto mantém a postura de defesa dos palestinos, incluindo a menção sobre “resultado da ocupação contínua, da privação do povo palestina dos seus direitos legítimos”, mas é um reconhecimento tácito de Israel. Finalmente, o quarto ponto é que a nota menciona as "provocações" contra lugares sagrados, que a coluna citou mais acima. É importante não subestimar o impacto negativo que os diversos episódios de tensão em torno de al-Aqsa tiveram em países muçulmanos.
Ao mesmo tempo, é pelos sauditas que passa uma eventual solução para essa crise. Hoje, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos são os países árabes mais influentes da região. O Egito está financeiramente quebrado, o Líbano está prestes a cair em nova guerra civil, Síria e Iraque estão em frangalhos depois de uma década de guerra civil, a Jordânia vive delicada situação política, com recente tentativa de golpe palaciano. O Marrocos talvez consiga alguma articulação, mas sofre com a reconstrução pós-terremoto.
“Oras, e o Catar?”, pode notar o leitor atento. Exatamente. Também no dia sete de outubro já ocorreu uma conversa telefônica entre os ministros de relações exteriores saudita e do Catar. A "representação internacional" do Hamas é no Catar e o governo catari apoia o grupo, assim como é o principal apoiador da Irmandade Muçulmana. O lançamento da nova carta do Hamas, alguns anos atrás, foi no Catar, assim como algumas conversas entre Hamas e Fatah, para a realização de eleições únicas na Palestina.
Sauditas e cataris também teriam conversado, extra-oficialmente, sobre uma possível troca de prisioneiros, envolvendo as pessoas tomadas reféns pelo Hamas e pessoas presas por Israel. Principalmente, os sauditas não darão “carta branca” para Israel agir contra os palestinos, e poderão usar toda sua influência política e econômica, inclusive perante os EUA, para forçar uma solução negociada. Ou podem se afastar em definitivo de conversas com Israel. A chave para essa situação passa pelo reino dos Saud.
Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise