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Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo

Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

Coronavírus

A Área Schengen em perigo no seu Jubileu de Prata

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Oficial de saúde polonês verifica a temperatura de retorno dos poloneses que estão voltando da Alemanha (Foto: Odd ANDERSEN/AFP)

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No dia 26 de Março de 1995 foi estabelecida a Convenção Schengen, o principal passo na integração física europeia. Um acordo que aboliu as fronteiras entre seus signatários, permitindo o trânsito livre de pessoas e de bens, um sonho liberal inimaginável meros cinquenta anos antes. Hoje são 26 países com uma área total de mais de quatro milhões de quilômetros quadrados; seria o sétimo maior país do mundo. Ali vivem 420 milhões de pessoas, no que seria o terceiro país mais populoso. Dessas, quase duas milhões cruzam uma fronteira por dia, incluindo pessoas cuja rotina de trabalho é transnacional.

Um cidadão belga que resida na França mas, todo dia, cruza a fronteira com Luxemburgo para ir ao trabalho. Ou um eslovaco que trabalhe na Áustria, dentre a miríade de exemplos possíveis. Além disso, são mais de 57 milhões de cargas que cruzam as fronteiras em ano, um comércio de cerca de três trilhões de euros, tornado mais competitivo com a unificação do processo alfandegário e abolição dos controles internos. É como se uma economia da Índia inteira trafegasse por terra dentro do espaço da Área Schengen por ano, beneficiando as empresas e os consumidores europeus.

Membros

É comum pensarmos na Área Schengen como sinônimo de União Europeia, o que não é totalmente preciso. Dos 27 membros da UE, cinco não fazem parte do acordo. Quatro já estão comprometidos em fazer parte da Área. Três deles estão em processo relativamente rápido de adequação, os mais recentes integrantes da UE, Bulgária, Croácia e Romênia. O quarto, o Chipre, é um caso já mais complicado. Legalmente, o país será parte da Área Schengen algum dia. Quando? Quando for viável, já que a ilha é dividida em três áreas distintas, com duas de fato independentes.

Ao sul, a República do Chipre, de cipriotas gregos, parte da UE. Ao norte, a República Turca do Norte do Chipre, de cipriotas turcos. No meio, uma zona neutra com duas bases militares britânicos, onde Londres possui jurisdição. Mesmo com as vantagens insulares no controle migratório, o Chipre ainda tem questões delicadas para resolver antes de fazer parte da Área Schengen.

A outra exceção é a Irlanda, que opta por não fazer parte da área para manutenção das suas fronteiras abertas com o Reino Unido, outro país que, quando integrante da UE, não fazia parte da Área Schengen.

Oras, o próprio pontapé inicial da atual Área Schengen foi motivado pela falta de unanimidade entre os então dez integrantes da então Comunidade Europeia. O primeiro acordo data de 1985 e fornecia orientações e linhas-gerais para a progressiva abolição dos controles internos. Foi assinado pelo núcleo da formação da UE; Bélgica, França, Alemanha Ocidental, Luxemburgo e Países Baixos, deixando outros cinco países de fora, incluindo a fundadora Itália. Mais importante do que as exceções dos membros, existem as exceções dos não-membros.

Os quatro países da Associação Europeia de Comércio Livre fazem parte da Área Schengen; Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça. Outros três microestados também fazem parte; Mônaco, San Marino e o território da Cidade do Vaticano. É a constante realização do sonho pan-europeu imaginado por Victor Hugo, Giuseppe Mazzini e John Stuart Mill. A questão é que, justo nos dias que precedem o Jubileu de Prata da Convenção Schengen, ela está em risco como nunca esteve, com perguntas que não precisaram ser respondidas antes.

Vírus

A pandemia do novo coronavírus, que causa a Covid-19, impõe a necessidade do confinamento de milhões de pessoas, para evitar a disseminação da doença e a consequente sobrecarga dos serviços de saúde. Esse já é o caso em diversas regiões da Itália, na Espanha e na França. Além disso, fronteiras são fechadas, com voos e quaisquer transportes entre as regiões afetadas suspensos ou sujeitos aos procedimentos de quarentena. E como isso pode ser feito numa Europa sem fronteiras internas? Mais ainda, de maneira que evite o retrocesso nas políticas fronteiriças?

O presidente francês Emmanuel Macron defende que uma política coletiva deve ser adotada, junto com o confinamento individual. Inclusive uma política que possibilite que doentes de regiões mais afetadas possam ser transferidos e tratados em outros locais; ou o caminho inverso, que materiais de saúde sejam focados. Já lideranças de países territorialmente menores, teoricamente onde o contágio poderia ser mais controlável, defendem a eventual prerrogativa de um fechamento total das fronteiras. Novamente, são perguntas que nunca foram feitas antes.

Não há um precedente, políticas de sucesso ou fracassadas que possam servir de parâmetro. A atual pandemia lembra novamente algo já citado algumas vezes nesse espaço, como quando a erradicação da varíola foi abordada. Vírus, bactérias, poluição, nada disso respeita as fronteiras desenhadas no mapa. Uma pandemia impõe a necessidade de colaboração internacional e a formulação de políticas amplas tomadas de comum acordo. A superação da atual pandemia certamente renderá boas lições para o futuro. Quem sabe para o Jubileu de Ouro da Área Schengen.

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