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Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo

Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

Nagorno-Karabakh

Armênia, Azerbaijão e o conflito quente no Cáucaso

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Militar do Exército de Defesa de Karabakh (pró-Armenia) dispara uma peça de artilharia contra as posições azeris durante o combate em curso na região separatista de Nagorno-Karabakh em 4 de outubro de 2020 (Foto: Divulgação/RazmInfo/Ministério da Defesa da Armênia/AFP)

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Na virada de ano de 2019 para 2020 publicamos dois textos aqui no nosso espaço de política internacional chamados “No quê ficar de olho na política internacional em 2020”. Na segunda coluna está o trecho “O mundo pós-soviético no Oriente Médio” e, nele, está grafado “Outra questão no Cáucaso é o conflito congelado entre Armênia e Azerbaijão, em disputa pela região de Nagorno-Karabakh, cuja maior parte compreende a região autônoma de Artsakh. O Azerbaijão é apoiado pela Turquia, a Armênia pela Rússia, e escaramuças em 2019 custaram ao menos trinta vidas”. No final do último mês de setembro as hostilidades recomeçaram e, até o momento, até cinco mil vidas podem ter sido ceifadas. Qual a origem e potencial de crise desse conflito?

Conflitos congelados

A coluna possui uma bola de cristal, algo assim, para ter falado do conflito no início do ano? Não, longe disso. O conflito da região de Nagorno-Karabakh é um dos chamados conflitos congelados, divergências fronteiriças e guerras que nunca foram resolvidas de maneira definitiva, apenas paralisadas por acordos de cessar-fogo ou pressão internacional. O maior exemplo de conflito congelado é o da península coreana, tema bastante presente aqui na coluna. O armistício foi assinado em 1953 mas, desde então, não houve paz definitiva. Mesmo a Declaração de Panmunjom, assinada em abril de 2018 pelas duas repúblicas coreanas, não encerrou a guerra, já que o armistício de 1953 foi assinado também por China e pelos EUA, que precisam ser signatários de um acordo de paz.

Outro exemplo de conflito congelado que esteve no noticiário de maneira intensa nos últimos meses é o da Caxemira, entre Índia e Paquistão. A divisão do Chipre, com interesses gregos e turcos em jogo, e a questão das Colinas de Golã, território internacionalmente reconhecido como Sírio mas ocupado por Israel, também exemplificam o conceito. Outros exemplos são os dos conflitos pós-soviéticos, gestados pela dissolução da União Soviética. Esses conflitos possuem três origens distintas. Uma possibilidade é a presença de minorias nacionais nos novos países, algo que não era um problema durante o período soviético, onde as fronteiras eram muito mais administrativas.

O exemplo mais conhecido dessa possibilidade é o da Bacia do Don e da península da Crimeia. Internacionalmente, os territórios são reconhecidos como parte da Ucrânia, mas com a população majoritariamente russa. Com a dissolução soviética, esses russos se tornam minoria dentro do novo Estado ucraniano. A contradição explodiu em 2014, com os protestos Euromaidan, a consequente anexação russa da Crimeia e o conflito no leste ucraniano. Anos antes, em 2008, a Rússia e a Geórgia, outra ex-república soviética, entraram em guerra por causa das regiões da Ossétia do Sul e da Abcázia, ambas habitadas por minorias étnicas dentro da Geórgia. Na Moldova existe uma pequena região autônoma, controlada pela minoria russa do país, a Transnístria. Esses exemplos são os mais conhecidos por terem deflagrado conflitos, mas não são os únicos.

Cerca de um quarto da população da Estônia, por exemplo, é falante de russo, e as fronteiras de Belarus são marcadas por minorias dos países vizinhos, Lituânia, Polônia e Rússia. A segunda origem está na estabilização dos novos países após a dissolução. Onde antes havia uma coesão política derivada do unipartidarismo e da uniformidade militar dirigida por Moscou, agora os novos países verão brigas internas entre diferentes setores e elites pelo poder e pela cara dos novos Estados. Em muitos casos a situação foi estabilizada, com cada ex-república soviética com seus partidos em duas linhas ideológicas maiores, os pró-Rússia e os pró-Europa. Daí temos as habituais divisões entre liberais, conservadores, socialistas, etc. Nem todo caso foi tranquilo, entretanto, e as guerras civis no Tadjiquistão e no Quirguistão são exemplos que ressoam até hoje, com a crise quirguiz que começou no ano passado.

Finalmente, a terceira origem está na própria dissolução soviética e consequente enfraquecimento do poderio militar e político onde antes havia uma superpotência. Agora, movimentos separatistas vão ousar pegar em armas e grupos jihadistas vão florescer com a crise econômica dos anos 1990, bebendo nas massas de jovens desempregados e desiludidos, muitos com treinamento militar do serviço obrigatório. Além disso, o fim da União Soviética abriu janelas para países estrangeiros tentarem expandir suas influências nos territórios historicamente sob influência russa, desde os tempos do czar. Turquia, sauditas e Irã apoiaram diferentes movimentos na Ásia Central e no Cáucaso, como nos conflitos na Chechênia, tentando capitalizar da momentânea fraqueza de Moscou.

O atual conflito no Cáucaso

As origens do conflito de Nagorno-Karabakh, atualmente a república de Artsakh, juntam os três fatores. Primeiro, a diversidade étnica da região. O Cáucaso é uma das “encruzilhadas” civilizatórias, com russos, povos túrquicos e persas presentes, além das populações locais, como armênios, georgianos, circassianos, etc. Todas essas culturas num espaço geográfico acidentado e reduzido, que cumpre papel político de ponte terrestre entre diferentes regiões. O Cáucaso foi palco de conflitos entre russos, otomanos, persas e também de guerras locais, nesse emaranhado étnico e cultural. No caso específico de Nagorno-Karabakh, o território é, hoje, juridicamente, posse do Azerbaijão, mas a maioria da população é armênia, que estabeleceu a república autônoma não-reconhecida.

Essa situação se consolidou ao final da Grande Guerra, com a queda do império Otomano e a guerra civil no Império Russo, entre brancos monarquistas e vermelhos bolcheviques, principalmente. Os territórios que hoje correspondem aos países Armênia, Azerbaijão e Geórgia faziam parte do Império Russo e, na guerra civil, se dividiram em facções. Além disso, os otomanos e, posteriormente, a Turquia kemalista realizaram ofensivas na região, tanto no contexto da Grande Guerra, como no pós-conflito. Com isso, outra divisão interna. Além da divisão das facções da guerra civil russa, agora setores pró-Rússia, setores pró-otomanos e setores pró-independência. Imaginando que sozinhos os países ficariam sujeitos à invasões, em 1918, brevemente, foi criada a Federação Transcaucasiana, unindo georgianos, azeris e armênios, mas ela ruiu em meses.

É nesse contexto de guerras internas e externas na década de 1920 que são desenhadas as fronteiras das repúblicas soviéticas da Armênia e do Azerbaijão. Por décadas, embora com tensões políticas internas, o tema não resultou em conflito. Com a abertura soviética e a “mão mole” de Gorbachev, a distensão sobre as fronteiras herdadas virou guerra já ao final da década de 1980, durando até 1994, quando uma trégua foi acordada e repetidamente violada até hoje. Literalmente. Aqui entra o segundo fator. Com a independência dos novos países há um crescimento de bandeiras e de causas nacionalistas e irredentistas. Uma disputa territorial é um prato cheio para discursos de manter a coesão política e guiar os sentimentos das massas. No caso específico do Azerbaijão, um pilar da dinastia Aliyev, primeiro com o pai Heydar e hoje com o filho Ilham, que governam o país desde 1993.

Finalmente, o terceiro fator. Com o fim da URSS e a posterior década de reveses russos no Cáucaso, potências regionais passaram à fincar suas bandeiras ali. A Turquia é a principal aliada do Azerbaijão, países com laços históricos e culturais, e fornece armamentos e inteligência. Existem também denúncias do envio de milícias sírias armadas pela Turquia para o Azerbaijão. Já a Armênia possui profundos laços políticos, econômicos e militares com a Rússia, sua principal aliada, além de cicatrizes históricas com a Turquia, consequência do genocídio de 1915. Por sua vez, o Irã hoje tem relações e interesses com todos os envolvidos. Acima de tudo, entretanto, o Irã não deseja fortalecimento do Azerbaijão, com uma considerável minoria azeri em seu território. Especula-se que o Irã envia armamentos para a Armênia no atual conflito.

Esses interesses regionais passam também pelo papel econômico de primeira grandeza do Cáucaso, como passagem de gasodutos e oleodutos, além de base para a exploração das águas tanto do Cáspio quanto do Negro. Azerbaijão e Irã possuem divergências fronteiriças no Cáspio, por exemplo, região rica em hidrocarbonetos. Principalmente, o fato do conflito congelado ter “esquentado” faz do Cáucaso mais um teatro de tensões em que Rússia e Turquia estão em lados opostos, além de Síria e da Líbia. Um conflito deflagrado entre os dois é improvável, dados os profundos laços econômicos entre Moscou e Ancara, mas é uma tensão desconfortável, pensando que a Turquia é um membro da OTAN, embora um integrante meio de “escanteio” em tempos recentes. Cabe à um terceiro país ser o fiador de uma negociação. Aguardemos por voluntários ao papel.

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