No último dia 26 de setembro foram detectados quatro vazamentos de gás natural nos gasodutos Nord Stream 1 e 2. Os gasodutos ligam campos de gás na Rússia diretamente à Alemanha, via o mar Báltico, contornando a Europa ocidental. O primeiro deles entrou em operação em 2011, enquanto o segundo deveria ter iniciado suas operações comerciais esse ano, operação suspensa com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Como quase tudo o que envolve as relações entre a Rússia e o chamado Ocidente hoje, os vazamentos estão agora no centro de controvérsias e de trocas de acusações.
Explosões
Primeiro, os fatos. A Dinamarca afirmou que, nas primeiras horas do dia 26, seu serviço geológico detectou dois picos sísmicos que seriam característicos de explosões submarinas, descartando eventos naturais. Também nesse momento, a pressão dos dutos nos terminais alemães caiu drasticamente, indicando uma ruptura. Durante o dia, uma patrulha aérea dinamarquesa e navios das forças armadas tanto suecas quanto dinamarquesas verificaram a existência de grandes quantidades de bolhas na superfície do mar, atestando o vazamento de gás.
Um dos vazamentos está no duto A do Nord Stream 2. Os outros três vazamentos estão na mesma região, quando os dois sistemas se bifurcam. Um em cada duto do Nord Stream 1, mais um no mesmo duto A do Nord Stream 2. Dois dos vazamentos estão dentro da zona econômica exclusiva dinamarquesa, enquanto outros dois estão na ZEE sueca. As imagens publicadas não permitem termos uma escala apropriada do desastre, mas a maior turbulência de bolhas possui um quilômetro de diâmetro. O tamanho das bolhas de gás fez as autoridades dos dois países proibirem tanto o tráfego marítimo por um raio de quase dez quilômetros quanto impor um piso aéreo de mil metros de altitude.
Nos últimos dias também tornou-se mais conhecido o potencial impacto ambiental dos vazamentos. Segundo uma das agências da ONU, pode ser a maior liberação individual de gás metano já registrada. A razão disso está no fato de que os dutos estavam cheios de gás natural, mesmo fora de serviço. No caso do Nord Stream 2, sem nunca ter entrado em serviço comercial, mas foi preenchido tanto para testes quanto na expectativa do início das operações. O tamanho do vazamento faz com que o tempo estimado para inspeções mais detalhadas seja avaliado em semanas.
Diversas autoridades se pronunciaram afirmando que os vazamentos são decorrentes de um ato de sabotagem ou de terrorismo. Serguei Narishkin, um diretor de inteligência russo, afirmou que "temos indícios que apontam para um rastro ocidental na organização e implementação desses atos terroristas". A OTAN classificou o ocorrido como "atos de sabotagem deliberados e irresponsáveis" e que "qualquer ataque" contra a infraestrutura dos integrantes da aliança "enfrentaria uma resposta unida e decidida". Mykhailo Podolyak, conselheiro de Volodymyr Zelensky, afirmou que foi "um ataque terrorista planejado pela Rússia e um ato de agressão à UE". A CIA dos EUA e submarinos russos tornaram-se os protagonistas de matérias jornalísticas e de especulações.
Suspeitas
Resolver o ocorrido, entretanto, não será simples. Estamos falando potencialmente de um episódio que será tema de teorias da conspiração e trocas de acusações. Os locais dos vazamentos, possivelmente causados por explosões, estão em águas internacionais, fora da jurisdição direta de qualquer país envolvido. Além disso, os interesses dos potenciais responsáveis criam uma teia de contradições. Por exemplo, a acusação mais explícita é feita por diversos atores contra a Rússia.
O país possui capacidade técnica e militar para realizar a empreitada. Foi indiretamente beneficiado pelas consequências do vazamento, já que o preço internacional do gás subiu como consequência. Os potenciais motivos russos para um ataque desse tipo seriam expandir seu uso do suprimento energético como uma ferramenta de barganha no atual conflito e também uma eventual retaliação contra a inauguração da Linha Báltica, que liga a Polônia ao Mar do Norte.
Ao mesmo tempo, os gasodutos Nord Stream são de propriedade de uma empresa que é majoritariamente da estatal russa Gazprom. Além disso, os gasodutos que ligam a Rússia à Europa por terra, como o de Iamal, seriam uma ferramenta de pressão muito mais eficaz. Ou seja, os russos teriam destruído sua própria propriedade para ter ganhos marginais, potencialmente eclipsados em várias vezes pela repercussão negativa do próprio ato de sabotagem.
Não se trata nem de afirmar e nem de negar a eventual responsabilidade russa, trata-se de constatar a incerteza e a dificuldade que o mundo vai enfrentar em desvendar o que ocorreu. Em algumas semanas é possível que tenhamos mais e concretas informações. Até lá, infelizmente, os vazamentos cairão na mesma cesta que outros episódios recentes. Serão apenas trocas de acusações entre atores internacionais, marcados pela desinformação deliberada e, principalmente, pela impunidade.