O principal pesquisador nuclear do Irã foi assassinado em circunstâncias dignas de filme de espionagem. Mohsen Fakhrizadeh foi alvejado na última sexta-feira (27), enquanto trafegava de carro nos arredores da capital Teerã. Ele chegou a ser levado ao hospital, mas faleceu. Segundo o governo iraniano, o assassinato foi executado por Israel, usando algum tipo de armamento com acionamento remoto. O momento desse assassinato é bastante curioso e permite duas leituras.
Assassinatos em Teerã
Primeiro, este é o segundo assassinato de alguém destacado em Teerã em três meses. Abu Muhammad al-Masri foi morto a tiros na cidade no dia sete de agosto. Ele era um dos principais líderes do grupo al-Qaeda, o que soa abstrato. De concreto, entretanto, pode-se afirmar que ele foi um dos idealizadores dos ataques a embaixadas americanas na África em 1998, em Dar es Salaam, na Tanzânia, e em Nairobi, Quênia.
Os ataques, curiosamente, foram em um sete de agosto, deixaram 224 mortos e são considerados um prelúdio do Onze de Setembro de 2001 e da Guerra ao Terror. Al-Masri teria sido morto por agentes israelenses com apoio de inteligência dos EUA. Curiosamente, a al-Qaeda e o Irã passam longe de serem aliados, já que a organização salafista vê os muçulmanos xiitas, como é o caso do Irã, como um de seus principais alvos.
É possível que ele estivesse em Teerã justamente para se abrigar e fugir, achando que não seria procurado ali. Existem outras várias possibilidades, hoje só podemos especular, o fato é que dois assassinatos desses, ambos na capital do país, ambos supostamente cometidos por agentes israelenses, mostram uma vulnerabilidade chocante da ditadura iraniana. Uma vulnerabilidade com possíveis origens tanto internas quanto externas.
Ou seja, é possível que dissidentes iranianos em Teerã estejam cooperando em maior número com países rivais, ou que haja uma maior cooperação da oposição iraniana no exílio, como o Monafeghin, sediado em Paris e que defende um retorno à monarquia. O grupo usa a bandeira tricolor que era nacional até 1980, com o Leão e o Sol ao centro, em contraste com a atual bandeira, com o símbolo da Revolução Islâmica.
Coincidência ou não, semana passada começaram, na França, os julgamentos de agentes iranianos que teriam elaborado um atentado contra um evento da oposição em Paris, em 2018. Ainda assim, os dois eventos certamente causaram grandes repercussões nos altos círculos da segurança e da defesa do Irã, embora dificilmente esses tremores escapem ao público, substituídos pelas rotineiras ameaças de represálias.
Garantia frente um revés
Segunda leitura possível, dias antes, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, se encontrou com o príncipe herdeiro da ditadura saudita, Mohammed bin Salman, o MBS, na Arábia Saudita. Foi o primeiro encontro desse tipo na História, após anos de contatos indiretos entre isralenses e sauditas. O Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, também participou das conversas na cidade planejada de Neom.
Quem deu o furo de notícia foi o jornal israelense Ha’aretz, afirmando que os dados de viagem do jato privado que Netanyahu usou diversas vezes para visitar Vladimir Putin mostram que o avião permaneceu quase três horas na cidade de Neom. No mesmo dia, domingo dia 22, e no mesmo horário em que, publicamente e sabidamente, Pompeo e MBS estavam na cidade.
Pompeo é o chefe da diplomacia dos EUA, mas cumpre aviso prévio, com o restante do gabinete Trump. É possível que o presidente dos EUA deseje algum último grande trunfo no Oriente Médio, seja como legado político, seja como manobra diversionária do seu discurso interno de fraude eleitoral. Seu genro e assessor, Jared Kushner, está no Qatar e na Arábia Saudita no momento em que esse texto é escrito.
No objetivo de um último grande trunfo, o compartilhamento de informações sensíveis ou tentativas de concertar os esforços dos países da região são pautas plausíveis dessas visitas. Mais que isso, o governo iraniano já sinalizou que, caso o futuro governo Joe Biden abra mão das sanções impostas por Trump e retome os termos do acordo nuclear assinado em 2015, o Irã estaria pronto para cooperar.
Considerando que Joe Biden era o vice-presidente quando o acordo foi negociado e assinado, e que ele provavelmente seguirá uma política de desfazer atos executivos do governo Trump, é plausível pensar que Biden deseje retornar ao acordo. Esse desejo é compartilhado pelos aliados europeus dos EUA, que pensam nas oportunidades econômicas e comerciais que o texto apresenta.
Não é possível cravar que Biden retornará ao acordo, mas isso não pode ser descartado. O que é possível cravar é que nem sauditas e nem israelenses vão gostar de ver o acordo retomado. E aí chega-se no assassinato do cientista nuclear. Não é uma fantasia desmedida pensar na possibilidade de que Pompeo forneceu a inteligência e que Netanyahu e MBS tomaram a decisão política de realizar a operação.
Um ataque direcionado, que evita uma escalada de tensões, ao mesmo tempo que decapita o projeto nuclear iraniano e, possivelmente, atrasa eventuais intenções bélicas de Teerã, causa um vexame ao governo do Irã. E, principalmente, o revés serviria de garantia caso Biden retome o acordo nuclear. Hoje, o assassinato é assunto para um comentarista de política internacional. Em alguns anos, estará no cinema mais próximo.
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