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Joe Biden vai enfrentar o que será, no mínimo, um pleito apertado para a sua reeleição. Todas as pesquisas mais recentes apontam uma vitória de Donald Trump, além de possível vitória republicana em ambas as casas do Congresso. Mesmo com diversos índices econômicos ao seu favor, Joe Biden tem perdido eleitores e capacidade no Congresso, e a maioria dessas perdas estão ligadas a pautas externas. Para revertê-las, não se pode descartar a possibilidade de Biden repetir o comportamento de alguns antecessores.
O apoio de Biden a Israel não deveria surpreender ninguém bem informado. As relações entre EUA e Israel são de importância suprapartidária em Washington, além de muitos judeus progressistas do nordeste dos EUA serem membros importantes do partido Democrata. Ao mesmo tempo, as manifestações praticamente incondicionais desse apoio estão custando votos, especialmente dentre o eleitorado jovem, não-branco e progressista dos EUA, o mesmo eleitorado que decidiu para Biden o último pleito.
Nunca é demais lembrar que a eleição de 2020 foi a eleição com mais votos da História dos EUA, além da maior taxa de comparecimento eleitoral desde 1900. O candidato mais votado da História do país foi Joe Biden, com 81 milhões de votos. O segundo lugar nesse índice histórico é o derrotado Trump, com 74 milhões. Trump teria sido o mais votado em qualquer pleito anterior. E quais foram as demografias que mais votaram a favor de Biden? Oras, os progressistas e os jovens não-brancos.
Ucrânia e imigração
Biden poderia abrir mão desses votos em prol de conquistar mais o eleitorado conservador, alguém pode pensar. Claro, sem dúvidas, mas também não é isso o que está acontecendo. E, frisa-se, muito ligado às suas pautas externas. Parte dos conservadores reclama, há mais de ano, do montante de dezenas de bilhões de dólares em ajuda militar e humanitária que foi enviada para a Ucrânia. Além da ruptura partidária, os republicanos reclamam da falta de transparência do uso desse dinheiro por um dos países mais corruptos da Europa.
No último final de semana, em um timing infernal para Biden, um dos principais jornais dos EUA noticiou que cerca de quarenta milhões de dólares dos fundos ucranianos de defesa foram desviados. Mesmo com a reportagem afirmando que são recursos próprios ucranianos, o estrago já foi piorado. Na semana retrasada, o conselheiro de segurança nacional de Biden, Jake Sullivan, teria afirmado para alguns deputados que, caso a Ucrânia não receba mais ajuda, o fronte pode colapsar em semanas.
O que os deputados republicanos querem em troca de mais fundos para a Ucrânia? Mais fundos para o combate à imigração irregular na fronteira terrestre ao sul, com o México. Pauta de política externa em que a crítica ao governo Biden é um consenso entre praticamente todos os conservadores nos EUA. Atualmente, o país enfrenta delicada crise entre os poderes, com Judiciário, Executivo federal e o Executivo estadual do Texas em queda de braço sobre o uso de cercas de arame farpado.
Oriente Médio
O que já estava ruim para Biden piorou no último dia 28. Um drone da Resistência Islâmica no Iraque, o coletivo de grupos armados iraquianos xiitas apoiados pelo Irã, atingiu um posto militar dos EUA na fronteira da Jordânia com a Síria. O ataque resultou na morte de três militares dos EUA, com dezenas de feridos. O governo iraniano negou qualquer responsabilidade direta pelo ataque, mas, no mínimo, foi o fornecedor da aeronave, já que um grupo como o Kata'ib Hezbollah não produz seus próprios drones.
Foram os primeiros militares dos EUA mortos desde os ataques terroristas do Hamas do último dia Sete de Outubro. Joe Biden condenou o ataque na Jordânia como “desprezível” e prometeu retaliação. Para muitos eleitores, entretanto, incluindo democratas moderados, ele se mostra como um presidente “fraco” em questões de segurança. Note o leitor que não está em discussão aqui se Joe Biden é ou não um presidente “fraco”, ou se isso é bom ou ruim em um presidente dos EUA, mas o fato de que muitos eleitores assim o vêem.
Guerra e eleição
Por esse motivo, tais eleitores podem ficar menos propensos a votar em Biden. O que ele pode fazer? Tentar mostrar “força”, ordenando ataques contra alvos iranianos e escalando ainda mais a presença dos EUA na região. Hoje, além de serem o principal fornecedor de equipamentos militares para Israel, os EUA possuem cerca de quarenta mil militares no Oriente Médio, sem falar no contingente da força-tarefa marítima que age contra os houthis iemenitas na região do golfo de Aden.
Não seria a primeira vez que um presidente dos EUA do pós-Segunda Guerra Mundial usa um conflito ou uma ação armada no exterior em seus cálculos eleitorais. Esse é o tema de recente livro do professor Andrew Payne, War on the Ballot: How the Election Cycle Shapes Presidential Decision-Making in War, que se traduz como “Guerra nas urnas: como o ciclo eleitoral molda a tomada de decisões presidenciais na guerra”. Em suma, desde Truman, todo presidente dos EUA fez essa correlação.
Se Biden vai conseguir fazer isso, é outra conversa. Principalmente porque, para muitos eleitores, é tarde demais. Sua principal arma eleitoral será “não sou Trump”, mais ou menos como em 2020, mas com menos efeito. Sua defesa do aborto de gestação como tema de campanha é para inglês ver, já que o tema depende muito mais do Legislativo do que do Executivo. Claro que Joe Biden ainda pode vencer sua tentativa de reeleição, mas, hoje, quase ninguém apostaria dinheiro nisso.
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Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise