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Foram meses de seguidas derrotas do governo de Gabriel Boric no Congresso e aprovação eleitoral em queda.
Foram meses de seguidas derrotas do governo de Gabriel Boric no Congresso e aprovação eleitoral em queda.| Foto: EFE/ Adriana Thomasa

O governo e a esquerda chilena sofreram mais uma derrota no último final de semana. No dia sete de maio, os cidadãos chilenos elegeram cinquenta e um integrantes do Conselho Constitucional, que redigirá uma nova constituição com base em um anteprojeto apresentado por uma comissão de vinte e quatro notáveis nomeados pelo Congresso chileno. Os resultados do voto mostram duas derrotas, uma do governo Boric e outra para a esquerda chilena como um todo.

Recapitulando brevemente o processo constitucional chileno, a atual constituição é de 1980, aprovada em um referendo fraudulento realizado sob a violenta e autoritária ditadura Pinochet. Por esse vício de origem, a constituição era questionada desde a redemocratização do país, em 1990. Esse questionamento cresceu no século XXI, especialmente em momentos de intensos protestos contra os governos, como a Revolução dos Pinguins de 2006, contra o governo Bachelet, de esquerda, e o Estalido Social de 2019, contra o governo Piñera, de direita.

Piñera autorizou o início de um processo constituinte, que foi aprovado em referendo popular em outubro de 2020. Ou seja, a população autorizou a substituição da constituição. O projeto apresentado como substituto, entretanto, foi rejeitado amplamente em outro referendo, em setembro de 2022. Após a derrota do projeto, um acordo multipartidário foi ratificado pelo Congresso por meio de uma emenda constitucional, propondo o formato atualmente adotado, de uma comissão de notáveis mais o Conselho Constitucional eleito.

A nova carta também precisará seguir os doze princípios institucionais e fundamentais descritos no acordo feito no Congresso. Todo o processo citado foi acompanhado aqui em nosso espaço de política internacional, com as colunas ao dispor do leitor. Chega-se ao pleito do último final de semana, para eleger o Conselho Constitucional, composto por cinquenta pessoas, em número igual de homens e de mulheres, mais um representante indígena.

Resultados do voto

O voto foi obrigatório, como no último referendo constitucional, ao contrário dos pleitos chilenos, e 84,4% dos eleitores compareceram, de um universo de cerca de quinze milhões de eleitores. Com 34,3%, o Partido Republicano ficou em primeiro, com vinte e três integrantes do Conselho. Esse é o partido pinochetista de José Antonio Kast, segundo colocado nas últimas eleições presidenciais.

Ao contrário dos partidos conservadores tradicionais da direita chilena, como o União Democrata Independente e o Renovação Nacional, o Partido Republicano faz defesa aberta da ditadura Pinochet, possui bandeiras populistas e está localizado na extrema-direita do espectro político democrático. O Partido Republicano, inclusive, era contra a substituição da constituição imposta pela ditadura, embora seja signatário do acordo estabelecido no Congresso.

O tamanho da vitória do partido dará à legenda o informal “poder de veto”. Será necessária uma maioria de três quintos de votos no Conselho para aprovar artigos, ou seja, um artigo que seja frontalmente contra o partido dificilmente será aprovado. Isso reverte o cenário da constituinte anterior, eleita em vitória da esquerda e com diversos projetos de mudanças em temas das chamadas pautas “de costumes”, como o aborto de gestação.

Em segundo lugar ficou a coalizão Unidade para o Chile, unindo diversos partidos de esquerda. Com 27,7% dos votos, elegeram dezesseis cadeiras, sendo seis delas do Partido Socialista e duas do Partido Comunista, de esquerda radical. Finalmente, em terceiro, ficou a coalizão da direita conservadora, Chile Seguro, com 20,4% dos votos e onze cadeiras. Outras duas listas foram votadas mas não conseguiram eleger representantes.

Derrota dupla

Ou seja, das cinquenta cadeiras eleitas pelos partidos, trinta e quatro estarão ocupadas por partidos de centro-direita, direita e extrema direita. Isso é uma guinada total em comparação ao cenário da constituinte eleita em maio de 2021. O que explica mais essa derrota esmagadora da esquerda chilena? Principalmente, dois motivos. O primeiro deles é relacionado diretamente ao projeto de constituição elaborado anteriormente.

A esquerda chilena foi “com muita sede ao pote”, usando um ditado popular. A ampla vitória em maio de 2021 resultou em um projeto de constituição considerado radical demais por parcela enorme do eleitorado, misturando temas que contavam com amplo apoio, como ampliação do aparato de bem-estar social, com temas considerados marginais por muitos, como a transformação do Chile em um Estado plurinacional.

Pipocaram alarmismos e falsidades, alguns que reverberaram até no Brasil, como uma suposta abolição das forças armadas chilenas. Independentemente disso, o projeto constituinte proposto afastou o eleitorado e foi rechaçado com vigor nas urnas em setembro de 2022. Desde então, passaram quase oito meses. E esse período representa o segundo motivo da derrota do governo chileno no último final de semana.

Foram meses de seguidas derrotas do governo Boric no Congresso e aprovação eleitoral em queda. Propostas de reformas importantes, como das pensões, foram rechaçadas no Congresso. Nada indicava que o eleitorado daria uma chance a Boric como deu antes, e o governo não conseguiu recuperar-se da derrota no referendo de setembro de 2022. Pelo contrário, apenas aprofundou o buraco em que se meteu.

Por isso que o último final de semana representa tanto uma derrota para a esquerda chilena quanto uma derrota para o governo Boric em específico. É necessário aguardar como será o processo de elaboração da nova constituição, mas ela certamente será muito diferente da proposta anterior. Caso a esquerda chilena não goste do resultado, restará a esperança no referendo de aprovação, previsto para dezembro deste ano.

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