Cartazes de candidatos são vistos nas ruas de Dublin, na Irlanda| Foto: Ben STANSALL/AFP
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Nas últimas semanas o acordo para o Brexit foi aprovado na Câmara dos Comuns e no Parlamento Europeu, resultou em festa de Boris Johnson e nas primeiras declarações sobre um acordo comercial entre o Reino Unido e a União Europeia. Parece que é algo já resolvido, que ficou para trás, mas esse pensamento está longe da verdade. Algumas questões ainda perduram e os impactos do acordo, tanto positivos quanto negativos, poderão ser medidos. Um desses legados, talvez o principal deles, envolve a ilha da Irlanda e seu delicado equilíbrio político.

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A questão já foi abordada aqui nesse espaço antes. Em suma, a ilha da Irlanda é dividida entre a Irlanda do Norte, um dos reinos do Reino Unido, que saiu da União Europeia, e a República da Irlanda, país integrante da UE. Desde o Acordo da Sexta-feira Santa, de 1998, não existe uma fronteira rígida dentro da ilha, o que ficou em risco com o Brexit. O acordo do Brexit criou um mecanismo para evitar que o fluxo livre de pessoas e de bens seja impedido, na prática transferindo a fiscalização aduaneira para o Mar da Irlanda, em caso de comércio entre a Irlanda e a ilha da Grã-Bretanha.

A Irlanda do Norte terá possibilidades de revisar, e até mesmo sair, desse arranjo. Na República da Irlanda o tema também mobilizou muitas pessoas, levando ao aumento do sentimento pela reunificação da ilha da Irlanda em uma só república. Na república o apoio sempre foi grande e hoje está na casa de dois terços do público. Além disso, pela primeira vez nos últimos cem anos, a maioria da população norte-irlandesa apoia uma reunificação. Segundo uma pesquisa encomendada pelo político conservador Lord Ashcroft e repercutida no jornal Irish Times, 51% dos norte-irlandeses apoiam a reunificação no lugar do Brexit.

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Reunificação é desejo de todos 

As pautas Brexit e reunificação estão no cerne do atual debate político irlandês, que realizará eleições no próximo sábado, dia Oito de Fevereiro. O parlamento foi dissolvido em Janeiro, após moções de desconfiança contra integrantes do gabinete de Leo Varadkar, o primeiro-ministro, chamado na Irlanda de Taoiseach; já a câmara baixa é chamada de Dáil Éireann e terá 159 assentos em jogo. No total são 160, mas o presidente da casa, que deve agir de maneira apartidária, é reeleito automaticamente enquanto tiver o apoio de seus pares. Mesmo antes da dissolução o governo já estava em situação delicada.

Varadkar governava com minoria, numa coalizão informal do seu partido Fine Gael com parlamentares independentes e o Fianna Fáil, que não integrava o governo, apenas se comprometia em não votar em uma eventual moção de desconfiança. Em outros anos, a posição dos partidos e dos políticos sobre a reunificação irlandesa seria uma das várias pautas, talvez sequer recebesse tanta atenção fora das campanhas mais ativamente engajadas nesse objetivo. Não é o caso da atual eleição, no que se torna um ótimo exemplo de como o debate eleitoral muda de acordo com as circunstâncias.

Os conceitos e pautas de direita e de esquerda não são monolíticos, tampouco estáticos no tempo ou no lugar. Na Irlanda, a reunificação é uma pauta que está presente em todos os partidos, da esquerda e da direita. O que varia é a intensidade, por assim dizer. O principal partido da esquerda é o Sinn Féin; outros na esquerda são o Solidariedade e os verdes. Todos apoiam a reunificação e que as medidas para sua eventual realização devem ser iniciadas já pelo próximo governo. Opções como referendos e criação de instituições conjuntas.

O Sinn Féin divulgou em seu manifesto eleitoral que irá, caso vença o pleito, estabelecer um comitê parlamentar voltado exclusivamente para a reunificação; a criação de um fórum entre os dois governos irlandeses para a reunificação; a publicação de um “Livro Branco” com parâmetros objetivos para a reunificação e, finalmente, a realização de um referendo sobre o tema até 2025. Na direita os principais partidos são o Aontú e o Irish Freedom Party; a criação do Aontú (“Unidade”) teve ligação direta com o recente referendo para legalização do aborto de gestação.

Os dois partidos possuem pautas tão ambiciosas e diretas sobre a reunificação quanto o Sinn Féin. Em qualquer outra circunstância e pauta eles são a nêmesis um do outro, especialmente pelo fato do Sinn Féin ser profundamente associado ao IRA, o antigo grupo de esquerda paramilitar e militante pela reunificação, envolvido em diversos episódios violentos durante o período dos Troubles. A diferença está no cenário político irlandês está nos partidos mais centristas. Um “centrão” de Dublin, usando o termo muito utilizado na política brasileira.

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Centrão

O Fine Gael, partido de Leo Varadkar, é de centro-direita, enquanto o Fianna Fáil está ao centro e outros dois partidos são de centro-esquerda; a encarnação local dos trabalhistas e os sociais-democratas. Todos eles advogam pela reunificação, mas de maneira progressiva e gradual. Por exemplo, negam que um referendo seja viável ainda para o próximo governo.

E qual visão irá triunfar nas eleições, a dos que desejam reunificação o mais breve possível ou a dos que advogam pela calma? Segundo as pesquisas, provavelmente algum partido do “centrão” terá voz no próximo governo.

São necessários oitenta assentos para um vencedor. O centrista Fianna Fáil e a esquerda do Sinn Féin estão empatados na ponta da preferência popular. Uma questão importante é que o Sinn Féin também é o partido com maior rejeição dos que estão no parlamento, justamente pelo seu histórico com o IRA e por ser visto como muito radical por boa parte dos eleitores. Novamente segundo o Irish Times, 36% dos eleitores não gostariam desse partido numa coalizão de governo. Em terceiro lugar está o Fine Gael, seguido pelos verdes e pelos trabalhistas.

No final do dia, provavelmente teremos na Irlanda uma coalizão de “centrão” liderada pelo Fianna Fáil, com uma oposição nacionalista à esquerda liderada pelo Sinn Féin que pressionará pela causa da reunificação, especialmente em todo e qualquer momento de debate em torno do acordo do Brexit e suas consequências. Tudo isso na mesma semana em que Nicola Sturgeon, a líder do parlamento escocês, escreveu que “A Escócia retornará ao coração da Europa como país independente”. O Brexit ainda está longe de acabar, especialmente dentro do Reino Unido.