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Chacota ou um tipo de segundo referendo sobre o Brexit?

Nesta foto de março de 2017, um manifestante contrário ao Brexit segura uma bandeira da União Europeia com uma das estrelas simbolicamente recortada em frente ao Palácio de Westminster, em Londres. Foto: Oli Scarff / AFP (Foto: )

A saga do Brexit foi renovada para mais uma temporada, apesar da atual trama arrastada. Em um impasse em que o parlamento britânico nem aprova o acordo atual, nem aprova modificações ao acordo, tampouco autoriza uma saída sem acordo, Theresa May se viu obrigada a pedir mais um adiamento do prazo da saída britânica da União Europeia. O limite agora é o dia 31 de Outubro, o Dia das Bruxas nos países anglófonos. Curioso, no mínimo.

O prazo significa que é viável, caso governo ou parlamento britânicos assim desejem, uma nova eleição geral, para estabelecer um parlamento novo; uma nova eleição interna, com May substituída na condução dos conservadores; até um novo referendo sobre o Brexit. Também significa que o Reino Unido participará das eleições para o parlamento europeu, no dia 23 de Maio.

Enquanto o Conselho Europeu representa os Estados, via seus chefes de governo, o Parlamento Europeu representa as populações europeias, com deputados eleitos diretamente, por proporção de cada país-membro. Tal como o Senado e a Câmara dos EUA. A eleição para o parlamento europeu envolve o segundo maior eleitorado democrático do mundo, e o pleito ocorre de cinco em cinco anos.

Dos 751 assentos europeus, o Reino Unido elege 73. A discussão é óbvia: qual o sentido de eleger parlamentares para um mandato de cinco anos se eles cumprirão apenas alguns meses? Dentro dessa discussão estão uma crítica econômica e as duas possíveis respostas. Nas eleições europeias de 2014, o Reino Unido gastou 109 milhões de libras esterlinas para sua realização; como curiosidade e mera estimativa, se o valor se repetir, seria algo em torno de quinhentos milhões de reais.

Para quê o governo gastaria esse montante em uma eleição, na melhor das hipóteses, provisória? O governo May alegou que, caso cheguem em um acordo até o dia 22 de Maio, então, o Reino Unido sai da UE no dia primeiro de junho e não participa das eleições. Não exatamente uma resposta alentadora. Mais que isso, os custos da eleição alimentam teorias que acusam o governo de ser um traidor que não ouvirá a voz do povo que quer o Brexit.

Seria tudo parte de um grande acordo em corredores escuros que vai manter o Reino Unido na UE. O que é uma grande bobagem, não apenas pelo desconhecimento do funcionamento das instituições europeias que normalmente explicam essa teorias, que possuem alcance até aqui no Brasil; parte delas foi explicada em uma coluna anterior, sobre os governos da Polônia e da Hungria, que posam de críticos da UE enquanto recebem polpudos investimentos.

É uma bobagem também pelo fato de que as próprias lideranças europeias já estão sem paciência para a histórica indecisão do Reino Unido em relação ao continente; demorou a entrar na UE, resistiu a diversos acordos, não adotou nem o espaço único nem a moeda única. Tudo isso é perfeitamente justificável na perspectiva britânica, o Reino Unido de fato ganha mais mantendo a libra esterlina, por exemplo. O ponto aqui é que a relação já está desgastada e que o Brexit já deu.

Trata-se de um embate de visões. De um lado, o Reino Unido ainda como centro de um vasto império mercantil e colonial, herdado em partes pela Commonwealth; de outro, a visão do Reino Unido como um país europeu, parte de algo maior e em pé de igualdade com os antigos rivais continentais. É um debate cultural e econômico que existe nas ilhas britânicas desde o século XIX, com a política do Isolamento Esplêndido.

Historicamente, as eleições europeias no Reino Unido mostram isso. O comparecimento dos britânicos nas urnas europeias é muito abaixo da média continental, assim como da média das eleições internas. Para ficarmos no último pleito, em 2014, apenas 36% dos eleitores britânicos votou para o parlamento europeu; a média da UE como um todo foi de 43%. Na vizinha Irlanda o comparecimento foi de 52%; por outro lado, bem acima dos 13% de eleitores eslovacos.

Nas duas eleições gerais britânicas internas do período, o comparecimento foi de 66% dos eleitores em 2015 e de 68% em 2017, quase o dobro do comparecimento em comparação com as eleições europeias. Está estabelecido então que essas eleições de maio de 2019 serão provavelmente para mandatos curtíssimos e em um país que, historicamente, já não liga muito para esse pleito. Qual a primeira resposta que vêm a mente?

Que a eleição vire uma chacota, com candidatos protesto, gente pouco expressiva, políticos tradicionais evitando se comprometer com o pleito para focar em cargos internos. E o humor britânico sabe muito bem se fazer presente nas eleições. Desde 1983 existe o Official Monster Raving Loony Party (algo como Partido Oficial dos Lunáticos Monstruosamente Delirantes), o maior partido satírico dos vários que existem nas ilhas.

Outro personagem conhecido do eleitorado britânico é Lord Buckethead (“Lorde Cabeça de Balde”), que sempre disputa contra o primeiro-ministro em seu distrito eleitoral de origem, desde 1987, contra Thatcher. Isso significa que, em 2017, ele competiu contra May no distrito de Maidenhead. Pelas regras distritais britânicas, todos os candidatos do distrito devem se apresentar conjuntamente, em uma espécie de mesa redonda. Em outras palavras, significa que May debateu com um cara falando de dentro de um balde.

Claro que, em nenhuma das eleições internas, esses personagens tiveram votos expressivos, apenas a sátira como objetivo, mas não se trata de uma situação típica. A outra resposta é que a eleição britânica para o parlamento europeu se torne uma das mais acirradas da Europa, com diversos candidatos sérios e mobilização partidária. Em torno dessas campanhas acirradas, sinalizar como o governo deve encarar o Brexit.

Uma espécie de “referendo simbólico” sobre o Brexit, com a mobilização tanto pró-Europa quanto pró-Brexit motivando os eleitores ao voto. Uma grande bancada para qualquer um dos lados se transformaria em um trunfo político para os meses seguintes de negociações. Defensores de um novo referendo adorariam uma bancada de maioria pró-Europa, assim como uma bancada eurocética é o sonho dos hard brexiteers. Resta saber se os britânicos irão votar.

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