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Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo

Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

Interesses e estratégia

Chipre deu uma lição de como barganhar no cenário internacional

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Bandeira do Chipre (Foto: )

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O britânico Lord Palmerston, primeiro-ministro no século XIX, já definiu como as relações entre Estados funciona: "Não temos amigos eternos nem inimigos perpétuos. Nossos interesses que são eternos, e seguir tais interesses é nosso dever". Não se trata do costume digital de colocar citações na boca das outras pessoas, a frase não é de Clarice Lispector. Caso o leitor mais cético queira conferir a fonte, trata-se de um discurso na Câmara dos Comuns datado do primeiro dia de março de 1848. A expressão tornou-se frequentemente citada e parafraseada. De Gaulle foi mais direto, “países não possuem amigos, só interesses”. Kissinger por vezes também aparece como autor do aforismo. Nas últimas semanas, o Chipre seguiu tal lição à risca, conseguindo avançar sua pauta internacional além dos limites que habitualmente teriam que lidar.

Em suma, a ideia é que os interesses nacionais concretos devem vir antes de proximidades de governos, simpatias ou discórdias ideológicas, rancores passados ou alinhamentos automáticos. Algo muitas vezes resumido na palavra “pragmatismo”, tão evocada quando se fala de política internacional. Para o avanço dos interesses nacionais valem barganhas e o máximo proveito de posições de vantagem. Principalmente, deve-se evitar fazer concessões gratuitas, abrindo mão de ativos, por menores que sejam, em troca de absolutamente nada, ou apenas por uma simpatia ideológica. Falar em “identidade judaico-cristã ocidental” pode ser muito bonito para alguns ou despertar o imaginário, mas, na vida real, a primeira viagem oficial de Trump foi para a Arábia Saudita, para ficar em apenas um exemplo bastante óbvio e conhecido.

Donald Trump estava na posição de presidente da maior economia e potência militar do mundo. Agora, qual o poderio da república do Chipre? Sim, pelo direito internacional todos os países são iguais. Sim, é um país com uma bela e rica História, bonitas paisagens turísticas e uma culinária de dar água na boca. Ao mesmo tempo, é um país pequeno, que vive um conflito congelado dentro de sua própria ilha, não é uma das cem maiores economias do mundo, seu sistema financeiro é considerado uma bomba-relógio e as forças armadas nacionais são diminutas. Ou seja, não é um país que possua grandes poderes de persuasão ou de pressão. Por isso, precisa se aproveitar de todas as oportunidades para avançar seus interesses, especialmente considerando que seu principal rival nacional, a Turquia, é um país muito mais poderoso de acordo com os critérios citados.

Uma oportunidade em uma crise distante

Paralelamente, no dia oito de agosto de 2020, bastante longe do Chipre e sem nenhuma relação com a política ou com a sociedade cipriota, Alexander Lukashenko foi “reeleito” em Belarus, país que governa desde 1994. Após denúncias de fraude eleitoral, de autoritarismo e de violência estatal, cresceram os protestos em Belarus, que foram alvo de repressão policial, motivando críticas dos países europeus. Lukashenko não cedeu, mais e mais opositores buscaram refúgio na Polônia ou na Lituânia, manifestantes morreram e milhares foram detidos pela polícia, com denúncias de torturas e outras violações dos direitos humanos. Ao final de setembro, a União Europeia decidiu impor sanções contra a alta cúpula do Estado belarusso para pressionar uma solução política no país.

Para impor sanções, todos os ministros de relações exteriores dos vinte e sete membros da UE precisam concordar. Pelo fato de requerer unanimidade, o Chipre precisava apoiar as sanções, e vetou a proposta inicial. Para retirar sua objeção, o governo colocou seu preço: “A República de Chipre não veta a proposta de sanções contra Belarus. Adotou foi uma posição clara: a proposta de sanções contra Belarus deve ser adotada imediatamente e em paralelo com a proposta cipriota para que se aprovem sanções contra a Turquia”. Essas foram as palavras de Nikos Christodoulides, ministro das Relações Exteriores do Chipre, em entrevista à Euronews.

O motivo do pedido de sanções é o atual contencioso de fronteira marítima entre Chipre e Turquia, com o governo cipriota alegando que empresas turcas estão buscando explorar gás natural em águas soberanas da Grécia e do Chipre. Para agravar as tensões, o governo de Ancara enviou o navio de pesquisa geofísica Oruç Reis para a região, supostamente em missão científica, não-comercial. Além dessa justificativa provavelmente não ser toda a verdade, o navio, lançado ao mar em 2015 e contando com tecnologia de ponta, viajou com uma provocativa pintura emulando a bandeira nacional turca. O navio também navegou escoltado por navios da marinha turca, resultando em desentendimentos com navios gregos monitorando as operações.

A tensão no Mediterrâneo Oriental envolve também a França, como evocado aqui nesse espaço quando a crise libanesa foi abordada. Ou seja, a proposta cipriota tinha também um apoio de peso. Ainda assim, foi um movimento extremamente inteligente, aproveitando um incomum momento em que a posição cipriota estava em alta. Não havia relação direta entre os acontecimentos em Belarus e a pauta cipriota, havia a relação do interesse. “Você quer isso de mim. Para eu ceder, preciso que você me conceda aquilo”. E conseguiu, o que foi anunciado em nota no último dia dez de dezembro. O texto diz que "infelizmente, a Turquia se engajou em ações unilaterais e provocações e escalou sua retórica contra a UE, seus estados membros e seus líderes", e ainda não estão detalhadas quais serão as sanções.

Ao mesmo tempo, o governo em Washington sacramentou sua promessa de punir a Turquia, países aliados no âmbito da OTAN, pela aquisição do sistema antiaéreo russo S-400. As sanções foram anunciadas nessa segunda-feira por Mike Pompeo, o secretário de Estado, e envolvem a autarquia Indústrias de Defesa, instituição governamental que coordena os esforços turcos na área. Em questão de dias, o governo turco sofreu dois retrocessos diplomáticos e, em troca do seu apoio numa crise que não lhe dizia respeito, o pequeno Chipre fez outros vinte e seis países europeus imporem sanções contra a Turquia e conseguiu impor seus interesses, aproveitando a oportunidade com proficiência.

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