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Filipe Figueiredo

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Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

Conflito na Europa

Com drones navais, guerra na Ucrânia tem um tipo de ataque inédito na história

Navios de grãos ucranianos em Istanbul, após saída pelo Mar Negro e passagem pelo Estreito de Bósforo: Rússia alega que corredor naval para escoar produção foi utilizado para ataque com drones à Crimeia (Foto: EFE/EPA/ERDEM SAHIN)

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Em outubro de 2021, escrevemos aqui em nosso espaço que os drones não eram mais a arma do futuro, pois o tal “futuro” havia chegado. Isso meses antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, quando o assunto virou “pop” na grande imprensa, com uma grande quantidade de imagens distribuídas pelas redes sociais. Agora, outra fronteira do futuro da guerra foi rompida, com uma incursão marítima ucraniana utilizando drones contra o principal porto da Crimeia, a cidade de Sevastopol.

Nas primeiras horas do último sábado, sete drones navais foram utilizados para um ataque contra Sevastopol, cidade de histórica importância militar na península da Crimeia e principal base da Frota do Mar Negro russa. Segundo as próprias autoridades russas, ao menos três drones navais tiveram sucesso em atingir seus alvos. Imagens nas redes sociais mostravam os drones sendo alvo de disparos de armas de pequeno porte, sem uma grande articulação de defesa contra esse novo tipo de armamento.

O governo russo acusou o Reino Unido de ter colaborado com a operação, fornecendo inteligência e expertise. A Rússia ainda não fez nenhuma acusação direta sobre o fabricante de origem dos drones, se foram fornecidos por algum país ocidental ou se são de fabricação própria ucraniana. Um dos vídeos que circulam nas redes sociais aponta possíveis danos à fragata Admiral Makarov, uma embarcação moderna, comissionada apenas em 2017. A Rússia admitiu apenas danos a um pequeno navio caça-minas.

Derrota russa

O ataque coordenado com drones navais realizado pela Ucrânia é provavelmente inédito na história. Esse tipo de embarcação já existia, claro, mas ainda para testes ou sem utilidade de combate. Ao final de agosto, por exemplo, a marinha iraniana divulgou imagens da interceptação de um drone naval dos EUA no Mar Vermelho, mas, naquela ocasião, tratava-se de uma embarcação de reconhecimento. Além do ineditismo e da fronteira do futuro da guerra, o episódio tem duas repercussões importantes.

Primeiro, diminui ainda mais a já diminuta vantagem naval russa no Mar Negro. Desde o início do conflito, a Rússia não conseguiu impor sua vantagem material nas águas compartilhadas com a Ucrânia. O maior exemplo disso foi, claro, quando o cruzador Moskva foi afundado pela Ucrânia, um país que não possui meios navais substanciais. Agora, a principal base naval da Crimeia teve seu perímetro de segurança penetrado e ao menos um navio atingido. Tudo isso por um país que sequer possui marinha.

Claro que, em ambos os casos, os ucranianos provavelmente contaram com, no mínimo, cooperação de inteligência de países ocidentais. Possivelmente também contaram com material ocidental, como, talvez, os mísseis utilizados para afundar o Moskva e, agora, os drones utilizados no ataque. Ainda assim, é espantoso como a marinha russa ficou vulnerável em um teatro de guerra onde, supostamente, deveria ter a supremacia inconteste desde o início.

Acordo de cereais

Segundo, a Rússia se retirou temporariamente do acordo sobre o trânsito de cereais pelo Mar Negro. O acordo, assinado no fim de julho, foi mediado pela ONU e pela Turquia. Pelo texto, navios carregando cereais ucranianos viajariam até a Turquia, onde seriam inspecionados conjuntamente. As rotas seguiram um corredor pré-estabelecido, onde os navios não poderiam ser atacados. Em três meses, mais de 400 viagens foram realizadas, transportando mais de 9 milhões de toneladas de grãos ucranianos.

A importância global do acordo se dá pelo fato de que Rússia e Ucrânia são alguns dos maiores produtores de cereais do mundo, com grande parcela da produção e do comércio mundial de, por exemplo, trigo. O acordo também envolvia fertilizantes e outros insumos para a produção agrícola. Nas últimas semanas, a Rússia afirmou que parte do acordo não estava sendo cumprida e que a exportação dos seus produtos estaria lenta, em comparação com as exportações ucranianas.

A razão da saída russa do acordo foi baseada na acusação de que os drones utilizados pela Ucrânia no ataque teriam utilizado o corredor naval estabelecido para a segurança de navios civis. A acusação russa também especulou que os drones poderiam ter sido lançados ao mar de navios já no corredor, desvirtuando o acordo. Na prática, uma acusação de perfídia contra os ucranianos, quando um ato aparentemente pacífico em tempo de guerra é utilizado para esconder um ataque.

A Ucrânia nega essas acusações e afirmou que a Rússia não forneceu nenhuma evidência material. Para fortalecer a retomada do acordo de cereais, o secretário-geral da ONU, António Guterres, suspendeu sua viagem a Argel, onde participaria da cúpula da Liga Árabe. Se isso surtirá efeito, ainda vamos descobrir. O que já sabemos é que mais um novo campo da guerra foi explorado no atual conflito e que, em breve, drones navais serão tão discutidos quanto os aéreos já o são.

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