Aqui nesta coluna na Gazeta do Povo buscamos expor e discutir a política internacional. Mostrar sua importância, como ela pode afetar a vida dos leitores, ir além da superfície e do senso-comum, apontar caminhos e as origens de questões de nossos tempos. Nesse sentido, não basta ser reativo, falar das últimas semanas.
É importante ter em mente que alguns problemas são perenes, históricos e também que problemas podem surgir ou se agravarem a partir de fatos previstos. Nesta e na próxima coluna vamos passar por dez tópicos, de diferentes importâncias, para ficarmos de olho no ano de 2021. Para evitar um tom de hierarquização dos temas, vamos por ordem alfabética.
5G
O ano de 2021 será o ano em que o 5G vai começar a deixar de ser pontual e vai se tornar realidade para centenas de milhões de pessoas. No Brasil, a Anatel prevê os primeiros leilões ao fim do primeiro semestre. Na Alemanha, a nova rede é uma realidade em cidades pequenas e teremos o início da construção de estações nas cidades maiores.
Por aproveitar muito das redes já existentes, as diferenças para o novo 5G ainda serão pouco notadas. No caso alemão, a velocidade máxima padrão inicial será de 300 Mbps, mas a expectativa é de desenvolver uma velocidade de até 20 Gbps, mais de cinquenta vezes mais veloz.
A questão é que o 5G não se trata apenas de baixar rapidamente um filme ou uma música, mas de ser a “internet das coisas”. O crescente processo de automação vai depender dessa velocidade espantosa. Carros autônomos e serviços de entrega via drones são só os exemplos mais frequentes disso.
Sendo assim, as redes 5G vão se tornar um alicerce das novas economias. Para quem desejar maior aprofundamento, tais aspectos foram discutidos meses atrás em uma conversa ao vivo, disponível no YouTube, entre este colunista e o professor Sergio Kofuji, da Politécnica da Universidade de São Paulo.
O controle e procedência dos equipamentos dessas redes 5G, então, serão itens sensíveis de privacidade e de segurança. Daí a intensa disputa entre os EUA e a China pelo fornecimento desses equipamentos. Ambos os lados sabem que um aliado que use equipamento da outra potência estará vulnerável.
Isso faz com que a disputa não fique restrita ao embate EUA versus China, mas que cada uma das potências busque expandir sua influência e evitar que países aliados usem equipamento do outro. O governo dos EUA, por exemplo, pressiona o Brasil a não aceitar o uso de equipamentos de empresas chinesas.
A Europa corre por fora, tentando manter uma posição de equilíbrio entre as duas potências enquanto ganha tempo para desenvolver sua própria tecnologia 5G. Esse tabuleiro geopolítico e tecnológico vai ficar cada vez mais intrincado e, principalmente, difícil de ser jogado. Países que ficarem atrasados vão pagar um preço altíssimo no futuro.
Afeganistão
O processo de paz intraafegão vai decolar em 2021? O governo de Cabul vai chegar num acordo com o Talibã? E, principalmente, o Talibã vai cumprir sua palavra ou vai seguir sua tradição de violar acordos e quebrar a paz em nome de sua agenda de criar um emirado afegão, unindo o Islã com os costumes locais?
Tudo isso já foi abordado em nosso espaço e, infelizmente, os prognósticos da coluna são pessimistas. O Talibã não quer um acordo, o governo de Cabul não tem força suficiente e as potências ao redor vão explorar as divisões internas afegãs para expandirem sua própria influência.
Biden
É claro que Joe Biden, como novo presidente da maior potência econômica e militar do planeta, será tema de várias e várias colunas por aqui. Ainda assim, ele não poderia ficar de fora dessa lista. Especialmente pelo fato de que devemos esperar uma guinada de quase 180 graus na política externa dos EUA pós-Donald Trump.
Biden já anunciou que vai recolocar seu país na Organização Mundial da Saúde e no Acordo de Paris sobre mudanças climáticas. Certamente vai se reaproximar dos aliados tradicionais dos EUA, como a França. Talvez reverta a política de Trump sobre Cuba, retomando a aproximação dos tempos de Obama.
Certamente vai reverter o processo de diálogo com a Coreia do Norte. E, claro, a pergunta de alguns bilhões de dólares: Biden vai retomar o acordo nuclear com o Irã, ou a mudança na Casa Branca vai sacramentar o fim do acordo? Finalmente, existe um motivo para dizer que a guinada com Biden será de quase 180 graus na política externa.
Algumas coisas poderão até mudar de embalagem, com uma retórica mais mansa, mas, em essência, continuarão. São de interesse dos EUA, como Estado, independente de governos. Por exemplo, a presença militar estratégica dos EUA no oceano Pacífico, que antecede Biden, Trump e antecede até mesmo a China contemporânea, fundada em 1911.
Brexit e economia
O ano de 2021 é o primeiro com o Brexit concretizado. O Reino Unido não é mais parte da União Europeia, divórcio encerrado, ponto final. E agora? Essa é a pergunta. Em tempos normais, a preocupação seria mais política, especialmente dentro do Reino Unido, com a questão da fronteira interna na ilha da Irlanda e o descontentamento escocês.
Com a pandemia e a recessão mundial, entretanto, as dúvidas econômicas que já existiam tornam-se ainda maiores. Como será a adaptação da economia britânica ao mundo pós-Brexit? O comércio com a União Europeia vai sofrer em demasia ou os pessimistas vão se provar errados, sem grandes alterações?
A recuperação econômica mundial agora terá um novo ator, com o governo de Boris Johnson ansioso para assinar o maior número possível de tratados comerciais com o mundo. Não apenas para superar a ressaca pós-divórcio, mas também por querer se mostrar certo desde o início, que tais acordos só são possíveis pelo Brexit.
Ainda assim, será um ano de graves incertezas econômicas. Ao menos no curto prazo o mundo será dividido entre as sociedades vacinadas, literalmente, e as não-vacinadas, que terão sua recuperação econômica prejudicada. Infelizmente, o Brasil caminha, sem necessidade, por escolha e incompetência, em direção ao segundo grupo.
A euforia da recuperação econômica dará sinais otimistas para os mercados, o que favorece eventuais bolhas financeiras, iludidas por crescimentos hiperbólicos de produtos internos brutos. Claro, se um PIB murchou 10% em um ano, por causa da pandemia, crescer 8% depois disso não se trata de crescimento, mas de mera recuperação.
Recomenda-se, então, uma contenção do entusiasmo e do otimismo. Economicamente, 2021 ainda será um ano difícil, com muita incerteza alternada com períodos de euforia. Por exemplo, meses muito bons em setores de serviços seguidos de meses de contenção ou de surtos do novo coronavírus.
Índia
A Índia entra em 2021 com diversas oportunidades e diversas crises batendo em sua porta. No campo das oportunidades, o país tem tudo para manter o crescimento de sua presença em alguns setores da economia, como a indústria automobilística. Além disso, a enorme indústria química e farmacêutica do país terá muitos clientes no mundo pós-pandemia.
Já nas crises, a Índia está cercada delas. Literalmente. O conflito congelado com o Paquistão e a crise na Caxemira; o conflito interno afegão; as escaramuças fronteiriças com a China; crise política no Nepal, que também possui pendências de fronteira com a Índia; a crise interna em Mianmar, com a política genocida contra os rohingya.
Isso sem esquecer da crise interna indiana, com violência sectária e crescente retórica nacionalista hindu. E as respostas de como essas crises serão administradas passam por duas perguntas. Como será a relação entre a Índia e o novo governo dos EUA? Trump desenvolveu uma ótima relação com o país e o governo Modi.
Antes dele, Obama foi o primeiro presidente que apoiou o pleito indiano ao Conselho de Segurança da ONU. Biden, por outro lado, parece mais focado em reparar as relações com a Europa. A segunda pergunta é como será a relação entre a Índia e a Rússia, uma parceria estratégica que remonta à década de 1950.
Essa relação, entretanto, progressivamente sofre danos colaterais da tensão entre indianos e chineses. Somente com essas duas respostas que pode-se especular sobre as futuras ações indianas. Por exemplo, a Rússia pode tanto servir de ponte com a China ou pode abraçar cada vez mais seus aliados de Pequim, deixando a Índia de lado.
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