No último domingo ocorreram eleições presidenciais no Peru e no Equador. Os vizinhos peruanos votaram no primeiro turno e também para os 130 assentos do Congresso unicameral. Já os quase-vizinhos do Equador escolheram seu novo presidente, no segundo turno. Ambos os pleitos foram temas de colunas recentes aqui no nosso espaço e agora é o momento de atualizar os nossos leitores. Principalmente, pelos eventuais impactos desses pleitos com o Brasil e o atual governo.
No Peru, a polarização do segundo turno vai fazer o Brasil parecer um oceano de tranquilidade. Com 91% dos votos apurados, o primeiro lugar está com Pedro Castillo, do Peru Livre. Não o conhece? Parcialmente, a culpa é dessa coluna, e peço desculpas. O candidato não estava tão bem colocado nas pesquisas e, por isso, foi ignorado na coluna anterior. Um erro das pesquisas e também do colunista. Castillo conta, no momento, com cerca de 19% dos votos válidos.
Sua candidatura é de esquerda, com o próprio Castillo flertando também com pautas que podem ser definidas como de extrema-esquerda. Uma das bases do partido é a ideologia de José Carlos Mariátegui, jornalista e filósofo marxista peruano do início do século XX, também influente na candidatura de Verónika Mendoza. Seus escritos são basilares para os movimentos de esquerda e de extrema-esquerda peruanos, como o Sendero Luminoso. O que leva a outra semelhança entre Castillo e Mendoza.
Ambos sofrem frequentemente acusações de “apoiar o terrorismo” e demais sensacionalismos eleitorais. No caso específico de Castillo, ele teria ligações com o Movimento pela Anistia e Direitos Fundamentais (Movadef), uma organização civil ligada ao Sendero Luminoso. Ele nega, mas, no mínimo, tomou parte em encontros da organização. Líder sindical de professores, ele defende pautas como melhorias na saúde e na educação públicas e o fim da herança liberal do programa econômico de Fujimori.
Ao contrário de Mendoza e do que é visto, por exemplo, como a esquerda dos EUA, Castillo é socialmente tradicionalista. Ele é contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, contra a regulamentação do aborto de gestação e contra “abordagens de gênero” na educação. Isso o aproxima mais de líderes como Ortega, da Nicarágua, do que de Luis Arce, da Bolívia, por exemplo, embora ele tenha declarado, repetidas vezes, uma maior aproximação com a Bolívia, dados os laços históricos e culturais entre eles.
Em segundo lugar provavelmente vai ficar Keiko Fujimori, da Força Popular, com 13% dos votos enquanto essa coluna é redigida. Uma antítese de Castillo. Se ele flerta com a extrema-esquerda e é anti-Fujimorista, ela flerta com a extrema-direita e é a sucessora ungida do Fujimorismo, uma amálgama de conservadorismo social, liberalismo econômico, nacionalismo, populismo e fisiologia. Sob Fujimori foram cometidos crimes contra a humanidade na luta contra o Sendero Luminoso, além da guerra de 1995 com o Equador.
A campanha do segundo turno, marcado para quatro de junho, certamente será marcada por muitas polêmicas, muitas fake news e um discurso agressivo. Provavelmente será decidida não pelo apoio, mas pela rejeição de ideias. A pergunta do pleito, para a maioria das pessoas, não será “você prefere Castillo ou Keiko?”, mas “Quem você detesta mais, o Sendero Luminoso ou o Fujimorismo?”. O atual governo brasileiro certamente preferiria uma vitória de Keiko, embora possa colher frutos com qualquer resultado.
Caso Castillo vença, a narrativa eleitoreira de que a ameaça do “comunismo” está logo ali ganha fôlego, o fantasma que precisaria ser “detido” pelos eleitores brasileiros. É irônico pensar que, em alguns temas sociais, Castillo e o presidente Jair Bolsonaro têm muito mais em comum do que parece.
Vitória da direita no Equador
No Equador, as pesquisas de segundo turno também erraram, embora por pouco. Elas davam ligeira vantagem para o candidato de esquerda, Andrés Arauz, mas o vencedor da contagem que vale foi Guillermo Lasso.
A trajetória do banqueiro Guillermo Lasso, do Movimiento CREO, de orientação conservadora, rumo à presidência foi uma montanha-russa. Ele foi o segundo colocado nas eleições de 2013, quando foi derrotado no primeiro turno por Rafael Correa. Também derrotado em 2017, agora no segundo turno, pelo então sucessor de Correa, Lenin Moreno. Entre 2017 e 2021, liderou quase todas as pesquisas. Um segundo turno parecia certo, garantido de forma segura.
Nada disso. Ele quase ficou de fora, em briga apertada com o líder indígena Yaku Pérez Guartambel, do movimento Pachakutik. A diferença foi de apenas 32 mil votos, o que impôs uma recontagem e denúncias de fraudes, sem provas. No segundo turno, Lasso ficou com 52,5% dos votos, cerca de 400 mil votos na frente de Arauz. Mesmo vencedor, a alegria do triunfo não pode durar muito, já que sua situação será bastante difícil. A economia do país ainda não se recuperou totalmente do terremoto de 2016.
Como consequência do sismo, a indústria do petróleo equatoriana foi afetada. Posteriormente, o governo Lênin Moreno realizou empréstimos internacionais. A situação que já não era fácil foi severamente afetada pela pandemia. O Equador é um dos países com pior relação entre número de casos e número de mortes, e as cenas de quando o sistema funerário de Quito colapsou correram o mundo. E, além desse cenário econômico complicadíssimo, Lasso terá que lidar com um Congresso dominado pela oposição.
A maior bancada do parlamento será da base partidária de Arauz, com 49 dos 137 assentos. A segunda será a do Movimento Pachakutik, a terceira da Izquierda Democrática e, apenas em quarto e quinto lugar, aparecem os partidos conservadores, Partido Social Cristiano e o Creando Oportunidades de Lasso. O presidente terá doze deputados, menos de 10% do congresso. Ele precisará, sem escape, da esquerda moderada em uma aliança parlamentar, para viabilizar seu governo e eventuais projetos de lei.
No caso das relações entre Equador e Brasil, ter um governo ideologicamente próximo pode ajudar com a expansão de negócios e investimentos. Infelizmente, o momento não é propício, dada a pandemia. De qualquer maneira, a conclusão do pleito equatoriano é positiva, já que os resultados foram aceitos por ambos os lados e não ocorreram grandes perturbações. Resta saber se o mesmo poderá ser dito do pleito peruano daqui a dois meses, ou se a polarização eleitoral não vai permitir.
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