A expulsão do tenista Novak Djokovic da Austrália gerou uma crise diplomática entre os governos do país e da Sérvia| Foto: EFE/EPA/DEAN LEWINS
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O tenista sérvio Novak Djokovic é um dos maiores de todos os tempos em seu esporte e ficou no centro de uma troca de declarações entre os governos de seu país natal e o da Austrália. Atual campeão do Australian Open, que venceu nove vezes, um recorde, ele foi expulso da Austrália pelas regras sanitárias do país. A expulsão quase gera uma crise diplomática mas, principalmente, uma crise bastante conveniente.

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Antes de discutirmos as questões políticas, um breve resumo dos fatos. O tenista entrou na Austrália em cinco de janeiro, sem estar vacinado. Djokovic alega que, como testou positivo para Covid-19 em meados de dezembro, ele cumpria os requisitos da organização do torneio, que exigia vacinação ou uma recuperação recente da infecção. No mesmo dia cinco ele foi detido pelas autoridades policiais australianas por não apresentar todos os documentos necessários para a entrada no país.

Djokovic teve então o seu visto cancelado por não cumprir as regras sanitárias australianas, já que a infecção recente o autorizava a participar do torneio, mas não a entrada no país. A imunidade por infecção recente, na prática, valeria apenas para tenistas australianos. O tenista entrou na justiça e teve sua entrada no país autorizada. O governo australiano interferiu e determinou a expulsão do atleta, que recorreu.

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No último dia 16, o recurso foi negado e o tenista expulso da Austrália. Antes de partir para Dubai, Djokovic disse estar “extremamente desapontado com a corte ao dispensar meu pedido de revisão judicial da decisão ministerial de cancelar meu visto, o que significa que não posso ficar na Austrália e participar do Australian Open. Respeito a decisão da corte e vou cooperar com as autoridades em relação a minha saída do país”.

Governo australiano

A coluna disse que o “governo interferiu” e o tenista lamentou a “decisão ministerial”. Além do debate judicial, o executivo do governo australiano teve duas participações diretas nos eventos, uma delas decisiva. Logo no dia cinco, a ministra do Interior, Karen Andrews, afirmou que, “independente” da federação de tênis ou do governo do estado de Victoria, o governo federal ainda imporia a lei de que indivíduos não vacinados "devem fornecer prova aceitável de que não podem ser vacinados por razões médicas".

A ação decisiva veio no dia 14 de janeiro, quando Alex Hawke, ministro de Imigração e Cidadania, exerceu seus poderes executivos pela lei migratória australiana e cancelou o visto de Djokovic, por "motivos de saúde e boa ordem, com base de que isso está no interesse público fazê-lo". A decisão de Hawke implica em um “veto” de entrada por três anos, salvo em “circunstâncias excepcionais”.

O premiê Scott Morrison tentou ser “diplomático” e afirmou que são condições específicas da pandemia, que confia em seu governo e que Djokovic será bem-vindo ao país quando puder retornar, incluindo a próxima edição do torneio. O que foi visto como envolvimento direto do governo australiano foi rebatido pelo governo sérvio, também em mais de uma ocasião, por mais de uma pessoa.

Governo sérvio

No dia seis, o presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, afirmou que Djokovic seria alvo de "perseguição política", de uma conduta que "não é jogo limpo", "da qual participam todos, incluindo o primeiro-ministro da Austrália, fingindo que as regras são válidas para todos". Posteriormente, a primeira-ministra sérvia, Ana Brnabic, afirmou achar "que a decisão do tribunal é escandalosa" e que acha "inacreditável que tenhamos duas decisões judiciais completamente contraditórias em apenas alguns dias".

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Após a decisão final, Vucic foi ainda mais rígido. Afirmou que Djokovic “foi para a Austrália com uma liberação médica, depois foi maltratado por onze dias, e, no final, impõe a ele a decisão que foi tomada no primeiro dia? Fazendo uma caça às bruxas contra ele? Isso é algo que ninguém pode entender.”. Também criticou o que afirmou ser uma distorção da realidade sanitária sérvia por parte da promotoria australiana.

Parte do sentimento sérvio origina-se na aura de herói nacional que Djokovic possui no país. Além de um esportista extremamente bem sucedido, ele já se pronunciou publicamente sobre diversos pontos sensíveis ao povo sérvio, como a independência de Kosovo. O atleta possui boa relação com o diretor de cinema Boris Malagurski, autor de diversos documentários críticos à Otan, aos EUA e à União Europeia, e o papel desses no fim da Iugoslávia e em uma “vilanização” da Sérvia.

Caso Djokovic conquiste mais um torneio de Grand Slam, termo que abrange os quatro principais torneios de tênis, ele se tornaria o maior vencedor da História do esporte masculino. Atualmente está empatado com Roger Federer e Rafael Nadal. Ou seja, impedir que ele dispute, e eventualmente conquiste, mais um torneio seria até parte de algum complô para impedir o sérvio de atingir esse status.

Do outro lado, parte do repúdio ao tenista vem do fato de ele, mais de uma vez e publicamente, ter questionado a vacinação contra Covid-19, negando-se a se vacinar. Quando o tênis internacional ficou paralisado devido à pandemia, ele organizou um torneio beneficente chamado Adria Tour, que, basicamente, uniu atletas que questionavam o impacto da pandemia ou a necessidade de vacinação. O torneio virou motivo de deboche devido ao alto número de infecções causadas por ele.

Conveniência

A questão é que tudo isso que foi descrito é bastante conveniente aos dois governos. Na política internacional, o interesse é a regra. De um lado, o governo australiano defende sua política perante a Covid, que é usar o fato do país não ter fronteiras terrestres e focar o controle de casos na fiscalização de quem entra no país. A decisão de expulsar Djokovic também agrada a opinião pública australiana.

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Enquanto muitos australianos não conseguem retornar ao seu país e ver seus familiares, um atleta não-vacinado ter entrado no país para participar de um evento em que apenas pessoas vacinadas poderão estar nas arquibancadas estava pegando muito mal. Do outro lado, o governo sérvio apoia publicamente o principal nome do país atualmente, vinculando sua imagem à do tenista que, novamente, é um dos maiores da História.

As tensões entre os dois governos são “baratas” perto disso. Um problema já existente é o fato de que a Austrália reconhece o Kosovo como independente. O comércio entre os dois países é ínfimo, para um total estimado de menos de US$ 30 milhões por ano. Mesmo a expressiva comunidade sérvia na Austrália é formada principalmente por pessoas já nascidas na Austrália.

Principalmente, o leitor mais frequente aqui do nosso espaço deve se lembrar que nas primeiras colunas do ano abordamos as eleições para ficarmos de olho em 2022. E tanto Sérvia, em abril, quanto Austrália, em maio, vão realizar eleições gerais. Ou seja, faltando meses para eleições nacionais, dificilmente algum governo vai ceder ou não se guiar pelo que sua opinião pública expressa.

Por mais que discussões sobre ética, direito individual e bem-estar público sejam essenciais, além de interessantes, o caso de Djokovic também possui facetas que vão além da filosofia, das leis ou da pandemia. Facetas bem mais prosaicas, como eleições, interesses de governos e imagem perante o eleitorado. E, para a compreensão da situação, isso não pode ser perdido de vista.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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