Pelo menos seis pessoas foram mortas quando homens armados atacaram a Bolsa de Valores do Paquistão em Karachi, em 29 de junho| Foto: Rizwan TABASSUM/AFP
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Nessa segunda-feira (29), quatro homens armados atacaram a bolsa de valores de Karachi, centro financeiro do Paquistão. Os números oficiais falam em seis vítimas: quatro seguranças do prédio, um policial e um funcionário da bolsa. Os quatro autores do ataque foram mortos em troca de tiros e o Exército de Libertação do Baluchistão (ELB) reivindicou a autoria do ataque. E esse quase desconhecido conflito pode ilustrar as dinâmicas atuais entre as potências da região.

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Os balúchis constituem um povo de cerca de 10 a 15 milhões de pessoas; mais da metade deles estão no sudoeste do Paquistão. A região chamada Baluchistão, entretanto, também inclui partes do Irã e do Afeganistão. O sufixo “istão”, tão comum na região, significa “terra dos” em persa. Curiosamente, os balúchis estão ali desde “apenas” o século X, migrando pelo planalto iraniano desde o Cáspio. Seu idioma é da família iraniana e, como diversos povos da região, estão divididos em dezenas de lideranças tribais.

Onde e quem?

Esses dois aspectos que explicam porque o leitor provavelmente pouco ouviu falar sobre o Baluchistão. Em uma região de países de alta densidade populacional, os balúchis são dispersos, espalhados por uma área muito vasta. Sim, são oito milhões de pessoas dentro do Paquistão, mais do que a população do Paraguai, mas menos de 5% dos habitantes do país. Tampouco são uma população homogênea ou sob uma liderança consolidada, um líder nacional reconhecido.

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Tanto que a maioria dos balúchis não apoia a independência, sequer deixa de se enxergar como paquistaneses. Uma fatia considerável sequer acha que uma identidade anule a outra, reivindicando ambas. Um dos policiais mortos no ataque se chamava Khalil Jatoi Baloch; formalização de algo como “Khalil, balúchi da tribo Jatoi”, com a licença de uma adaptação grosseira. O separatismo reside então em outros problemas, não o de uma gigantesca massa popular, unida, que reivindica um Estado para chamar de seu.

Um desses problemas é a falta de autonomia regional. O Paquistão, embora formalmente uma federação, é um Estado bastante centralizado. Essa centralização é um sintoma do fato de ser um Estado que, por boa parte de sua existência, esteve em guerra, ou na iminência de uma, ou vizinho de uma. Por cerca de um terço de sua existência, o Paquistão foi uma ditadura militar. A solução seria uma maior descentralização, algo que não ocorre da noite para o dia, mas pode ser alcançada.

Outro problema é a existência de lideranças radicalizadas, muitas vezes potencializadas pelos conflitos religiosos. Por exemplo, os balúchis iranianos, sunitas, lutam contra o Estado iraniano não somente numa perspectiva nacional, mas também por se verem como defensores de uma minoria religiosa no país xiita. No Paquistão, o conflito é afetado pela presença de grupos extremistas sunitas. Inclusive, especula-se de que o governo paquistanês usa um contra o outro.

Finalmente, o principal aspecto: a importância geopolítica do Baluchistão. Não se trata de desmerecer nenhuma comunidade ou nenhum movimento de maneira antecipada, mas o mundo não é mais o mesmo dos nacionalismos românticos do início do século XIX. Separatismos, insurgências e movimentos armados impõe uma certa necessidade de ceticismo, especialmente desde a Guerra Fria. O ardor da imagem de uma luta pela liberdade não deve impedir a frieza dos cálculos políticos.

Interesses

O Baluchistão é uma região rica em recursos naturais, como gás e carvão mineral. A riqueza oriunda da extração dos recursos contrasta com a pobreza da região, o que gera ressentimento dentre os locais. No acidentado relevo do oeste paquistanês, é no Baluchistão que estão importantes passagens terrestres que conectam diferentes regiões do país, como a de Kojak e a de Bolan, uma via arterial para as ferrovias paquistanesas. Por sua importância, esses locais também são potenciais alvos.

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Por desempenhar esse papel de “junção”, como uma peça do miolo de um quebra-cabeças, que o Baluchistão é o terminal do Corredor Econômico China-Paquistão, projeto de investimentos chineses no país na casa dos sessenta bilhões de dólares. Rodovias, ferrovias, gasodutos, diversos projetos de infraestrutura que ligam a China ao Afeganistão e ao porto de Gwadar, no Baluchistão paquistanês. Por suas características naturais, o porto de águas profundas configura-se em um excelente terminal de carga.

Hoje, os principais interessados em um aumento das atividades dos grupos militantes balúchis, como o ELB, são os adversários da China. Não se trata de apontar o dedo para ninguém baseado em julgamentos morais, ou de afirmar nada sem provas, apenas especular, uma especulação orientada pelos interesses. As últimas semanas foram de um aumento na retórica entre Pequim e Washington, e também Pequim e Camberra. Principalmente, uma escalada na tensão entre China e Índia.

Foram dezenas de mortos nas últimas semanas. Soma-se ao fato de que Índia e Paquistão, além de rivais históricos, também estão num momento sensível, devido à revogação da autonomia da região da Caxemira pelo governo Modi. Existem também relações documentadas entre o governo indiano e movimentos balúchis. Para adicionar um tom dramático, um oficial da reserva do exército indiano chamado Gaurav Arya fez, mês passado, ameaças ao Paquistão na televisão.

Mais especificamente, aos soldados paquistaneses no Baluchistão. Reivindicou ter contatos regulares com grupos separatistas balúchis, afirmou que a Índia apoia a “luta nacional” do Baluchistão e que seu país apoiará esses grupos assim como apoiou o antigo Paquistão Oriental - referência ao conflito de 1971, quando o atual Bangladesh tornou-se independente com apoio militar indiano. Se são bravatas de um agora comentarista de televisão ou se são ameaças críveis? Não há como saber.

É possível que a verdade esteja em algum lugar no meio do caminho. O ponto é que o Baluchistão é um foco conveniente e fácil para adversários do Paquistão e da China; a Índia, no caso, está em momentos delicados com ambos, mas isso serve para qualquer potência. Existe um núcleo armado e radical, com uma luta facilmente propagandeada como romântica, pela libertação nacional, possibilitando uma interferência estrangeira. Enquanto isso, como “efeito colateral” inocentes morrem.

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