O próximo domingo (14) promete ser um dos mais importantes dos cem anos da república da Turquia. Serão realizadas eleições gerais, tanto para presidente, em dois turnos, quanto para os 600 assentos do parlamento nacional, a Grande Assembleia Nacional da Turquia. Na corrida presidencial, a disputa é entre uma frente ampla de oposição e Recep Erdogan, o homem que governa a Turquia por praticamente todo o século XXI.
O pleito, além de importante, é carregado de simbolismos, como mencionamos aqui dois meses atrás. O ano de 2023 marca o centenário da República da Turquia, em outubro. E foi em um 14 de maio, mas em 1950, que o Partido Popular Republicano foi derrotado pela primeira vez, então liderado por İsmet Inonu. Conhecido em turco pela sigla CHP, o partido é o lar do Kemalismo, a visão de Mustafa Kemal Ataturk, o “Pai dos turcos”, para a Turquia.
O Kemalismo reúne, dentre outros fatores, a defesa de uma república secular, cientificamente progressista e desenvolvimentista. Hoje, o principal adversário do Kemalismo é justamente Erdogan e seu partido Justiça e Desenvolvimento, o AKP. Erdogan retoma o papel da religião no Estado da Turquia e, desde a nebulosa tentativa de golpe de Estado em 2016, ele persegue seus opositores, muitos deles ligados ao Kemalismo.
Erdogan
Quem é Erdogan, então? Ele despontou em 1994, quando foi eleito prefeito de Istambul pelo Partido do Bem-Estar, uma legenda islamista, crítica do secularismo. Ele ocupou o cargo até 1998 e, nesse período, foi brevemente preso e banido da política, por recitar um poema religioso enquanto prefeito. Em 2001, fundou o AKP, para ser um partido “religioso moderado” e “socialmente conservador”, em suas próprias palavras.
Erdogan liderou o AKP nas eleições de 2002, vitoriosas para o partido. Como Erdogan estava proibido de ocupar cargos políticos, um de seus aliados assumiu o cargo de primeiro-ministro e anulou o banimento de Erdogan. Em março de 2003, Erdogan foi oficializado como primeiro-ministro, cargo que ocupou até 2014, incluindo mais duas vitórias eleitorais, em 2007 e em 2011.
Em 2014, Erdogan tornou-se presidente, um cargo teoricamente com pouco poder político na então república parlamentarista. Na prática, entretanto, Erdogan era a “eminência parda” da Turquia, governando de fato, e em 2017, um referendo constitucional transformou o sistema parlamentarista em um sistema presidencialista. No ano seguinte, Erdogan foi eleito, de fato e de direito, presidente executivo do país.
Em outras palavras, Erdogan governa a Turquia desde 2003, seja como primeiro-ministro, seja como presidente. Esse período é marcado pela deterioração democrática da Turquia, com aumento de prisões, de autoritarismo e da censura, tudo sob a justificativa de combater forças “golpistas”, como os seguidores de seu ex-aliado Fethullah Gulen ou militares e juristas de orientação Kemalista.
Além da deterioração democrática, o país deu uma guinada em sua política externa na última década. A postura pró-União Europeia foi abandonada e a Turquia passou a focar-se no Oriente Médio e no Mediterrâneo Oriental, incluindo o uso da força. Intervenção na guerra civil da Síria, operações militares em território iraquiano e o apoio ativo e ostensivo ao Azerbaijão em seu conflito com a Armênia são alguns dos principais exemplos.
Os primeiros anos de Erdogan foram marcados por um grande crescimento econômico e expansão da infraestrutura. Nos últimos anos, entretanto, a inflação e a desvalorização da lira turca cobraram um duro preço da economia do país. A deterioração econômica e o crescente autoritarismo são os dois principais elementos do discurso da oposição contra Erdogan, unida em uma frente ampla sob o discurso de salvar a democracia do país.
Frente ampla
O candidato presidencial de oposição é Kemal Kilicdaroglu, líder do CHP. Com 74 anos de idade, sua principal qualidade é a de ser um articulador parlamentar, um político astuto que conseguiu costurar a aliança de partidos opositores, embora seja inexperiente no Executivo, nunca ocupando um cargo. Além disso, coleciona derrotas em sua carreira, como nas eleições para a prefeitura de Istambul.
A frente ampla de oposição une 24 partidos, incluindo três dos cinco maiores no parlamento: o CHP, a segunda força da casa, o Partido Popular Democrático, a maior sigla da minoria curda, que possui 56 cadeiras na casa, e o Partido Bom, kemalista. Segundo as pesquisas de opinião, Kilicdaroglu possui uma pequena vantagem. Um eventual segundo turno provavelmente beneficiaria Erdogan, ocupante do cargo.
O discurso da oposição é de que é necessário salvar a democracia turca. Já o discurso do governo é de que seria necessário salvar a própria Turquia, já que a oposição inclui os curdos e os movimentos seculares. Principalmente, a figura da eleição é Erdogan. Como em muitas eleições recentes pelo mundo, o que une a frente ampla turca é apenas uma coisa: tirar Erdogan do poder, depois de duas décadas.
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