El Salvador possui um novo presidente e o personagem é mais complexo do que parece. Nayib Bukele, de trinta e sete anos, foi eleito no último final de semana com 53% dos votos válidos. Representando um partido de direita, sua plataforma eleitoral era anticorrupção e focada na segurança pública, contra as gangues que assolam o país. O candidato se apresentava como um outsider, uma renovação por fora dos partidos salvadorenhos tradicionais, com uma comunicação baseada nas redes sociais, sem participar de debates eleitorais. Parece uma receita de bolo das últimas eleições pelo mundo, mas é interessante um olhar além das impressões.
Primeiro, Bukele não é exatamente um alienígena da política, um intruso vindo do mundo privado, como Donald Trump. E também, nesse sentido, não é como Bolsonaro, que era um político por três décadas, entretanto, sem nunca ocupar um cargo executivo, um dos 513 deputados federais. Bukele, por sua vez, foi prefeito por duas vezes, uma delas da capital San Salvador. No pequeno país mesoamericano, cerca de 10% da população reside na capital. Contando-se toda a zona metropolitana, um terço da população que reside na região acompanhou de perto, por três anos, o trabalho do presidente eleito.
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Considerando a prefeitura da pequena Nuevo Cuscatlán, ele esteve por seis anos ocupando um cargo de chefia executiva. Dificilmente um forasteiro das urnas eleitorais. Nas duas cidades que governou, Nayib Bukele foi o candidato mais votado, com mais da metade dos votos da capital. A segunda questão é que Nayib Bukele seria um nome “fora dos partidos tradicionais”. Sim, pela primeira vez desde o fim da guerra civil do país, o presidente eleito de El Salvador não será de um dos dois maiores partidos.
Carreira política
À direita a Alianza Republicana Nacionalista, conhecida pelo acrônimo ARENA, tal qual o partido da direita pró-militares no Brasil de décadas atrás. Na esquerda, a Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional (FMLN), partido originado dos grupos guerrilheiros da guerra civil do país. Entre 1994 e 2009, o país foi governado por presidentes eleitos da ARENA, sucedidos por dois mandatários do FMLN. Nayib Bukele passou toda sua carreira no partido de esquerda, como defensor de políticas progressistas, e foi expulso da legenda em 2017. Sim, expulso.
O estopim foi um episódio de agressão física e verbal contra uma integrante do partido. Além disso, ele teria ofendido a legenda e o presidente do país, Salvador Sánchez Cerén. Como nem tudo é simples na política, Bukele estaria, naquele momento, buscando ser o novo rosto do partido, com o objetivo de concorrer à presidência. Foi esse racha interno e o fato de ter sido considerado novo para o cargo que teriam motivado sua postura, cavando uma expulsão ou algum episódio midiático. Após sua expulsão, Bukele quis fundar o próprio partido, ao estilo de Emmanuel Macron.
O partido Nuevas Ideas não foi registrado à tempo das eleições legislativas de Março de 2018, o que inviabilizaria a candidatura ao cargo máximo. Ele então procurou o pequeno Cambio Democrático (CD), partido de centro, como legenda. O partido, entretanto, teve menos que cinquenta mil votos nas mesmas eleições legislativas, o que causou a necessidade de fusão do partido, com o risco de ser extinto. Similar ao novo piso eleitoral brasileiro. Em cima do prazo de registro eleitoral, Bukele procurou seu atual partido, o Gran Alianza por la Unidad Nacional (Gana).
O Gana é uma dissidência do ARENA, de perfil ideológico à direita; entretanto, ele é tratado como legenda de aluguel pelo novo presidente. Que, repete-se, passou sua carreira inteira ligado ao partido da esquerda salvadorenha. Quais as orientações das políticas do novo presidente? Como ele vai lidar com eventuais contradições com “sua” base partidária, que não é sua, é um acordo de conveniência? Além disso, no Parlamento unicameral do país, o Gana, atualmente, possui apenas onze deputados, de oitenta e quatro assentos. O maior partido é a ARENA, com 35, e o FMLN em segundo, com 31 deputados.
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Ou seja, o presidente precisará articular com ao menos um dos dois partidos tradicionais uma coalizão para viabilizar um governo; o FMLN governa justamente com o apoio do Gana. E, mesmo com a bandeira anticorrupção, diversos integrantes do seu partido possuem problemas com a justiça, como desvio de verbas, lavagem de dinheiro e ligações com o narcotráfico. Um dos caciques do Gana é Guillermo Gallegos, vice-presidente do parlamento, cuja esposa presidia uma fundação que recebia verbas parlamentares. Para quais atividades, aparentemente ninguém sabe em El Salvador.
Origem
Finalmente, algo de destaque é a ascendência do novo presidente, que pode ajudar no desmonte de alguns estereótipos. Nayib Bukele é neto de palestinos. Cerca de setenta mil palestinos e descendentes residem em El Salvador, cerca de 1% da população total. Ele sequer será o primeiro presidente de origem palestina do país. Pela ARENA, entre 2004 e 2009, El Salvador foi governado por Antonio Saca, cuja família paterna é de Belém. Nessa mesma eleição ele derrotou o deputado Schafik Handal, do FMLN, filho de um casal palestino também de Belém.
No quase vizinho Belize, Said Musa foi premiê do país por dez anos, entre 1998 e 2008, filho de palestinos. No total, cerca de duzentos mil palestinos e seus descendentes residem na América Central. Outro meio milhão de palestinos e descendentes residem no Chile, o país com a maior comunidade palestina fora do Oriente Médio. O Chile reconheceu a Palestina em 2011, durante o primeiro mandato de Piñera, e proíbe a entrada de produtos originados de assentamentos israelenses na Cisjordânia. Tanto no Chile quanto nos países mesoamericanos, as comunidades muçulmanas são diminutas. A maioria dos palestinos americanos é católica romana; Belém ainda é um núcleo cristão de palestinos.
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O novo governo de El Salvador enfrentará desafios na economia e na segurança pública. A economia possui um desempenho fraco em anos recentes, e sua matriz é pouco variada. Já a violência faz de El Salvador proporcionalmente um dos países com mais homicídios do mundo; talvez o líder desse ranking nem um pouco elogioso. Não à toa que é de El Salvador em que diversas caravanas de imigrantes irregulares partem rumo aos EUA, onde as gangues salvadorenhas, como a Mara Salvatrucha, são referência constante no debate político. Resta saber qual será o governo de Nayib Bukele, e como será seu desempenho.
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