Ouça este conteúdo
Os paraguaios elegeram o conservador Santiago Peña como seu presidente pelos próximos cinco anos. Esse pleito deveria ter recebido mais atenção da imprensa brasileira, dada sua importância para a economia nacional. Desde 2019 lembramos aqui em nosso espaço de política internacional que, neste ano de 2023, o acordo de Itaipu precisará ser renegociado entre Brasil e Paraguai. Nesse sentido, o resultado da eleição foi uma boa notícia para o Brasil e para o governo Lula.
Peña, do conservador Partido Colorado, teve 43,9% dos votos. Em segundo lugar ficou Efraín Alegre, do Partido Liberal Radical Auténtico, de centro-esquerda, com 28,2% dos votos. Em terceiro, Paraguayo Cubas, com 23,5% dos votos, do Partido Cruzada Nacional, populista de direita. As eleições vizinhas não preveem segundo turno, então, mesmo sem a maioria dos votos, Peña foi o vencedor. Como curiosidade, José Luis Chilavert, ex-goleiro e ídolo nacional de futebol, teve menos de 1% dos votos.
Racha interno
A menção aos partidos é interessante, pois, até 2016, Peña era integrante do PLRA, principal opositor de seu atual Partido Colorado. Muito provavelmente a “virada de casaca” se deu pelo fato dele então integrar o gabinete do presidente Horácio Cartes, Colorado, que exigiu a filiação partidária. O presidente eleito foi ministro das Finanças por mais de dois anos sob Cartes, de quem é próximo até hoje, o que poderia ter lhe custado pontos de imagem pública perante o eleitorado.
Cartes presidiu o país entre 2013 e 2018, e hoje preside o Partido Colorado, que governa o país desde 1948, salvo o período entre 2008 e 2013. Desde o ano passado Cartes está sob sanções dos EUA, que o acusa de corrupção e envolvimento com crime transnacional. Embora o partido tenha a hegemonia histórica, ele não é homogêneo. Na penúltima eleição, estava rachado em duas facções, a de Cartes, cujo candidato era Peña, e a de Mario Abdo Benitez, que foi eleito em 2018.
Devido esse racha, mesmo após os parabéns oficiais do presidente, Peña afirmou que seu governo tinha que resolver “anos de estagnação econômica, déficit fiscal elevado, alta taxa de desemprego e aumento da pobreza extrema”. Uma das principais armas paraguaias para resolver essas questões é a usina de Itaipu, fonte de divisas para o Paraguai. A usina binacional gera, aproximadamente, 17% de toda a energia consumida no Brasil e 75% da energia consumida no Paraguai.
O Estado paraguaio vende a maioria de sua cota de energia ao Brasil, já que não usam toda a energia gerada na usina a que têm direito. Pelo tratado de Itaipu de 1973, ambos os países possuem metade da energia gerada pela usina, com a obrigação de vender eventuais excedentes ao parceiro. Nas últimas décadas, os paraguaios passaram a exigir o direito de poderem vender seu excedente por melhores preços e para outros clientes. O Tratado de Itaipu tinha validade de cinquenta anos, até 2023.
Negociação com o Brasil
A renegociação do acordo pode ser difícil e muito provavelmente o Brasil terá que fazer alguma concessão, depois de cinquenta anos do tratado original e de quase quarenta anos de operação da usina. A eleição de Peña é uma boa notícia para as renegociações com o Brasil, por dois motivos. O primeiro deles é a manutenção do Partido Colorado no poder. O Brasil já mantém consultas com autoridades paraguaias para a renovação do acordo, além de ter laços históricos com lideranças do partido.
Uma vitória do PLRA representava o risco dessas consultas já existentes retornarem à estaca zero. Além disso, o partido de centro-esquerda poderia, para marcar uma clivagem com o partido hegemônico, adotar uma postura mais linha-dura na negociação, abertamente populista. Durante os protestos contra o governo Mario Abdo Benítez, alguns anos atrás, a oposição fazia uma conexão direta entre os problemas do país e uma suposta falta de soberania sobre Itaipu.
O Brasil e governos colorados já cooperaram em diversos episódios passados e, ao que tudo indica, isso pode facilitar o processo de negociação. O segundo ponto diz respeito especificamente ao governo Lula. Como citado, a renegociação de Itaipu deve enfrentar alguns obstáculos e o Brasil provavelmente terá que fazer concessões, sendo virtualmente impossível uma mera renovação do acordo nos mesmos termos já existentes, negociados quando o Paraguai era uma ditadura corrupta e personalista sob Stroessner.
Caso o Brasil sob o governo Lula fizesse concessões ao eventual governo de centro-esquerda do PLRA, seria acusado no debate político doméstico de ter favorecido um governo de esquerda. A realidade da manutenção do partido conservador no poder elimina esse desafio interno, mesmo em caso de concessões pelo Brasil. Nada disso significa, entretanto, que a renegociação será simples, apenas representa que dois eventuais obstáculos foram evitados com a eleição.
Peña também terá outros eventuais desafios na política externa de seu governo. Um deles é a mudança de status de Jerusalém, com o presidente-eleito já afirmando publicamente que defende o reconhecimento da cidade como capital de Israel. Outro desafio é uma possível troca de representação chinesa, já que o setor agropecuário paraguaio deseja a formalização das relações com a República Popular da China, rompendo com Taiwan. Penã assume o cargo em agosto, quando teremos respostas sobre esses desafios.