Chega o período em que o ano que está terminando é encaixotado e começam os planos para o período que começará. Colabora o fato de que o ano que está terminando não deixará saudades em ninguém. Pela terceira vez (o tempo passa rápido!), aqui no nosso espaço de política internacional, vamos fazer um balanço dos principais tópicos que nos aguardam no ano que se aproxima. Essa seleção de temas, além de informar o leitor, também contribui para antecipar o estudo e aprofundamento em relação aos temas que mais despertem o interesse de cada um. Comecemos o balanço pelas eleições de nossa vizinhança sul-americana em 2021.
Equador
No dia sete de fevereiro, os equatorianos vão às urnas escolher o novo presidente do país e os 137 deputados do legislativo unicameral. Na corrida presidencial, as pesquisas indicam que teremos segundo turno, com dois candidatos principais na briga. Com cerca de 24% das intenções de voto está o banqueiro Guillermo Lasso, do Movimiento CREO, de orientação conservadora. Ele foi o segundo colocado nas eleições de 2013, quando foi derrotado no primeiro turno por Rafael Correa, e foi derrotado no segundo turno pelo então sucessor de Correa, Lenin Moreno, em 2017.
Lenin Moreno, inclusive, não disputará a reeleição, sabendo que sua votação provavelmente seria vexaminosa. Para a esquerda, ele é um traidor de Correa. Para a direita, ele é um oportunista “ex-esquerdista” que não é confiável. O principal nome do campo da esquerda é Andrés Arauz Galarza, que foi ministro de Correa, pela Unión por la Esperanza, coalizão formada para contornar o imbróglio jurídico envolvendo o partido Fuerza Compromiso Social, fundado por Correa, que alega perseguição política. Andrés Arauz está com cerca de 20% das intenções de voto.
Fecha o pódio o candidato Yaku Pérez Guartambel, do movimento Pachakutik, parte de um um grupo maior indigenista de esquerda. O nome completo inclui o termo “Movimiento de Unidad Plurinacional”. Yaku Sacha é professor universitário e advogado, e sua candidatura possui cerca de 12% das intenções de voto. É provável que seu eleitorado vote em Andrés Arauz em um segundo turno, contra Lasso, mas essa “migração” eleitoral não será automática. As pautas das comunidades indígenas foram centrais nos protestos que tomaram o Equador no ano passado, incluindo descontentamento com parte da esquerda do país.
O leitor mais atento deve ter notado que estão ausentes mais de 40% do eleitorado nessas estimativas. Eles estão fragmentados em quase uma dezena de outras candidaturas, além de eventuais abstenções; em 2017, essa parcela foi de 20% do eleitorado. O fato é que teremos um segundo turno entre esquerda e direita, com um discurso político bastante polarizado. Uma expressão que está se tornando quase um clichê, mas é explicada pela delicada situação equatoriana.
Economia em crise por anos, causada pela crise do petróleo e pela reconstrução pós-terremoto de 2016, alto número de mortes por Covid-19, racha político, governo desprestigiado, denúncias de corrupção, o julgamento e o exílio de Rafael Correa, todos esses são alguns dos motivos para chamar essa situação de delicada. E qualquer que seja o eleito, não terá vida fácil, com um legislativo fragmentado e que requer o “presidencialismo de coalizão” conhecido no Brasil.
Peru
Falando em crise, no dia onze de abril o vizinho Peru também elegerá um novo presidente e os 130 deputados do legislativo unicameral. Todos os últimos presidentes peruanos eleitos foram afastados do cargo ou investigados por corrupção. No último mês, o país teve três presidentes. Martín Vizcarra, então vice-presidente que assumiu em março de 2018 e que sofreu impeachment no congresso por “incapacidade moral”, uma acusação bastante flexível, consequência de uma queda de braço política derivada das tentativas de reformas propostas por Vizcarra.
Em dez de novembro de 2020, ele foi sucedido por Manuel Arturo Merino de Lama, então presidente do Congresso, que contava com uma legitimidade popular virtualmente nula. Ele renunciou cinco dias depois, marcados por intensos protestos. No dia 17 assumiu Francisco Sagasti Hochhausler, de partido centrista e com um mandato virtualmente apenas para supervisionar o planejamento e realização das novas eleições em 2021.
O primeiro colocado nas pesquisas de opinião é o voto nulo. O Peru, tal como o Brasil, possui voto obrigatório, então, o comparecimento eleitoral pode até ser alto, mas isso não significa muita coisa. Por exemplo, em 2016, 80% do eleitorado compareceu. Dos dezoito milhões que votaram, entretanto, mais de três milhões de pessoas votaram nulo, o “segundo colocado” do primeiro turno. Um cenário no mínimo parecido deve se repetir. Depois dos nulos, o candidato com mais intenções de voto é George Forsyth, ex-goleiro do clube Alianza Lima, que conta com a maior torcida do país.
Forsyth é candidato pelo Restauración Nacional, um pequeno partido de direita ligado ao crescente setor evangélico peruano, e seu discurso eleitoral é muito similar aos outros candidatos “antissistema” dos últimos anos. Contra corrupção, a “velha política”, pelo “civismo”, mas poucas propostas objetivas em temas como economia. Ele se assemelha ao candidato Nayib Bukele de El Salvador, hoje presidente do país centro-americano. Três candidaturas estão empatadas em segundo lugar, brigando por um eventual segundo turno.
Claro, um empate técnico, considerando as margens de erro das pesquisas. Os nomes são Verónika Mendoza, da coalizão de esquerda Juntos por el Perú; Julio Guzmán, dos liberais de centro do Partido Morado, o mesmo do atual presidente interino; e Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori e líder do maior partido de direita peruano, o Fuerza Popular. Sua candidatura enfrenta problemas derivados do fato de ela estar em liberdade condicional, após ter sido presa durante investigações por lavagem de dinheiro e obstrução de justiça.
Caso a herdeira Fujimori vá ao segundo turno, uma vitória de Forsyth é quase certa. Uma questão interessante é que, enquanto os EUA passaram pela eleição mais geriátrica de sua História, os candidatos peruanos são bastante jovens. Guzmán é o mais velho, aos cinquenta anos de idade, e tanto Forsyth quanto Mendoza têm menos de quarenta anos de idade. Outro aspecto interessante, que favorece o candidato “antissistema”, é o fato de que os candidatos dos maiores partidos do congresso peruano, como o Acción Popular, estão em baixa nas pesquisas.
Chile
No mesmo dia onze de abril os chilenos vão às urnas pela primeira vez no ano. Nesse dia, elegerão os dezesseis governadores, mais 345 prefeituras e seus respectivos conselhos municipais. As eleições locais não são exatamente o foco das colunas do nosso espaço, mas, nesse mesmo dia, os chilenos vão também votar numa eleição nacional e com potenciais impactos muito mais duradouros. Serão escolhidos 138 dos 155 membros da Convenção Constituinte, a partir de 28 distritos, cada um elegendo entre três e oito representantes para a redação de uma nova Carta Magna.
Além dos 138 membros eleitos pelos distritos, dezessete constituintes serão eleitos para representar os povos indígenas. Os mapuches escolherão sete representantes, os aimará terão dois e outros oito povos terão um representante cada na constituinte. Também estão sendo articuladas candidaturas independentes dos partidos, com representantes de setores mais específicos, como de artistas e produtores culturais. Segundo o site chileno Tresquintos, a projeção é que a direita fique com um terço da constituinte, enquanto a esquerda com dois terços, aglutinando-se todas as vertentes.
Mais adiante no ano, no dia 21 de novembro, os chilenos voltam às urnas para escolher a presidência, todos os 155 deputados e 23 dos 43 assentos do senado. Em caso do provável segundo turno para presidente, o voto será no dia dezenove de dezembro. O atual presidente Sebastián Piñera, de direita, não pode disputar a reeleição e, pela primeira vez desde 2006, o Chile terá uma pessoa ocupando Palácio de La Moneda que não é nem Piñera e nem Michelle Bachelet, de esquerda, que se revezaram por quatro mandatos.
O segundo turno é colocado como provável pela coluna, entretanto, as candidaturas ainda não estão sacramentadas. O motivo da afirmação é pelo fato de que a esquerda chilena está dividida, com a antiga Concertación implodida em 2013. Provavelmente os três primeiros colocados do primeiro turno serão um candidato de direita pela coalizão Chile Vamos; uma candidatura de centro-esquerda; e uma candidatura de esquerda mais radical. Claro que, até a data do pleito, as esquerdas podem entrar em algum acordo para terem mais força perante uma candidatura de direita que se destaque nas pesquisas.
Argentina
Finalmente, os vizinhos argentinos vão às urnas no dia 24 de outubro para renovar o Congresso Nacional. Estarão em jogo 127 cadeiras da Câmara de Deputados, metade do total, e 24 assentos no Senado, um terço da casa. Os deputados serão eleitos para um mandato de quatro anos, enquanto os senadores possuem mandato de seis anos. Como qualquer eleição no meio de um mandato presidencial, ela será uma espécie de “referendo” sobre o governo de Alberto Fernández. O fato de termos ainda dez meses até o pleito dificulta qualquer pesquisa mais substancial, infelizmente.
Fiquem de olho aqui no nosso espaço, com a próxima coluna abrangendo as principais eleições na Europa e na África em 2021.
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