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Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo

Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

Conversas em Moscou

Economia e a Pax Sinica na Ucrânia foram o foco do encontro entre Xi e Putin

Imagem em telão em Pequim mostra Xi Jinping e Vladimir Putin brindando no encontro desta semana na Rússia (Foto: EFE/EPA/WU HAO)

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Xi Jinping realizou sua primeira visita internacional após ser reeleito para um terceiro mandato como líder da China, e o destino foi a cada vez mais aliada Rússia. Xi e Vladimir Putin assinaram acordos comerciais, falaram da importância da aproximação cultural e social entre os dois países e, por mais de quatro horas, debateram a guerra na Ucrânia. A visita uniu tanto questões objetivas quanto aspectos simbólicos, com uma pergunta: Xi conseguirá ser o articulador do fim da guerra na Ucrânia?

Foi o 40º encontro entre Xi e Putin desde 2013, com ambos se chamando de “querido amigo”. O número não inclui conversas por telefone e videoconferências, um contato mais próximo do que muitas pessoas possuem com familiares. A Rússia foi o primeiro destino internacional do líder chinês, dez anos atrás. Desde então, além de diversos acordos de cooperação, o comércio bilateral entre os dois gigantes territoriais dobrou, estando perto dos US$ 200 bilhões.

Economia

As relações comerciais e financeiras foram tema importante das conversas em Moscou, com a assinatura de uma declaração conjunta para expansão da cooperação econômica com metas para 2030. Também discutiram a expansão da infraestrutura energética entre os dois países, como o planejado gasoduto Poder da Sibéria 2, que vai passar pela Mongólia. As relações econômicas entre Rússia e China são importantíssimas para Moscou, entretanto, se tornam cada vez mais assimétricas.

China e Rússia se aproximam cada vez mais devido às sanções dos EUA e da União Europeia. Os russos precisam encontrar destinos para seus hidrocarbonetos e parceiros que contornem o uso do dólar e do sistema financeiro baseado no chamado Ocidente. A China precisa expandir os mercados abertos aos seus produtos com as crescentes medidas protecionistas que enfrenta, e contornar o sistema baseado no dólar é um de seus principais interesses dos últimos anos.

Falamos desse tema aqui em nosso espaço exatamente um ano atrás. Durante a visita de Xi, Putin defendeu o uso do yuan como intermediário mesmo para as relações russas com outros atores, como países africanos. Hoje, 14% do volume das transações bancárias feitas na Rússia são em yuan. A questão é que, embora a China ofereça tratamento recíproco e aceite transações em rublos, a relação é bastante assimétrica, com o uso de rublos correspondendo a menos de 1% de transações chinesas.

Assimetria é uma palavra que define bem as atuais relações econômicas entre China e Rússia. A China é a maior parceira comercial da Rússia, mas os russos são apenas o quinto parceiro chinês. A maior parte das exportações russas são de commodities, como gás natural, petróleo e trigo. Enquanto isso, produtos industrializados de origem chinesa expandem cada vez mais sua presença nos mercados russos, como aço, eletrônicos, maquinário e navios.

Com as sanções ocidentais, muitas montadoras de carros encerraram suas operações na Rússia após a invasão da Ucrânia. Em 2022, 17% dos carros vendidos da Rússia eram de origem chinesa. Hoje, a Rússia está na vantagem apenas em questões pontuais, como a expertise nuclear. Quatro reatores nucleares na China estão sendo construídos pela Rússia, e, durante a visita, foi assinado um acordo de cooperação entre a Rosatom e a Autoridade de Energia Atômica chinesa.

Pax Sinica

A China é um aliado importantíssimo para a Rússia nas últimas duas décadas, disso não há dúvida, mas a tendência de profunda assimetria econômica é preocupante para Moscou, que corre cada vez mais risco de se tornar um “parceiro júnior” nessa relação. Ao mesmo tempo, a intenção e o potencial são deslocar, cada vez mais, o centro da política internacional para longe do chamado Ocidente. Xi se referiu a esse movimento quando Putin se despediu do “querido amigo”, no carro que levou o líder chinês ao aeroporto.

“No momento, há mudanças como não víamos há cem anos, e somos nós que conduzimos essas mudanças juntos.” Essas foram as palavras de Xi para Putin, em público, perante a imprensa. Ou seja, um recado claro para os EUA e para a União Europeia. Depois da Pax Britannica e da Pax Americana, o mundo pode ver uma Pax Sinica, alcançada com apoio da Rússia. Isso dependerá de um cada vez maior papel chinês como mediadora e ponte diplomática, com foco atual na Ucrânia.

Vimos aqui em nosso espaço, semana passada, o papel chinês na mediação da reaproximação entre Irã e Arábia Saudita. Um plano de paz para a Ucrânia, entretanto, é bem diferente, já que envolve os interesses diretos da maior potência econômica e militar do planeta, os EUA. O plano chinês anunciado possui 12 pontos abrangentes, intencionalmente vagos, para servirem de parâmetro para negociações mais objetivas e específicas. Putin disse que os pontos “respeitam” a posição da Rússia.

Na semana que começa, Xi receberá Lula e Pedro Sánchez, chefe de governo espanhol. Ambos os governos anunciaram que debaterão a paz na Ucrânia com o líder chinês; no caso de Lula, dentre outros assuntos. Sánchez vai como líder de um país da UE e da OTAN, servindo de possível intermediário entre os blocos e a China. Já Lula e o Brasil representam o tipo de apoio que a China precisa angariar para conseguir avançar no seu papel de mediador da Ucrânia.

Os países que estão afetados pela guerra, especialmente em suas economias, mas que não estão envolvidos de maneira irremediável no conflito. Brasil, Índia, Egito e sauditas, por exemplo. A partir dessa base de apoio, a China pode avançar sua proposta, ganhando adeptos e conseguindo diminuir a resistência europeia. Importante lembrar que a posição da UE não é homogênea, com divergências internas ao bloco. No outro extremo está Washington, que afirma que a posição da China não é neutra para ser mediadora.

Principalmente, os EUA acusam o plano chinês de, na prática, legitimar a ocupação de territórios pela Rússia, já que os pontos chineses não exigem a retirada russa. Também afirma que um cessar-fogo serviria apenas para a Rússia ganhar tempo e recuperar suas forças. Putin, por sua vez, respondeu dizendo que o governo Biden é o menos interessado na paz na Ucrânia, e que os EUA querem lutar “até o último ucraniano”. De qualquer maneira, hoje, não há solução militar viável no horizonte.

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