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O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas é um dos principais órgãos da atual ordem internacional. É o único com autoridade para adotar decisões vinculantes para todos os Estados-membros da ONU e também o único que pode autorizar o uso da força militar, de acordo com o capítulo 7 da Carta da ONU. Nessa semana tivemos tanto um anúncio quanto uma “velha novidade” sobre o Conselho de Segurança.
Como nossos leitores devem saber, o CSNU é composto por quinze países. Mais conhecidos são os cinco membros permanentes: EUA, Reino Unido, França, Rússia e a China. Esses são os países que possuem o chamado “poder de veto”, um termo para se referir ao fato de que esses países podem tanto elaborar a pauta das reuniões do Conselho, determinando os assuntos que serão debatidos, quanto o fato de que, em caso de voto negativo de um desses países, uma resolução não é aprovada.
Membros rotativos
O Conselho também é composto por outros dez países, rotativos, eleitos pela Assembleia Geral, para mandatos de dois anos. Os mandatos começam no primeiro dia do ano e, todo ano, metade dos países são renovados. A distribuição dos dez assentos rotativos é geográfica e também é alternada. A África possui três integrantes, enquanto América Latina e Caribe, Ásia-Pacífico e Europa Ocidental e Outros possuem dois cada. Finalmente, a Europa oriental possui um integrante.
Os cinco países que deixarão o Conselho no último dia de 2022 são Quênia, Índia, México, Irlanda e Noruega. Essa semana tivemos a eleição dos cinco países substitutos. Moçambique, Japão, Equador, Suíça e Malta, respectivamente. Completarão o órgão em 2023 o Gabão, Gana, Emirados Árabes Unidos, ocupando o assento que tradicionalmente é de um país árabe, Albânia e Brasil. Ou seja, teremos Brasil e Japão juntos, os dois países que mais ocuparam mandatos rotativos no CSNU.
Os dois países integram o G-4, junto de Alemanha e Índia, grupo de países que defende uma reforma do CSNU e maior representatividade para países em desenvolvimento, além de eventuais vagas permanentes para Japão e Alemanha, duas potências que são excluídas pois, quando da formação do CSNU, eram os países derrotados na Segunda Guerra Mundial.
Cúpula dos BRICS
Isso remete à “velha novidade” dessa semana em relação ao CSNU. A China sediou a cúpula virtual dos líderes dos BRICS, grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Como em todas as cúpulas, a declaração final pediu pela reforma das organizações internacionais, criadas no pós-Segunda Guerra Mundial e que estariam defasadas em representar e retratar o mundo atual.
Isso inclui desde o Fundo Monetário Internacional até o CSNU, com a África do Sul sempre se projetando como eventual representante permanente de seu continente. A declaração dos BRICS lembra do projeto de reforma elaborado em 2005, quando dos sessenta anos da ONU, pedindo por um CSNU “mais representativo e eficiente”. China e Rússia "reiteram a importância que atribuem ao status e papel do Brasil, Índia e África do Sul” e "apoiam suas aspirações de desempenhar maior papel na ONU.”
A declaração também “lembra” que apenas o CSNU possui autoridade de impor sanções internacionais “legítimas”, uma referência às sanções impostas contra a Rússia pela invasão da Ucrânia, que Moscou considera ilegítimas. Claro que também é importante lembrar que a mesma Rússia teria o poder de evitar tais sanções no âmbito do CSNU, em um cenário de “quem vigia os vigilantes”.
A questão é que, como dito, pedir pela reforma do CSNU é uma “velha novidade”. O projeto defendido já tem dezessete anos de “idade”. Inclusive, a reforma da instituição esbarra nos membros permanentes, que não querem ver o seu chamado “poder de veto” ser diluído pela ampliação do órgão. A China propõe, por exemplo, uma ampliação dos membros permanentes, mas sem o chamado “poder de veto”.
Reforma e estreantes
E, enquanto Pequim apoia o pleito brasileiro, não aceitaria o Japão no Conselho. As participações do Brasil no BRICS e no G-4 não chegam a ser contraditórias, mas enfrentam desafios opostos. Por exemplo, alguns países europeus apoiam a ideia de um assento permanente para a África, enquanto esses mesmos países se opõem a um eventual assento permanente para a Alemanha.
A grande novidade da semana em relação ao CSNU está na eleição dos membros rotativos. Claro, pode soar mero protocolo ou curiosidade, mas existe um fato notável. Será a primeira vez que a Suíça vai ocupar um assento no Conselho de Segurança, rompendo com mais de setenta anos de neutralidade, junto de uma recente expansão de seu orçamento militar.
Segundo o Ministério de Relações Exteriores suíço, a participação no CSNU dará ao país “um instrumento adicional para representar seus interesses e alcançar seus objetivos de política externa”. Possivelmente a decisão foi tomada com dois fatores principais por trás. O cenário de segurança europeu, intensificado com a invasão da Ucrânia, e pautas de direitos humanos, enfraquecidas no sistema ONU com a subversão dos mecanismos de fiscalização, com países como Arábia Saudita ocupando assentos nos órgãos pertinentes.
Como registro, Moçambique também ocupará um assento rotativo no CSNU pela primeira vez, e o ano de 2023 será uma das raras ocasiões em que dois países lusófonos estarão no Conselho. Ainda assim, mesmo com a “velha novidade” e com o assento rotativo garantido para o ano que vem, o sonho brasileiro de um assento permanente no CSNU continua tão provável quanto era dez anos atrás. Ou seja, não muito.