O presidente Joe Biden: governo americano faz ofensiva diplomática junto a aliados e na quinta-feira prendeu militar suspeito de vazar documentos do Pentágono| Foto: EFE/EPA/TOLGA AKMEN
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Na última quinta-feira (13), a polícia federal dos Estados Unidos, o FBI, prendeu Jack Teixeira, acusado de vazar uma série de documentos confidenciais do governo dos EUA na internet. As curiosas circunstâncias do crime estão sendo investigadas pelas autoridades dos EUA, com grande interesse da imprensa. Seus efeitos concretos na política internacional, entretanto, são impossíveis de serem medidos nesse momento.

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Jack Douglas Teixeira, de 21 anos de idade, servia na 102ª Ala de Inteligência da Guarda Aérea Nacional de Massachusetts. Fazendo parte de uma comunidade em um servidor gamer, Teixeira começou a publicar documentos confidenciais para seus amigos do grupo online. Segundo um dos perfis sobre o rapaz publicados na imprensa dos EUA, possivelmente o fez, ao menos inicialmente, para impressioná-los.

O militar também compartilhava materiais com ofensas antissemitas e era um crítico do alcance do governo dos EUA. Ainda assim, até o momento, segundo os mesmos perfis publicados na imprensa dos EUA, não há nada que indique algum grande ativismo ou interesse de Teixeira nas publicações. Ele não seria um delator, um ativista político ou um agente estrangeiro infiltrado, apenas queria o respeito dos colegas para quem se exibia.

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O caráter do vazamento de informações tem sido bastante debatido, com um famoso comentarista conservador dos EUA chamando o militar de “herói”. Também é debatido o fato de um rapaz de 21 anos ter acesso a esse tipo de informações. Não que isso importe muito para o futuro de Teixeira, que deve ser indiciado por violação do Ato de Espionagem, lei que remonta à Primeira Guerra Mundial.

Constrangimento

No cenário internacional, existem três tipos de repercussões em curso como consequência dos vazamentos. O primeiro deles é o único palpável, o constrangimento dos EUA perante seus aliados. Não é novidade que o governo dos EUA espiona seus aliados. Em relação ao Brasil, talvez o exemplo mais gritante tenha sido a revelação, durante o caso Edward Snowden, de que o celular pessoal da então presidente Dilma Rousseff era monitorado.

Como consequência, o governo brasileiro cancelou uma visita de Estado aos EUA. Na mesma ocasião, foi revelada a espionagem da Petrobras e da então chanceler alemã, Angela Merkel, dentre outros exemplos. O constrangimento vem pelo “flagra” em público, não pelo ato em si. Mesmo aliados costumam espionar uns aos outros, historicamente falando, e o virtual monopólio tecnológico dos EUA nessa área facilita isso.

Ainda assim, um vazamento desse nível causa constrangimentos, e o Departamento de Estado dos EUA já alocou a vice-secretária Wendy Sherman para uma ofensiva diplomática junto aos aliados de Washington. Os vazamentos contêm detalhes de supostos atos de espionagem dos EUA em relação aos seus aliados sul-coreanos e israelenses, além, principalmente, do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.

Também há o constrangimento perante outros aliados dos EUA, os da Aliança Cinco Olhos, que podem ter suas próprias operações de espionagem vazadas. A aliança, cujo nome parece oriundo de algum livro de espionagem da Guerra Fria, reúne EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, e os cinco Estados cooperam profundamente em temas de espionagem e monitoramento.

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Danos de inteligência e especulação

A segunda repercussão é o dano para operações de inteligência em curso. Alguns dos materiais vazados apontam, por exemplo, que os EUA seriam capazes de interceptar e decifrar as comunicações russas, incluindo dos principais comandos militares. Como consequência do vazamento, países cujas comunicações são monitoradas podem alterar seus equipamentos ou procedimentos.

Outros materiais apontam fontes humanas de inteligência. Mesmo que sejam fontes involuntárias, quando a pessoa sequer tem consciência de que é usada como fonte de informação, essas pessoas podem ser colocadas em perigo com os vazamentos. Essa era a grande acusação contra Chelsea Manning e o caso Wikileaks, que teria colocado a vida de muitos agentes e informantes dos EUA em risco.

Finalmente, a terceira repercussão é a dos casos concretos presentes nos documentos vazados. Número de baixas na guerra na Ucrânia, os planos ucranianos para uma contraofensiva, a possibilidade de que o Egito forneceria munições para a Rússia, a suposta cooperação entre a Rússia e os Emirados Árabes Unidos na área de inteligência, além da espionagem, pelos EUA, de figuras como o secretário-geral da ONU, António Guterres.

Muitos desses casos foram, ao menos publicamente, negados. O vazamento poderia, por exemplo, influenciar uma mudança nos planos ucranianos para uma contraofensiva? Potencialmente. A questão é que é impossível saber o que, dentre os materiais vazados, é concreto, é fidedigno. Qualquer debate sobre o conteúdo dos documentos vazados é, hoje, especulação, por melhor baseada que possa ser.

Por isso a coluna pouco focou no conteúdo dos documentos. Por exemplo, mais de uma versão sobre as baixas na guerra na Ucrânia circula online, uma delas com claro aspecto “pró-Rússia”. O que garante que a versão que chegou ao público, depois de passar ao menos por Jack Teixeira e por um servidor com dezenas de integrantes, é a versão fidedigna?

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Essa será a argumentação do próprio governo dos EUA, inclusive, para diminuir o impacto do vazamento. O fato, entretanto, é que não é razoável simplesmente presumir que tudo o que foi publicado é autêntico ou não foi adulterado. Na pressa de buscar a notícia ou de querer um assunto “quente”, corre-se o risco de repercutir o vazio. De fato, apenas um constrangimento público para Washington e um bom tempo de prisão para Teixeira.