Renúncia na Irlanda do Norte, investigação sobre festas em Downing Street e reação russa à sua postura como líder da Otan pressionam Boris Johnson| Foto: EFE/EPA/UK PARLIAMENT/JESSICA TAYLOR
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Os últimos dias foram agitados na política britânica e na Irlanda. Exatamente uma semana atrás falamos aqui em nosso espaço de como o Brexit está ameaçando o domínio unionista conservador na Irlanda do Norte. Alguns dias antes, abordamos as festinhas do gabinete de Boris Johnson em meio ao lockdown, e como a popularidade do premiê despenca desde então. Novidades em ambos os assuntos despontaram na última semana, incluindo até uma controvérsia envolvendo exercícios militares russos.

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No último dia 22 de janeiro, o governo da República da Irlanda foi notificado pelo governo da Rússia que a marinha russa realizaria um exercício militar nas águas da Zona Econômica Exclusiva irlandesa no início de fevereiro. O exercício seria fora das águas territoriais do país, mas dentro de sua ZEE, por isso precauções deveriam ser adotadas, incluindo a mudança de rota de aviões. O exercício seria parte de um conjunto maior de operações navais russas, em diversos mares.

Rússia e Irlanda

O exercício é também parte da atual tensão entre o governo britânico e o governo russo. Ano passado, por exemplo, navios da marinha britânica realizaram um exercício no Mar Negro. Seria “devolver na mesma moeda”, mostrar que a marinha russa também pode causar preocupações nos países europeus. O anúncio do exercício não repercutiu bem na Irlanda, especialmente nas cidades costeiras, com comunidades de pescadores, que estão em atividade, ameaçando protestos.

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Simon Coveney, que ocupa simultaneamente os cargos de ministro das Relações Exteriores e de ministro da Defesa da Irlanda, notificou a embaixada russa que, pelas atividades pesqueiras, o momento e o timing dos exercícios “não eram os melhores”. Um líder de uma cooperativa de pescadores irlandeses, Patrick Murphy, de Castletownbere, se encontrou com o embaixador russo na Irlanda. Para surpresa de muita gente, o encontro aparentemente funcionou.

A Rússia anunciou no último sábado, dia 29 de janeiro, que os exercícios seriam realocados “como um gesto de boa vontade”. Ao ser perguntado como foram as conversas, Murphy disse que a primeira coisa que fez foi dar “alguns camarões” para o embaixador. Graciosidades de lado, a decisão muito provavelmente foi fruto de pressão pelo governo irlandês, que talvez tenha “lembrado” que o país não é membro da Otan, que tenta seguir uma política pacifista e que a repercussão negativa do exercício poderia alterar essa neutralidade e esse pacifismo institucional.

Ainda assim, a quase realização do exercício serviu de lembrete para a imprensa irlandesa e britânica que um conflito na Ucrânia não pode ser visto apenas como algo “distante” e sem repercussões locais. O premiê britânico, Boris Johnson, busca se colocar como o chefe de governo europeu mais próximo da Ucrânia, um líder do apoio da Otan. Esse foco na política externa, incluindo uma possível supervalorização da crise com a Rússia, é parte de seus esforços de mudar o foco doméstico, para longe de suas “festinhas”.

Boris Johnson não é o primeiro e nem será o último político que vai usar o externo como cortina de fumaça para problemas domésticos, mas a tática não parece estar funcionando. Na última segunda-feira, dia 31, foram publicadas 12 páginas do Inquérito Sue Gray, que apura as festas e eventos realizados na residência oficial do premiê. O documento fala de “falhas de liderança e de julgamento” por diferentes membros do governo, classifica o comportamento acerca das reuniões como “difíceis de justificar” e critica a conduta dos que estão “no coração do governo”. Em outras palavras, Boris Johnson.

Festinhas e renúncia da Irlanda do Norte

O que começou como a denúncia de uma festinha de happy hour agora inclui um total de 16 eventos, de maio de 2020 a abril de 2021. Todas elas enquanto o país estava sob lockdown e os cidadãos não podiam realizar as mesmas festinhas e encontros. Happy hour, festa de despedida de funcionários durante o período de luto oficial pela morte do príncipe Phillip e até uma festa de aniversário para Boris Johnson. Provavelmente fica difícil negar a ciência de uma festa quando se é o aniversariante.

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Como consequência do relatório, três assessores de Boris Johnson renunciaram na última quinta-feira. O chefe de gabinete do premiê, Dan Rosenfield, o diretor de Comunicações, Jack Doyle, e o secretário particular, Martin Reynolds, todos envolvidos nas festas. Uma quarta renúncia foi a de Munira Mirza, chefe de política, que trabalha com Boris Johnson há 14 anos. Ela renunciou como reação aos ataques de Johnson contra o líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer. Johnson teria repercutido uma teoria da conspiração comum a grupos britânicos mais extremistas.

Finalmente, na última quinta-feira, o primeiro-ministro da Irlanda do Norte, Paul Givan, renunciou. O político unionista fez o anúncio em reação ao Protocolo da Irlanda do Norte, criado para evitar a “fronteira dura” dentro da ilha da Irlanda pós-Brexit, como já explicado aqui em outras ocasiões. Agora está instaurada uma crise política na Irlanda do Norte, faltando três meses para uma eleição em que, pela primeira vez, o Sinn Féin, republicano e de esquerda, lidera as pesquisas. A crise é consequência do Brexit, que, por sua vez, está profundamente ligado à imagem de Boris Johnson.

O premiê britânico parece estar num círculo vicioso de crises que se retroalimentam. As festinhas afetam sua imagem e sua autoridade. O enfraquecimento dessa autoridade, por sua vez, afeta a imagem do Brexit, cujos impactos afetam os conservadores, tanto em seu país quanto na Irlanda. O impacto negativo do Brexit em um momento de pandemia prejudica ainda mais a imagem do premiê, e assim por diante. Ao mesmo tempo, sua postura de líder da Otan provoca uma reação russa que, ao envolver a Irlanda, se relaciona com o ciclo vicioso citado. Será uma surpresa se Johnson terminar seu mandato.