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Central nuclear de  Zaporizhzhia, ao sul da Ucrânia, foi tomada pelos russos em março.
Central nuclear de Zaporizhzhia, ao sul da Ucrânia, foi tomada pelos russos em março.| Foto: EFE/EPA

A Usina Nuclear de Zaporizhzhia é a maior usina nuclear da Europa, uma das maiores do mundo e a mais presente no noticiário internacional hoje. Localizada perto da cidade ucraniana de Enerhodar, no oblast de mesmo nome da usina, o complexo nuclear que conta com seis reatores está sob controle de forças invasoras russas desde o dia 12 de março, após uma ofensiva que começou dias antes. Agora, a usina está no centro de uma enorme guerra de informação, e desinformação, entre Ucrânia e Rússia.

Nessa semana, o secretário-geral da ONU, António Guterres, realizou sua segunda visita à Ucrânia desde o início da guerra. Falando em Lviv, ele pediu a retirada de forças e equipamentos militares do local da usina. Também disse que conversou com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, sobre uma visita de uma missão da Agência Internacional de Energia Atômica para inspecionar a usina nuclear. Interessante destacar que, mesmo sob ocupação russa, a usina é operada pelos funcionários ucranianos habituais.

Visita da AIEA 

A visita de uma missão da AIEA parece uma solução óbvia, e é apoiada por 43 países que assinaram uma declaração conjunta solicitando à Rússia a retirada imediata de suas tropas. A questão é que nem Rússia e nem Ucrânia apoiam essa visita. A Rússia afirma que a missão chegaria na usina via Kiev, o que comprometeria a imparcialidade da missão. Também rejeitam a possibilidade de uma “zona neutra” e que a missão poderia ter apenas funções técnicas.

Já a Ucrânia rejeita a visita por avaliar que concordar com essa inspiração seria uma maneira de legitimar a presença russa na região e o controle da usina. Essa troca de interesses também se torna uma troca de acusações entre ucranianos e russos. Moscou acusa as forças ucranianas de disparar na direção da usina, contra as tropas russas ali. Nesse sentido, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, chegou a acusar a Rússia de usar a usina como um “escudo nuclear”.

Ou seja, as forças russas estão presentes no complexo nuclear e, dali, bombardeiam posições ucranianas, já que a usina fica perto da linha de frente. Ao fazerem isso, contam que os ucranianos não irão retaliar. Ao mesmo tempo que a Rússia acusa a Ucrânia de disparar na direção da usina, a Ucrânia acusa a Rússia de causar “explosões propositais” para responsabilizar a Ucrânia por qualquer dano ou evento mais danoso.

Estrutura sólida 

Aqui é importante explicar um aspecto da usina. Ela foi projetada como um grande complexo nuclear durante a Guerra Fria. Em outras palavras, ela foi desenhada para conseguir aguentar danos substanciais e eventuais ataques, tal como o metrô de Kiev, projetado para ser um refúgio contra ataques nucleares. A referência se dá pelo fato de que o metrô foi de fato utilizado como refúgio para civis nas primeiras semanas da guerra.

A estrutura de aço e concreto reforçado dos reatores da usina de Zaporizhzhia é suficiente para resistir a alguns impactos diretos de mísseis. Não é como num videogame, em que qualquer projétil vai penetrar no reator e causar uma explosão cataclísmica. Os problemas da situação atual da usina são dois, mas nenhum ligado diretamente aos reatores. Primeiro, os combates impedem a manutenção apropriada. Segundo, danos colaterais em locais como depósitos de material radioativo.

Dizer que a usina possui uma estrutura sólida não é dizer que “tudo bem” combates em sua região ou que não existam riscos. Existem, mas são progressivos, menos perceptíveis. Talvez por isso, mais perigosos. E os riscos acabam sendo “sequestrados” pelos dois países envolvidos no conflito, tanto o invadido quanto o invasor. A Ucrânia espetaculariza o risco para conseguir arregimentar maior apoio internacional. Apoiar a Ucrânia é “evitar um desastre nuclear global”.

Energia 

Já a Rússia busca diminuir os riscos para manter sua vantagem militar e para jogar nas costas de seu inimigo a responsabilidade por algum desastre, especialmente acusando a Ucrânia de estar planejando alguma operação de “bandeira falsa” para incriminar a Rússia. “A usina não é perigosa, se acontecer algo foi deliberado pelos ucranianos”. Não existe tanto uma “chantagem nuclear” ali, já que um desastre em Zaporizhzhia também contaminaria boa parte do sul da Rússia.

A chantagem existente é energética. A usina gera quase metade da eletricidade ucraniana que é derivada da matriz nuclear e, na conta total, quase um quarto de toda a eletricidade gerada na Ucrânia. Sem a usina, boa parte do país ficaria no escuro. E a Rússia já ameaçou tanto desligar a usina, para “real desmilitarização” na visão do país, quanto conectar a usina ao sistema russo, basicamente “desviando” a energia gerada.

Esses são os maiores riscos para a Ucrânia, que tenta focar o debate internacional no aspecto nuclear e no trauma de Chernobyl para mobilizar a comunidade internacional. No fundo, entretanto, muito mais “mundano” e simples seria o país ficar sem energia elétrica no meio de uma guerra, faltando apenas alguns meses para o rígido inverno da região. O controle de Zaporizhzhia não é uma chantagem nuclear estilo filme de Hollywood, mas é uma faca na artéria energética ucraniana.

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