O Partido Trabalhista voltou ao poder na Austrália em meio a uma disputa entre as potências por espaço no tabuleiro do Oceano Pacífico. Os dois assuntos, inclusive, estão relacionados, colaborando para a vitória do principal partido australiano de esquerda, após nove anos de governos conservadores, com os trabalhistas conquistando a maioria do parlamento pela primeira vez desde 2007. Resta saber o que o novo governo vai conseguir nas relações com sua vizinhança.
O pleito australiano foi disputado no último dia 21 de maio, mas a demora na contagem geral e a incógnita sobre se os trabalhistas teriam ou não maioria fez com que o assunto fosse abordado apenas agora em nosso espaço de política internacional. A oposição conservadora, formada pela coalizão entre os partidos Liberal e Nacional, entretanto, teve uma postura bastante republicana. No próprio dia 21, o agora ex-premiê Scott Morrison concedeu a derrota, renunciou ao cargo e também como líder de seu partido.
Isso permitiu que o trabalhista Anthony Albanese, mesmo sem saber se teria ou não maioria, fosse empossado já no dia 23 de maio. Junto com ele foram empossados quatro ministros, incluindo a nova ministra de Relações Exteriores, Penny Wong. A “pressa” para a posse e a para a transição de governo permitiu que Albanese, já acompanhado de integrantes chave de seu novo governo, representasse seu país em Tóquio, na cúpula do Diálogo de Segurança Quadrilateral, popularmente chamado de Quad.
O Quad, voltado para a cooperação de segurança visando a China, une Austrália, Índia, Japão e EUA, e a cúpula contou com os quatro chefes de governo presentes. Ou seja, Albanese iniciou seu governo já em um evento importante de política externa, incluindo reunião bilateral com Joe Biden, presidente da maior economia do mundo e aliado australiano, no dia 24 de maio. A confirmação de uma maioria trabalhista, entretanto, veio apenas no dia 31 de maio.
Resultados
A eleição deste ano teve um comparecimento de 85% do eleitorado, um número que seria excelente na maioria dos países, mas que representa uma queda de quase 7% no caso australiano. Na Câmara dos Deputados, os candidatos da coalizão conservadora receberam o maior número de votos, com 35,9%. Já os trabalhistas levaram 32,6% dos votos, os verdes ficaram com 12%, 4,9% para o Uma Nação, de direita, e outros 4% para o Austrália Unida, também de direita, ambos anti-imigração.
Os independentes fecham o placar, com 5,3% dos votos, e outros 5% de votos para uma série de partidos pequenos. Somando todos os votos que não foram dos da coalizão conservadora ou dos trabalhistas, trata-se da maior votação da História para os partidos de fora do tradicional sistema bipartidário, inspirado no modelo britânico. Se os conservadores receberam mais votos, como foram derrotados?
Primeiro, o voto australiano é duplo, o cidadão vota em um candidato e também no seu partido de preferência. Nesse caso, os trabalhistas ficaram à frente. Segundo, a concentração de votos, com diversos candidatos trabalhistas vencendo em distritos historicamente conservadores. Com isso, dos 151 assentos, 77 foram para os trabalhistas, nove a mais do que no pleito anterior.
Os verdes ganharam três assentos e dez independentes foram eleitos, representando uma perda de dezenove assentos para os conservadores. No Senado, dos 76 assentos, quarenta estavam em jogo. Os conservadores perderam três assentos, mas continuam a maior bancada, com 31 senadores. Os trabalhistas ficaram iguais, com 26, enquanto os verdes ganharam três, para um total de doze, mais cinco de partidos menores ou independentes. Com a confirmação da maioria, no último dia primeiro de junho o restante do gabinete do governo Albanese foi empossado.
China e Oceania
O fato de que o candidato governista concedeu derrota rapidamente para permitir que o novo premiê representasse o país na cúpula do Quad mostra a importância das relações com a China para o Estado australiano, independentemente de governo ou de partido. Para ficarmos em exemplos recentes aqui em nosso espaço, em outubro de 2021 comentamos como está ocorrendo uma silenciosa disputa por influência na Oceania e, em setembro, falamos da corrida armamentista no Pacífico, incluindo os novos submarinos nucleares australianos.
A primeira viagem pós-Quad da nova ministra de Relações Exteriores está ocorrendo enquanto a coluna é publicada, para Samoa e Tonga. Penny Wong, de origem malaia, visita os dois países apenas dias depois de visitas de seu homólogo chinês, Wang Yi. O ministro chinês está em uma viagem de dez dias pela região, passando por Ilhas Salomão, Kiribati, Samoa, Fiji, Tonga, Vanuatu, Papua-Nova Guiné e, finalmente, o lusófono Timor-Leste.
A visita de Yi à Papua-Nova Guiné ocorre apenas dias antes da eleição geral papuásia, com a oposição criticando qualquer possível acordo assinado pelo governo, afirmando que é necessário aguardar o resultado das urnas. O diplomata chinês busca signatários e apoiadores para o acordo proposto pela China, batizado de Visão de Desenvolvimento Mútuo China - Pacífico insular, em tradução livre.
Nos últimos anos as relações entre a Austrália e os países insulares passaram por diversos momentos de distensão. Os governos conservadores australianos tinham sérias divergências dos países insulares em questões migratórias e, principalmente, ambientais. As pequenas nações do Pacífico, como Kiribati, são as mais radicais em questões ambientais, já que são as mais ameaçadas pela subida do nível dos mares.
Principalmente, a Austrália não estava acostumada com concorrência nessas relações. Era o maior parceiro econômico, político e militar de maneira quase inconteste. Era. A China expande cada vez mais sua presença na região e os últimos anos da política das ilhas Salomão são, talvez, o melhor exemplo disso. Até setembro de 2019, o arquipélago reconhecia Taiwan como a China legítima, trocando seu reconhecimento pela China continental naquele mês.
Base chinesa nas Ilhas Salomão
Uma troca normal e compreensível, convenhamos, já que a maioria do planeta mantém relações com a China continental. A troca de representação, entretanto, abriu portas para uma crise interna e uma mudança de paradigma externa. Em junho de 2020, Derek Suidani, governador da província de Malaita, afirmou que não reconhecia a troca de reconhecimento e que aceitaria assistência taiwanesa para combater a pandemia de covid-19, sendo censurado pelo governo nacional, o que resultou em protestos na província.
O governo nacional também aceitou assistência chinesa durante a pandemia, além de assinar um memorando de investimentos em 2021. Finalmente, em abril de 2022, as Ilhas Salomão e a China assinaram um acordo de segurança, criticado pela Austrália e pelos EUA devido à possibilidade de instalação de uma base naval militar chinesa relativamente perto das águas australianas.
Historicamente, o arquipélago foi um dos principais campos de batalha no Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial, com a mais famosa batalha travada ali sendo a de Guadalcanal. O governo do premiê Manasseh Sogavare, considerado próximo de Pequim, desconsiderou as críticas, afirmando que era uma ingerência de outros países em assuntos nacionais, e uma tentativa de “tutelar” as Ilhas Salomão.
As negociações do acordo de segurança fizeram até com que o governo dos EUA, em fevereiro de 2022, anunciasse que iria reabrir sua embaixada no país, que havia sido fechada em 1993, em um corte de orçamento, sendo acumulada com outras embaixadas. O ponto é que, nos últimos anos, o pequeno país insular de menos de um milhão de habitantes tornou-se um foco de disputas entre Pequim, Washington e Camberra.
Principalmente, foi aceso um alerta na Austrália, de que agora o país enfrentaria competição por influência em uma região onde, nas últimas décadas, praticamente teve monopólio como potência. Essa perda de espaço foi tema da campanha do Partido Trabalhista, embora seja difícil dizer o quanto esse tema motivou o eleitorado australiano. Também é difícil dizer se a Austrália conseguirá recuperar o espaço perdido na última década.
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