Trabalhadores montam uma bandeira nortecoreana com flores de papel em uma rua de Hanói, Vietnã, em preparação ao encontro entre Donald Trump e Kim Jong-un nesta semana. Foto: Jewel SAMAD / AFP| Foto:

Donald Trump e Kim Jong-un vão se encontrar pessoalmente pela segunda vez. Dessa vez, a cúpula durará dois dias, 27 e 28 de Fevereiro, em Hanói, capital do Vietnã. A intensa cobertura da mídia já começou tem alguns dias, com tudo que já se tornou habitual no tema: forte aparato de segurança, sósias, declarações comedidas de todos os lados, anedotas, reavaliações do encontro anterior, revisão de pautas principais.

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Leia mais: O que Trump e Kim querem e o que têm a oferecer na cúpula de Hanói
A atual situação na península coreana é um dos principais temas abordados aqui nesse espaço, com o lembrete, que por vezes desagrada, de que Donald Trump é um dos atores envolvidos nesse processo, não o único. Seus interesses e projetos importam, mas são as duas repúblicas coreanas que buscam tomar as rédeas de seu próprio futuro. Mesmo as bravatas belicistas de Trump, recebidas com entusiasmo juvenil por alguns, foram recebidas no mesmo tom.

Aposta mais pesada com as mesmas cartas

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O que mudou para esse próximo encontro, então? Pouca coisa, na verdade. As cartas nas mãos são as mesmas, só que agora com mais fichas na mesa. Existe um claro e compreensível temor de que, caso algo tangível não seja atingido, as conversas percam gás, sejam vistas como mais um longo e arrastado processo diplomático. Esse não é nem o estilo e nem o desejo de Trump. Ele não quer esperar mais de vinte anos para chegar num acordo, como foi o caso entre Grécia e a atual Macedônia do Norte.

Trump quer sair do Vietnã com algo concreto, coisas acordadas, de preferência assinadas, embora essa não seja uma necessidade final. Algo ambicioso com um rascunho de acordo, que é lapidado e assinado em uma ocasião próxima. Colaboram para sua ânsia o prazo vindouro para que a investigação do procurador especial Robert Mueller seja concluída; em teoria, seria nesta semana, porém, a viagem presidencial causou um adiamento na agenda.

De qualquer maneira, Michael Cohen vai depor perante a Câmara dos EUA durante a estadia no Vietnã, tirando o sono de Trump. E isso não é julgamento, é literal, já que Trump certamente assistirá o depoimento, que será na madrugada no horário local. Pelo motivo que for, Trump está engajado nas conversas, tanto que colocou em segundo plano o diagnóstico da Inteligência de seu governo, de que a Coreia dificilmente abriria mão de seu arsenal, por compreender que ele é essencial para a própria existência do regime.

É possível que Trump saiba algo que seu governo não sabe, já que sua relação com Kim é marcada por cartas particulares trocadas via visitas de integrantes de seus gabinetes; Mike Pompeo leva uma carta, Kim Yong Chol traz uma de volta, e assim vai. Então, se mais fichas estão na mesa pela vontade de manter o ímpeto dessa relação, quais são as mesmas cartas?

A Coreia do Norte oferece seus programas de armamentos nucleares e de mísseis balísticos, a sua “preciosa espada” nas palavras do ditador. O que a diferencia de outros Estados e a distingue de seus irmãos ao sul, mais ricos, mais desenvolvidos e mais inseridos globalmente. Essa oferta pode ser de abrir mão de arsenais, de aceitar inspeções rígidas periodicamente, de fechar locais sensíveis aos programas, diversas opções.

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Os EUA oferecem reconhecimento e normalização diplomática, com um possível fim formal da Guerra da Coreia. Além disso, investimentos. Muitos investimentos, segundo Trump. Essa normalização diplomática implicaria em possível abertura econômica da Coreia do Norte. Praticamente todo comentário que Donald Trump faz sobre o assunto em seu Twitter menciona um rápido e vultoso desenvolvimento econômico. “(A Coreia do Norte) poderia se tornar rapidamente uma das grandes potências econômicas de qualquer lugar no mundo” foi seu tweet no último domingo, antes dos preparativos para a viagem.

No dia 9 de fevereiro, Trump fez até um trocadilho com foguetes. “A Coreia do Norte, sob a liderança de Kim Jong-un, se tornará uma grande potência econômica. Ele pode surpreender alguns, mas ele não me surpreende, porque eu cheguei a conhecê-lo e entender totalmente o quão capaz ele é. A Coreia do Norte se tornará um tipo diferente de foguete – um econômico!”. Bastante entusiasmo, pode-se dizer.

E essa abertura econômica é de vital interesse para Moon Jae-in e a Coreia do Sul. Isso permitiria aos sul-coreanos e suas empresas tornarem-se presentes no Norte, expandindo uma integração física e econômica entre os dois países, indo além das iniciativas pontuais que já existem. Uma maior integração das economias e um maior intercâmbio cultural entre as populações são os passos principais para uma reunificação coreana.

Quem já saiu vencendo

Um ator internacional já colhe frutos dessa cúpula. Os anfitriões do Vietnã, por vários motivos. Primeiro, o país consegue se colocar como um mediador regional, um peace broker, expressão em inglês para quem promove diálogo, literalmente “corretor da paz”. Um país de tradições socialistas que tem boas relações com o governo juche da Coreia do Norte, e de economia mista, aberta para investimentos, que superou seu histórico de conflito com os EUA no governo Bill Clinton, na década de 1990.

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Esse papel pode não ser surpreendente para alguns, mas, para muita gente, o Vietnã ainda é o país dos filmes de guerra, um lugar exótico e distante, com hábitos culinários peculiares. Uma caricatura. Não à toa, o governo do Vietnã espera que a cúpula sirva de incentivo para ainda mais turistas visitando o país. E consolida o país como uma potência regional, que dialoga com diferentes atores e integra diversas comunidades internacionais.

Para os coreanos, o Vietnã é interessante também pelo fato do país do sudeste asiático não ter relações muito amigáveis com a gigante China; ao contrário, os dois países disputaram diversos conflitos e possuem divergências ideológicas sobre o modelo socialista. Mesmo no século XXI, com uma melhora das relações, ainda existe desconfiança mútua e disputas fronteiriças. Por exemplo, no Mar do Sul da China.

Então, mesmo com o fato de Kim poder se deslocar até o Vietnã em seu trem blindado, em uma rota de quase cinco mil quilômetros cruzando território chinês, aproveitando a visita para um encontro com Xi Jinping, o governo norte-coreano consegue se distanciar da imagem de “marionete” chinesa. A cúpula ocorre em um país que tem boas relações com a Coreia do Norte, não com a China.

O segundo fator é econômico. O Vietnã passa a ser exibido, pelos outros, como exemplo de sucesso, um parâmetro a ser seguido, com crescimento e desenvolvimento econômico. O PIB do país, em 2007, era de 77,4 bilhões de dólares; em 2017, 223,7 bilhões, quase três vezes mais em um curto período de tempo. Nas últimas três décadas, a renda per capita vietnamita foi multiplicada por dez. Diversas previsões colocam o pequeno país asiático como uma das vinte maiores economias do mundo até 2050.

E uma cúpula no Vietnã servirá justamente para exibir esse crescimento e essa dinâmica econômica. “Olhe só, Kim, o que seu país pode se tornar e pode conseguir caso se abra e abandone suas armas nucleares. E tudo isso mantendo uma república socialista unipartidária”. O Vietnã fica em uma posição de aluno modelo, algo que ele mesmo pode usar em barganhas futuras para acordos comerciais ou convencimento de que é seguro e interessante investir no país. Embora ainda não saibamos qual será o resultado da cúpula, diversos sorrisos já estão escancarados em Hanói.

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