Reino Unido anunciou que um acordo para o Brexit foi firmado com a UE| Foto: JUSTIN TALLIS/AFP
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Na noite do dia 24 de dezembro, o primeiro-ministro britânico anunciou um “presente de Natal” para seus cidadãos: finalmente, um acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia. Foram exatos quatro anos, seis meses e dois dias entre o voto no referendo do Brexit e o anúncio do acordo, que ficou diversas vezes ameaçado, negociações foram estendidas e prazos dilatados até as portas do fim do prazo. No primeiro dia de 2021, o Reino Unido estará de fora da UE, com ou sem acordo. Isso também significa que menos de uma semana está disponível para que os representantes eleitos de ambos os lados possam ler, votar e eventualmente aprovar o acordo. Ou seja, a novela Brexit ainda não está finalmente concluída.

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O acordo possui mais de mil páginas e quase ninguém o leu na íntegra, e isso não é um eufemismo. O texto final ainda será encaminhado para os parlamentares britânicos e para os gabinetes dos países da UE. A coluna é baseada no resumo de 34 páginas publicado pelo governo britânico, que pode ser baixado e lido, em inglês. Ambos os lados tiveram que fazer concessões, com perdas e ganhos. O Reino Unido, por exemplo, sairá da política pesqueira comum europeia, algo muito criticado internamente e principal motivo de Noruega e Islândia não fazerem parte do bloco. Ou seja, uma vitória para os defensores do Brexit? Não necessariamente, já que, por cinco anos, os navios europeus ainda poderão pescar em águas britânicas, sendo progressivamente retirados da atividade que rende um bilhão e meio de euros por ano nas águas britânicas.

No período, navios britânicos também poderão agir em águas europeias, mas essa é uma atividade muito mais reduzida em comparação. Depois dos cinco anos de transição, ocorrerão negociações anuais para definir os acessos das frotas pesqueiras. Ou seja, todo ano teremos manchetes sobre tais negociações, um lembrete permanente do Brexit. Outra perda britânica ocorreu na indústria da comunicação. Cerca de 30% de todos os canais audiovisuais da Europa, incluindo plataformas de streaming, são baseados no Reino Unido e, com o Brexit, os que desejarem transmitir conteúdo que não seja exclusivamente britânico ou de fora da UE, precisarão transferir parte de suas atividades para o continente. Os britânicos também tiveram vitórias, como a flexibilização dos direitos de origem.

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Pelo acordo, serão considerados produtos Made in Britain qualquer bem que tenha até 40% de sua origem como estrangeira, excluída a própria UE. Por exemplo, um produto que é finalizado no Reino Unido e que tenha dez componentes, sendo dois produzidos localmente, cinco provenientes da Bélgica e três provenientes do Japão, será considerado de origem britânica. O que leva ao principal ponto do acordo, o estabelecimento do livre comércio entre o Reino Unido e a UE, sem tarifas e sem cotas. Porém, infelizmente para os defensores do Brexit, o governo britânico aceitou manter as normas e padrões de qualidade europeus. Ambos os lados aceitaram também um nível mínimo de padrões ambientais, sociais e trabalhistas comuns, e nenhum dos dois pode violar os mínimos.

Renegociações periódicas

Tais padrões também serão renegociados periodicamente, o que pode ser um problema dependendo dos governos de ocasião. O “piso” de normas foi um compromisso entre o desejo europeu de normas progressivas, ou seja, que se tornariam automaticamente mais ambiciosas, e o desejo britânico de exceção, ao menos temporária, perante as normas. Em caso de discórdia, os dois lados acordaram um mecanismo de arbitragem. O meio de resolução de controvérsias, entretanto, não é detalhado no resumo divulgado, o que impossibilita maiores comentários. Outras deliberações são a retirada britânica da Europol e do Sistema de Mandado de Detenção europeu, embora a “cooperação legal e policial” continue, em termos não especificados. Os britânicos continuarão recebendo alertas policiais europeus sobre pessoas desaparecidas e listas de passageiros de aviões e navios.

Os cidadãos comuns também sofrerão consequências do Brexit. Agora, para visitas de mais de noventa dias ou trabalho, vistos serão necessários. Ainda não ficou claro como ficará a situação de pessoas que já residem no lado oposto da fronteira. Na ciência e tecnologia, o Reino Unido ainda será parte do Horizonte Europa pelos próximos sete anos, como integrante pagante. Também continuará parte da Agência Atômica Europeia, mas as universidades britânicas estão excluídas do programa Erasmus, de intercâmbio entre estudantes, pesquisadores e professores. Quer dizer, mais ou menos. Como comentado aqui no nosso espaço em textos anteriores, um dos problemas do Brexit é a divergência local de pautas entre as regiões britânicas.

Alguns conservadores temem que o Reino Unido acabe com fronteiras internas, especialmente na Irlanda, já que é virtualmente impossível conciliar a ilha sem uma fronteira rígida com uma separação entre Reino Unido. Nesse âmbito, estudantes da Irlanda do Norte continuarão no programa Erasmus, podendo estudar em universidades da República da Irlanda. É dessas questões regionais que emergem as principais críticas ao acordo apresentado. A  primeira-ministra do governo escocês, Nicola Sturgeon, disse que o acordo é ruim, que o “Brexit está ocorrendo contra a vontade escocesa” e é “hora de elaborar nosso próprio futuro como uma nação independente e Europeia”. O primeiro-ministro da Irlanda, Micheál Martin, disse que seu governo vai analisar “cada detalhe” do acordo cuidadosamente, e que a estabilidade na ilha da Irlanda é essencial. O governo espanhol também lembrou que um acordo sobre Gibraltar ainda precisa ser negociado.

Por um lado, a aprovação do acordo na Câmara dos Comuns parece garantida, em uma sessão extra convocada para 30 de dezembro. Por outro, a aprovação no lado europeu parece mais complicada, necessitando de negociações internas. O fato de que o acordo precisa ser aceito pelos governos eleitos dos 27 Estados-membro, sem exceções, deixa o suspense no ar. Mais ainda, o fato de que pontos sensíveis do acordo serão renegociados periodicamente mostra não apenas que o texto foi fechado às pressas, sem deixar provisões completas, mas que a “novela Brexit” vai retornar ao noticiário com alguma frequência, junto de lamúrias por uma saída sem acordo ou pelo Brexit como um todo. Se o acordo não for aprovado, então, teremos um pandemônio em algumas semanas.

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