No próximo final de semana teremos o 45º encontro da cúpula do G7, o grupo que reúne as sete economias mais desenvolvidas do mundo. Uma soma de 58% da riqueza e 46% do produto interno bruto de todo o globo. Durante muito tempo, especialmente nos anos após a Guerra Fria e antes do desenvolvimento do G20, as cúpulas do G7 foram tidas como de pouco impacto; para remediar isso foi formado o G8, com a adição da Rússia, e o G20, para abranger o chamado mundo em desenvolvimento. Nos últimos anos, entretanto, o encontro tradicional voltou a ganhar força, agora em um foco diferente.
O G7 ainda reúne algumas das principais economias do mundo, isso é fato, mas não mais reúne todas as principais: a ausência chinesa é o maior sinal disso. O grupo não pode mais ser o centro de políticas econômicas globais, propostas de amplo alcance. O foco do G7, progressivamente, muda para o rumo de ser um fórum de concertação entre os países integrantes, um bloco quase todo Ocidental, mais a presença japonesa. Uma mesa em que se sentam países que enfrentam desafios similares no cenário internacional e possuem uma rede de relações mais ampla e profunda.
Macron com Putin
Pode-se colocar isso em outras palavras mais diretas: uma maneira desses países se articularem para enfrentar a ascensão econômica dos países emergentes e, principalmente, da China. Outra pauta, específica do ano de 2019, é o desejo de Macron de se projetar como uma figura de diálogo, construindo pontes, em contraste ao estilo de Donald Trump. Macron e Trump, após um início promissor de namoro, se tornaram alvos preferenciais de alfinetadas e comentários ácidos um do outro. Mais do que uma figura de diálogo, o desejo de ser uma liderança global.
Esse recado ficou claro com Macron recebendo Vladimir Putin apenas dias antes do G7. Como a Rússia foi excluída do antigo G8 devido a anexação da Crimeia e a guerra no leste ucraniano, a conversa precisava ser em paralelo. Ainda assim, o timing da conversa não deixa de ser um recado, assim como o fato delas ocorrerem em uma localidade próxima de onde será realizada a cúpula do G7. E Macron foi abertamente galante com Putin. “Nossa ordem internacional está vivendo um momento histórico. Precisamos recompô-la. Neste contexto, a relação entre a França e a Rússia é crucial.”
A declaração do presidente francês, depois de listar tópicos de conversa, como a Líbia, encerra com: “estou convencido de que o futuro da Rússia é totalmente europeu. Acreditamos nesta Europa que vai de Lisboa a Vladivostok”. Essa é uma discussão tanto geopolítica quanto cultural. A desconfiança de alguns atores ocidentais com a Rússia é a de que seria um país asiático, ou ao menos eurasiano, não um país “totalmente europeu”, nas palavras de Macron. Além disso, a potência russa seria um pólo atraente por si só, perturbando o equilíbrio das potências europeias ocidentais.
Sobre a Ucrânia, ocorreu uma proposta francesa, de criação de um mecanismo de diálogo puramente europeu, entre França, Rússia, Alemanha e Ucrânia. Segundo Macron, eles devem se reunir em breve para acordar uma “profunda mudança” no impasse ucraniano; ainda assim, são posições irreconciliáveis. Moscou não vai abrir mão da estratégica península da Crimeia, e Kiev não vai desistir de exigir a devolução do território que, pelo direito internacional, é seu. Essa crise, infelizmente, era “pedra cantada” desde a década de 1990 e a dissolução da antiga União Soviética; é quando ela deveria ter sido solucionada.
Claro que nem tudo foram flores entre Macron e Putin. As posições diferentes sobre a Síria foram frisadas e ocorreram até algumas alfinetadas. Quando Macron criticou o governo russo por reprimir manifestantes que pedem por eleições mais transparentes e reformas políticas, Putin devolveu dizendo que tudo é feito dentro da lei e que é importante impedir que seu país viva um problema como a França vive com os “coletes amarelos”. Finalmente, mais um encontro bilateral já foi anunciado, com Macron visitando Moscou para os festejos do dia Nove de maio de 2020, os setenta e cinco anos da queda do regime nazista.
Diálogo no G7 e ausência do Brasil
A outra faceta da estratégia de Macron de projetar sua figura e seu país como um fórum de diálogo, e de projeção de seus interesses, foi a decisão de ampliar o encontro do G7, criando painéis e convidando autoridades de outros países. Primeiro, um fórum sobre democracia e meio-ambiente, com quatro “importantes parceiros comprometidos com a proteção e promoção de liberdades democráticas”. Austrália, com o premiê Scott Morisson; Chile e seu presidente Sebastián Piñera; Índia, com o premiê Narendra Modi; e a África do Sul e seu presidente Cyril Ramaphosa.
Na contextualização do fórum, o Chile é destacado como um “importante aliado” que receberá a próxima conferência do clima, em dezembro. Detalhe importante e imperativo de ser lembrado; a COP25 deveria ser realizada no Brasil, que retirou sua candidatura em novembro de 2018, a pedido do então presidente-eleito Jair Bolsonaro. Outra observação importante. Dos cinco países dos BRICS, considerando a visita anterior de Putin, apenas China e Brasil estão ausentes, sendo que os motivos da ausência chinesa são óbvios em fórum sobre liberdades democráticas.
Em outro painel, sobre desigualdade global, participarão seis lideranças africanas, incluindo Abdel Fattah al-Sissi, presidente do Egito e atual presidente da União Africana. Finalmente, um painel com uma série de lideranças da sociedade civil, incluindo temas como violência contra as mulheres, universidades e organizações trabalhistas. Claro que, ao final do evento, os holofotes estarão nas lideranças das principais economias e se algo, e o quê, será acordado. A Itália será representada ainda por Giuseppe Conte, interinamente, após sua renúncia, em um cenário já previsto e explicado aqui nesse espaço.
Boris Johnson terá seu primeiro encontro cara-a-cara com Donald Trump após se tornar premiê, e o Brexit certamente estará na pauta. O premiê canadense, Justin Trudeau, estará presente em posição incerta, já que o Canadá passará por eleições em 2019, afetadas por escândalos políticos recentes no país. Finalmente, a pauta ambiental de Macron provavelmente terá um papel maior do que inicialmente previsto, já que, enquanto essa coluna era escrita, ele publicou um apelo para que os líderes do G7 lidem com a “crise internacional” dos incêndios na região da Amazônia.
Os líderes não-europeus já anunciaram agendas pela região; Trump, inclusive, cancelou uma visita à Dinamarca, após notícias sobre possível compra da Groenlândia, tema que aparecerá aqui. Se a estratégia de Macron, de se projetar como grande interlocutor da comunidade internacional, vai funcionar, saberemos em dias. A importância desse tipo de encontro é o fato de tantas lideranças conviverem no mesmo ambiente, rendendo encontros bilaterais, conversas informais, etc. Não são os jantares formais, as fotos posadas ou as declarações de palavras bem medidas. É nos bastidores onde as coisas começam a andar.
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