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Diversas eleições ocorreram pelo mundo nas duas últimas semanas. Algumas mais importantes para o leitor brasileiro, como a eleição presidencial no Peru, outras nem tanto, como a eleição presidencial na Mongólia. Claro que o país asiático é local de rica cultura, belas paisagens e posição geopolítica chave entre a Rússia e a China, trata-se apenas de constatação da repercussão aqui no Brasil. No Peru, a disputa entre o provável vencedor Castillo e a candidata Keiko Fujimori promete se arrastar nos tribunais, de tão pequena a diferença de votos. No Velho Mundo, três pleitos ocorreram nos últimos dois finais de semana, e podem servir de bússola para eleições futuras.
No domingo, dia seis de junho, ocorreram as eleições estaduais em Saxônia-Anhalt, na Alemanha. Como já mencionamos aqui no nosso espaço, as eleições regionais alemãs seguem a mesma lógica parlamentarista do governo federal. São eleitos os deputados estaduais e, caso nenhum partido tenha maioria, são formadas coalizões de governo. Atualmente, o estado é governado pelo que é apelidado de "Coalizão Quênia", joguete com as cores da bandeira queniana. Representa uma coalizão, seja num estado, seja no país, formada pelos partidos União Democrata Cristã (CDU), conservador e de cor preta, Social-democrata (SPD), de cor vermelha, e pelo Partido Verde.
Impactos na Alemanha
Foram disputados 97 assentos no Landtag regional, com comparecimento eleitoral de 60%, um número razoável para as eleições estaduais. A CDU não apenas manteve a maior bancada como expandiu seu eleitorado. Levou 37,1% dos votos, um crescimento de mais de sete pontos, ficando com 40 cadeiras. Os outros partidos que aumentaram sua fatia eleitoral foram os liberais do FDP (sim, essa é a sigla do partido liberal alemão, para delírio dos trocadilhos de quinta série) e os verdes. Respectivamente, 6,4% e 5,9% do eleitorado, e sete e seis cadeiras. Todos os outros perderam. O Alternativa para a Alemanha (AfD), de direita populista e nacionalista, perdeu 3,4% e será a segunda bancada, com 23 assentos.
A Esquerda perdeu 5,3% dos eleitores e o SPD 2,2%, ficando cada um com doze e nove assentos, respectivamente. Além dos resultados, o que isso significa? Primeiro, que a CDU, regionalmente, precisa de apenas nove cadeiras para uma aliança de governo. Ou seja, coligar apenas com o SPD já resolveria essa questão, embora manter a "Coalizão Quênia" sirva para manter uma margem de conforto no parlamento e evitar um desgaste político à toa. Outra opção é substituir o SPD pelo FDP, criando uma "Coalizão Jamaica", já que a cor dos liberais é o amarelo. A vitória da CDU, consequentemente, diminuiu o "valor do passe" dos partidos de menor bancada.
Outro significado que pode-se imaginar é que isso mostra uma vantagem da CDU nas vindouras eleições federais, para eleger o sucessor ou sucessora de Angela Merkel. Não necessariamente, importante explicarmos. O líder da CDU em Saxônia-Anhalt, Reiner Haseloff, não apoiou o atual líder nacional da CDU e candidato ao cargo máximo do governo alemão, Armin Laschet, nas prévias do partido. Na ocasião, ele apoiou o rival, Markus Söder, líder da União Social Cristã bávara, o partido-irmão e “braço católico” da CDU. A pergunta de um milhão de euros é se esse distanciamento será repetido numa campanha nacional ou no comportamento do eleitorado de Saxônia-Anhalt.
Finalmente, o declínio eleitoral da AfD deve ser visto com certo ceticismo. Sim, o partido, recentemente marcado pela notícia de ser monitorado pela inteligência alemã pelas relações de integrantes com movimentos neonazistas, perdeu eleitores e perdeu assentos. E Haseloff repetiu a postura nacional da CDU, de afirmar que pode negociar uma coalizão com todos "os partidos democráticos" e que, por isso, não se sentará na mesa da AfD para negociar. Ainda assim, segundo as pesquisas de boca-de-urna, a maior parte do eleitorado jovem do estado votou na AfD. Um fenômeno muito comum nos estados que compreendiam a antiga Alemanha Oriental, marcados, normalmente, por maiores índices de desemprego e de alcoolismo entre a população masculina, comparando com a média federal.
Referendos suíços e nacionalistas finlandeses
Da Alemanha vamos até a Suíça, que, no último dia 13 de junho, seguiu sua prática de consultas populares, já referenciadas por aqui em outras ocasiões. Tivemos até voto sobre o azeite de dendê no país alpino. Dessa vez foram cinco votos, com 59% de comparecimento de todo o eleitorado. Três deles desafiavam leis aprovadas no parlamento, buscando a sua reversão, e dois eram propostas populares que, caso aprovadas, seguiriam para o debate parlamentar e transformação em legislação. O Ato Federal sobre a Pandemia de Covid-19, que conferia maior autoridade ao governo suíço para questões sanitárias, como o uso de máscaras, foi desafiado pelo grupo de direita Amigos da Constituição, que via na legislação um potencial cercear de liberdades.
Nesse caso, 60% dos eleitores se manifestaram pela legislação, e ela foi mantida. Também foi mantido, com 56% dos votos, o Ato Federal contra o terrorismo, que era desafiado por grupos de direitos humanos e pelos Verdes, que via uma potencial violação de direitos de privacidade. Já o Ato Federal contra gases estufa foi rejeitado por 51% do eleitorado. A derrota do governo impõe uma revisão das leis suíças sobre emissão de gases estufa e, na prática, impede que o país consiga cumprir suas metas para 2030 oferecidas no Acordo de Paris. Curiosamente, o desafio foi imposto por alas do Partido Popular Suíço (SVP), de direita. O que torna isso curioso é o fato de que o SVP integra o governo federal.
Já as duas propostas populares, uma para banir alguns tipos de pesticidas e outra para maior rigidez de regras ambientais em relação ao abastecimento de água potável, foram rejeitadas, ambas as rejeições com cerca de 60%. E os suíços ainda serão consultados mais duas vezes em 2021, em setembro e em novembro.
Do país alpino vamos até a Finlândia, onde foram realizadas eleições municipais. Lá, assim como no caso alemão, é reproduzido o modelo parlamentarista. Os municípios elegem suas câmaras, chamadas de conselhos, e, dentro dos conselhos, são formadas coalizões de governo. A exceção é a capital Helsinque, cidade mais populosa, que possui um prefeito eleito diretamente.
O que torna essa eleição finlandesa atraente para o olhar internacional é o fato de marcar um ganho expressivo do partido Finlandeses, anteriormente chamado de "Verdadeiros Finlandeses". É um partido nacionalista, anti-imigração, anti-miscigenação, eurocético, conservador nos costumes, pró-Estado de bem-estar social e protecionista na economia. Integrantes do partido dizem que a legenda não é "nem de esquerda e nem de direita". O Finlandeses elegeu 1.350 conselheiros municipais, tornando-se o quarto maior partido do país nesse critério e expandindo seus eleitores em quase 6%. Em diversos pequenos municípios foi o partido mais votado.
O Partido do Centro continua a maior legenda do país, com 2.448 conselheiros, mas perdeu quase 400 assentos. O único partido, fora o Finlandeses, que aumentou foi a conservadora Coalizão Nacional, com 64 novos assentos, totalizando 1.554. A terceira maior bancada municipal é dos social-democratas, que, hoje, lideram o governo nacional, com a premiê Sanna Marin. Aos 35 anos de idade, ela tornou-se a mais jovem mulher eleita para uma chefia de governo nacional. O Finlandeses, inclusive, é um dos poucos partidos da Finlândia que não é liderado por uma mulher. Com a segunda maior bancada no parlamento nacional e o sucesso no nível municipal, tornam-se os principais concorrentes para a chefia da Finlândia nas próximas eleições, que ocorrem em menos de dois anos.