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A opositora venezuelana María Corina Machado, tornada inelegível por 15 anos
A opositora venezuelana María Corina Machado, tornada inelegível por 15 anos| Foto: EFE/Miguel Gutierrez

Mais um retrocesso democrático preocupante ocorreu na nossa vizinhança latino-americana nos últimos dias. Na última sexta-feira (30), a Controladoria-Geral da Venezuela inabilitou os principais nomes da oposição ao exercício de cargos públicos. Em meio ao processo de negociações internacionais que havia ganhado força no último ano, essa decisão acaba com a possibilidade de um pleito amplo e democrático no país vizinho em 2024.

A pessoa de maior destaque atingida por essa decisão foi María Corina Machado, que ficou inelegível por 15 anos. Ela foi deputada na Assembleia Nacional da Venezuela entre 2011 e 2014 e despontava nas pesquisas para as primárias opositoras entre mais de uma dezena de candidatos. Ela era a favorita para ser a candidata contra Maduro no ano que vem e sua declaração de inabilitação tem origem em 2015.

Na ocasião, ela foi condenada por irregularidades administrativas em sua declaração de bens. A condenação originalmente tinha validade por um ano, mas foi retomada e prorrogada depois do pedido de um deputado da base governista de Maduro. A argumentação para a prorrogação da condenação é baseada nos fatos de que ela apoiou as sanções dos EUA contra a Venezuela e apoiou Juan Guaidó em sua reivindicação da presidência venezuelana após as eleições de 2018.

Diálogo?

Essa argumentação é chave para compreender como o processo de diálogo na Venezuela está em maus lençóis. Um governo disposto a mediar e ao diálogo não se preocuparia em resgatar uma condenação de quase dez anos atrás para interferir na atual corrida eleitoral da oposição. Fariam muito mais sentido o debate e o diálogo entre governo e oposição para definir os parâmetros das prévias opositoras.

E antes que se diga que essa foi uma decisão de um órgão independente, repete-se que ela veio do pedido de revisão feito por um deputado da base governista, alegando novas infrações da ex-deputada. Além disso, a decisão foi tornada pública apenas depois de uma consulta por um deputado opositor, José Brito, que solicitou esclarecimentos sobre a situação administrativa de candidatos das prévias opositoras.

Ou seja, novamente, se o foco no diálogo internacional fosse genuíno, esse tipo de decisão seria, no mínimo, melhor divulgado. Mesmo que alguém considere que Corina Machado não seja “flor que se cheire”, o processo de sua inabilitação é um revés ao diálogo mediado por países como Colômbia, Noruega e México. A ex-deputada é empresária e engenheira, herdeira de um império empresarial venezuelano.

O grupo Sivensa, de sua família, foi parcialmente nacionalizado no governo Hugo Chávez, e ela é opositora de Chávez e de Maduro desde o início, em 1999. Ela inclusive apoiou a tentativa de golpe de Estado contra Chávez, em 2002. Além disso, o fim de seu mandato em 2014 veio via cassação, pelo fato dela ter ilegalmente aceitado uma oferta de embaixada pelo governo panamenho, para que ela tivesse imunidade em suas denúncias internacionais contra Maduro.

Dificilmente é uma figura que Maduro ou seus aliados desejem que tenha chances de ser candidata. E, novamente, mesmo em caso de que sua inabilitação seja legal e legítima, a maneira como o assunto foi gerenciado mostra que não há interesse em negociações de boa-fé pelo governo Maduro. Não é razoável excluir a líder das pesquisas opositoras durante um processo de mediação.

Legitimidade e militares

Além de Corina Machado, outras figuras conhecidas da oposição venezuelana foram afetadas pela nova “leva” de inabilitações: Henrique Capriles, duas vezes candidato à presidência, e Juan Guaidó, que foi eleito presidente da Assembleia Nacional após a crise constitucional de 2017 e, após o fim daquele mandato de Maduro, reivindicou o cargo de presidente do país, sendo reconhecido como tal por cerca de 50 países.

Essas notícias comprometem a legitimidade e a viabilidade do processo eleitoral previsto para 2024. Corina Machado possivelmente será candidata dentro das primárias opositoras, que serão realizadas sem o apoio dos órgãos estatais. Caso sua liderança seja confirmada, será jogada mais gasolina na fogueira, com uma nova etapa dessa queda de braço. O que Corina Machado não pode fazer é ser registrada como candidata.

Mesmo a viabilidade das eleições está comprometida, com a renúncia em massa de integrantes aliados de Maduro do Conselho Nacional Eleitoral. Órgão, inclusive, criado para organizar as eleições regionais de 2021, como parte das negociações internacionais, nesse caso com apoio da União Europeia. A mesma UE que, agora, criticou a decisão da inabilitação, assim como os governos dos EUA e do Uruguai.

O presidente uruguaio, Luis Alberto Lacalle Pou, inclusive, criticou a decisão e o governo venezuelano como um todo durante a cúpula do Mercosul, em uma reunião com a presença do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Lula disse que não conhecia “os pormenores dos problemas com os candidatos da Venezuela”, mas que pretendia conhecer. Um tom diferente dos recentes apoios explícitos a Maduro.

Além de injustificado, o tom de apoio irrestrito compromete a posição brasileira como fiador de uma solução para a falta de diálogo na Venezuela e traz um profundo custo interno. Em outras palavras, não há nenhum proveito para o governo brasileiro nessas declarações. Finalmente, existe outro elemento nessa trama toda. Coincidência ou não, apenas dias antes do anúncio da inabilitação de Corina Machado, o Tribunal Penal Internacional (TPI) anunciou a retomada da investigação sobre a Venezuela.

Em abril, o TPI divulgou um relatório reunindo quase 2 mil denúncias de crimes supostamente cometidos pelo governo venezuelano. No ano passado, o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, então chefiado pela chilena Michelle Bachelet, publicou um relatório com 122 casos analisados desde 2014. O governo venezuelano já anunciou que vai recorrer e que tais investigações são uma ingerência em assuntos internos.

Na última semana, Maduro também chefiou a cerimônia de promoção de generais e almirantes das forças armadas venezuelanas. Isso é importante de mencionar pois, hoje, esse é o setor do Estado venezuelano que mais se beneficia com Maduro. E, principalmente, seu maior pilar de poder, cuja pedra fundamental é o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López. Entram e saem candidatos da oposição, ele continua a chave do poder na Venezuela.

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