Já são ao menos 119 palestinos e nove israelenses mortos na atual crise, especialmente na faixa de Gaza. Desses, ao menos 27 palestinos e um israelense eram crianças. Para muitos, uma situação dessas tem uma sensação de “tudo isso de novo”. Para outros, serve para firmar posições pré-concebidas, ou de palestinos terroristas ou de sionistas genocidas. Dadas as limitações do nosso espaço de política internacional, seria virtualmente impossível abordar todos os aspectos das relações entre Israel e Palestina. Ao mesmo tempo, é interessante lembrar que tais relações já foram abordadas por aqui antes. O que não quer dizer que não existam pontos diferentes nos mais recentes acontecimentos, como o crescimento do racismo de extrema-direita em Israel.
Um dos eventos do prelúdio da crise de violência atual foi uma marcha nacionalista e religiosa israelense na noite do dia 23 para o dia 24 de abril. Organizada pelo Lehava, cerca de 800 israelenses marcharam rumo ao Portão de Damasco, nas muralhas da Cidade Antiga de Jerusalém, cantando músicas nacionalistas que pregam “morte aos filisteus”, “sua casa vai queimar” e o mais óbvio “morte aos árabes”. Cabe uma contextualização: o termo Palestina tem origem latina e ligação com os filisteus. A marcha resultou em brigas e confrontos e se espalhou por Jerusalém Oriental, território ocupado por Israel desde 1967, onde fica a Cidade Antiga e seus locais sagrados, como o Muro das Lamentações e a mesquita de al-Aqsa.
Mais de cem pessoas ficaram feridas e propriedades foram depredadas. Ao menos vinte palestinos foram hospitalizados. Como agravante, a marcha foi organizada no Ramadã, o nono mês do calendário islâmico, quando os muçulmanos praticam o jejum ritual diário que é um dos cinco pilares do Islã. Segundo os organizadores, a marcha foi organizada como resposta a vídeos publicados em redes sociais, feitos no mesmo Portão de Damasco, que mostram jovens palestinos intimidando, ofendendo e agredindo garotos judeus ortodoxos. Por sua vez, essas agressões seriam uma represália às limitações impostas pela polícia israelense que causaram tumultos nos momentos de quebrar o jejum do Ramadã, a iftar, uma refeição que é feita em comunhão entre os muçulmanos.
Novo chefe de polícia e formação de governo
Claro, é o tipo de novelo que, se for puxado, quem fez o quê em represália ao que, chegaremos no patriarca Abraão, origem das três religiões monoteístas do Livro, mas parte da responsabilidade atual é sem dúvida consequência da negligência do novo comandante da polícia israelense, Kobi Shabtai. Mesmo jornais de direita, como o Jerusalem Post, publicaram editorais pedindo por um novo comando da polícia. Ele foi nomeado apenas em janeiro depois de anos de vacância do cargo. Sua nomeação foi fruto da falta de acordo entre os diferentes setores políticos israelenses, já que o país passa por um vácuo de maioria parlamentar, enfrentando quatro eleições em dois anos.
Outro impulsionador das ações da extrema-direita israelense é o fato de que Netanyahu fracassou na formação de um novo governo. Com isso, Yair Lapid recebeu a oportunidade e, para formar uma frente amplíssima que retire o investigado Netanyahu do poder, ele pode fazer um acordo com os partidos árabes. Isso incluiria a criação de um inédito ministério para temas árabe-israelenses, ou seja, os cerca de 20% de cidadãos israelenses com origem árabe. Dias atrás, o líder do partido de direita secular Yamina, Naftali Bennett, se encontrou com Mansour Abbas, talvez o principal político árabe-israelense atualmente. Um governo com integrantes árabes seria, literalmente, um crime para a extrema-direita, acirrando ânimos para marchas e protestos.
O movimento Lehava, citado como organizador da marcha, segue uma bandeira anti-miscigenação e anti-"assimilação". Ou seja, judeus devem se relacionar apenas com outros judeus, e devem seguir um estilo de vida judaico religioso, classificando uma vida secular como "assimilação". E isso não é restrito aos árabes ou aos muçulmanos. O Lehava também é contra a grande presença de movimentos cristãos em Israel, muitos deles de origem neopentecostal de interpretação dispensacionalista da religião. O líder do Lehava, Bentzi Gopstein, já foi indiciado por incitar terrorismo e racismo, e o berço ideológico do grupo está no rabino extremista Meir Kahane, assassinado em 1990 e que defendia abertamente a deportação de milhões de árabes de Israel e da Cisjordânia.
Extremismo e torcida organizada
Tais movimentos fazem parte da ideologia do Sionismo Revisionista, que rejeita a visão do fundador de Israel, o socialista David Ben-Gurion, e busca um sionismo nacionalista, com um Estado forte, e irredentismo territorial, alegando que ambas as margens do rio Jordão, e que a península do Sinai, dentre outros, pertencem aos israelenses. Considerado um movimento pouco influente nas primeiras décadas de Israel, eles ganharam força nos anos 1980, com a violência da primeira Intifada palestina e o financiamento de, curiosamente, cristãos fundamentalistas dos EUA. Nas últimas décadas, ganharam o reforço da talvez principal torcida organizada de Israel.
Os hooligans da Família, a torcida organizada do clube Beitar Jerusalem F.C., fundado em 1936. Autointitulada “a torcida mais racista do mundo”, cantam abertamente sobre morte aos palestinos. O clube tem ligação histórica com o movimento sionista Betar, e a torcida é formada especialmente por judeus sefarditas, ou seja, refugiados de países do norte da África. Envolvidos em diversos episódios de violência, em apenas uma operação policial foram presos mais de cinquenta integrantes da torcida. Na prática, é uma milícia extremista. Tornaram-se infames mundialmente em 2013, ao protestarem contra a contração de dois jogadores muçulmanos de origem chechena, tema do documentário Forever Pure (“Para sempre puros”).
O clube até hoje nunca contratou um jogador árabe. Por ironia do destino, foi comprado pelo xeique emiradense Hamad bin Khalifa Al Nahyan, da família proprietária de Abu Dhabi. Em meio a violência, aos ataques em Gaza e aos atos terroristas do Hamas, que atingiu escolas apenas algumas horas antes da escrita desse texto, é necessário ir além dos estereótipos fáceis. O futebol, como fenômeno cultural global, serve de ótimo termômetro para fenômenos sociais. O fato de que, ano após ano, cresce uma torcida abertamente racista e xenófoba em Israel é preocupante pois é a ponta de um iceberg muito maior, o crescimento da extrema-direita por todo Israel. E para notar o problema da violência sectária que, se não for enfrentado logo, pode ficar fora de controle muito em breve.
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