Israelenses passam por outdoors da campanha eleitoral do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, em Jerusalém, em 3 de abril de 2019 | Foto: HOMAS COEX/AFP| Foto:

As eleições israelenses desse dia 9 de Abril prometem ser das mais concorridas e apertadas da trajetória da república israelense. Benjamin “Bibi” Netanyahu, primeiro-ministro desde 2009, com três anos no cargo na década de 1990, é uma figura hoje divisiva em Israel. Ninguém fica treze anos no poder sem prestígio e apoio popular; simultaneamente, tanto tempo assim cobra um preço. Desde desgaste com o eleitorado até as atuais investigações criminais contra o premiê. Sobreviver no cargo é de grande interesse de Netanyahu para preservar seu legado político e arrefecer as consequências dos processos.

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Busca em diferentes frentes

Da coluna anterior sobre o tema pra cá, alguns desdobramentos interessantes aconteceram. Netanyahu buscou ampliar sua base de apoio e seu prestígio popular em diferentes frentes. Parte das iniciativas foram na frente externa. Netanyahu não conseguiu o anúncio de que o Brasil moveria sua embaixada israelense para Jerusalém, apenas um escritório de negócios; entretanto, Netanyahu rompeu uma barreira importante no início do mês, com o anúncio romeno que moverá sua embaixada. A Romênia será o primeiro país da União Europeia com uma embaixada em Jerusalém.

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Outra vitória, essa enorme, veio na última quinta-feira (4), quando Netanyahu visitou Putin em Moscou. Faltando cinco dias para as eleições, o que o premiê poderia tratar de tão importante na Rússia? Mesmo com a parceria em relação ao extremismo na Síria, a delicada relação desde o abate de um avião russo por aviões israelenses e a tensão devido a presença do Irã e do Hezbollah em território vizinho, pouca coisa justificaria essa visita. Exceção ao resgate dos restos mortais de um militar israelense desaparecido no Líbano em 1982, durante as intervenções da Síria e de Israel na guerra civil libanesa.

O sargento Zachary Baumel tinha 21 anos quando foi dado como desaparecido numa escaramuça pelo vilarejo de Sultan Yacoub. Seu corpo foi localizado em um cemitério nos arredores de Damasco, ainda com o uniforme israelense contendo sua identificação; exames de DNA confirmaram a identidade. Putin disse que “nossos aliados militares sírios determinaram o local (…) Estamos muito felizes de que Israel poderá dar a ele as honras militares necessárias em casa, e seus parentes poderão levar flores ao seu túmulo”. Netanyahu foi um pouco além.

“A volta de Baumel é um dos momentos mais emocionantes de todos os meus anos como primeiro-ministro. (…) É a recompensa da dívida moral que temos com todos os soldados israelenses e com suas famílias”. O direito de sepultar os mortos não é apenas uma tradição imemorial da humanidade, mas também algo de reconhecida importância para os familiares e amigos em seu luto. Um direito que é reconhecido até em tempos de guerra e não pode ser relativizado por nenhum Estado, nem por ninguém.

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Em um país como Israel, em que a atividade militar compõe importante elemento da vida cotidiana e dos ritos de passagem de seus cidadãos, sepultar um militar que morreu pelo país é algo ainda mais importante. Após décadas o resgate foi possibilitado pelas boas relações entre Netanyahu e Putin, o que lhe dá um inegável ganho político e prestígio. Mais ainda, entre 12 e 20% da população israelense é nascida na antiga URSS ou descendente direta, um eleitorado que vê com bons olhos as relações de Bibi com Moscou.

Anexação

Além da comunidade russófona, o resgate dos restos mortais do sargento Zachary Baumel deve atingir diversas parcelas do eleitorado, independente de questões ideológicas. Já para os setores da direita nacionalista e da direita religiosa, o aceno de Netanyahu foi em relação aos territórios da Cisjordânia. Para Netanyahu e outros setores da sociedade, a Judeia e a Samaria, os nomes bíblicos da região. Em uma entrevista, Bibi disse que, se reeleito, irá “aplicar a soberania” nos assentamentos israelenses, inclusive os “povoados isolados”.

Na prática, ele está falando em anexar ainda mais pedaços da Cisjordânia, que hoje é dividida em três áreas. As áreas A são de administração e de segurança da Palestina; as áreas B são administradas por palestinos com a segurança feita por Israel; finalmente, as áreas C são administradas e resguardas por Israel. Anexar a área C significaria 60% de toda a Cisjordânia, uma população de cerca de 400 mil judeus israelenses e de 150 mil palestinos.

Também significaria o fim dos Acordos de Oslo e da solução de Dois Estados, ao menos no curto prazo. Por isso arrancaram protestos de, dentre outros, palestinos e da Turquia. O chanceler turco, Mevlüt Çavuşoğlu, disse: “A Cisjordânia é território palestino ocupado por Israel em violação do direito internacional. As afirmações irresponsáveis de primeiro-ministro Netanyahu visam garantir alguns votos antes de uma eleição geral”. A mesma acusação de oportunismo veio também de Benny Gantz, o principal adversário de Netanyahu nas eleições.

Além de chamar Bibi de irresponsável, Gantz perguntou: “Por que ele não anexou a Cisjordânia durante os 13 anos em que esteve no poder se essa era sua intenção?”. A promessa, entretanto, deve consolidá-lo no eleitorado religioso, especialmente os ultraortodoxos. Esse eleitorado já desconsidera os acordos de Oslo e acredita que as Terras de Israel, definidas na Torá, presente na Bíblia, são uma promessa divina, que independente de relações políticas “mundanas”.  

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Maconha

Outro tema que está central na campanha israelense é a descriminalização do uso pessoal de maconha. Israel já legalizou o uso medicinal da erva e de seus derivados desde a década de 1990. O país é protagonista nas pesquisas que envolvem cannabis. O Ministério da Saúde local direciona oito milhões de shekels por ano para pesquisas que envolvem cannabis; um montante de 8,6 milhões de reais em um dos poucos países que financia publicamente a maconha. Uma série de empresas dos EUA operam no país e recentemente foi autorizado um tratamento experimental para o autismo usando derivados da maconha.

Ao final de 2018 foi aprovada uma nova lei que abrandou a legislação para o uso de maconha, porém sem completa descriminalização. A lei é inspirada no princípio dos “três strikes” de algumas leis dos EUA; nas três primeiras ocorrências o usuário é liberado com pagamento de multas. Na quarta vez, prisão e procedimento jurídico habitual. Isso não foi visto como uma completa liberalização. E o tema atrai atenção tanto da esquerda quanto da direita, ao contrário do que o estereótipo poderia insinuar.

O relator da nova lei, inclusive, é Gilad Erdan, do governista de direita Likud e atual Ministro de Segurança Pública, além de ter ocupado outros cargos. Partidos liberais tanto de direita quanto de esquerda apoiam a descriminalização da maconha. O Zehut, da direita, é o principal proponente da medida; por ser um partido novo, sabia que precisaria de uma bandeira “barulhenta” que o permita passar a cláusula de barreira e chegar ao parlamento. O verde social-democrata Meretz e a centro-esquerda Trabalhista também apoiam a legalização.

Isso fez Netanyahu, reticente em contrariar os socialmente conservadores, dizer que considera “uma possibilidade” apoiar a legalização da maconha em seu novo governo. Um aceno para a direita liberal secular e para a esquerda moderada liberal. Na direita e extrema-direita religiosa, o tema é divisivo. Alguns rabinos consideram a maconha como kosher (apropriada), desde que obedecendo critérios de plantio e de manipulação. Outros, entretanto, consideram ela com efeitos nocivos, o que faria da planta não autorizada. Enquanto o Zehut condiciona uma coalizão à uma postura pró-legalização, outros partidos podem rejeitar a ideia.

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Isso é importante pois, na véspera das eleições, as pesquisas de intenção de voto estão apertadas. Nas três pesquisas liberadas na sexta-feira (5), uma dá um empate de 28 cadeiras entre Bibi e Gantz, as outras duas dão pequenas vantagens para Gantz, 29×27 e 31×28. Das seis pesquisas liberadas no dia anterior, duas dão a maior bancada para Netanyahu e quatro para Gantz, todas em margens estreitas. Certamente ambos, para governar, precisarão formar coalizões com outros partidos, como mencionado anteriormente.

A corrida é para ficar com a maior bancada pois, em teoria, o líder do maior partido receberá do presidente a prerrogativa da primeira tentativa de formar um governo viável. Em teoria pois, em 2009, Bibi ficou atrás por uma cadeira, mas recebeu o convite de Shimon Peres, que considerou o Likud com maiores chances de formar um governo do que o Kadima. Após dez anos de Bibi, caso ele não fique com a maior bancada, é possível que ele veja Gantz ter a primeira chance de formar um governo. Se conseguir, seria o fim da era Netanyahu. Por isso Bibi busca apoio em todas as frentes possíveis.