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Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo

Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

Macron, Le Pen e o possível fim dos partidos tradicionais na França

A presidente do partido Frente Nacional (FN), Marine Le Pen, ao sair de uma reunião com o presidente da França, Emmanuel Macron, no Palácio Eliseu, em Paris, França, no dia 21 de novembro de 2017.
A presidente do partido Frente Nacional (FN), Marine Le Pen, ao sair de uma reunião com o presidente da França, Emmanuel Macron, no Palácio Eliseu, em Paris, França, no dia 21 de novembro de 2017. (Foto: EFE/IAN LANGSDON)

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Emmanuel Macron e Marine Le Pen disputarão o segundo turno das eleições presidenciais francesas, pela segunda vez seguida. No último domingo, os franceses foram às urnas para votar no primeiro turno de suas eleições presidenciais e o segundo turno do pleito está previsto para o dia 24 de abril. Nas próximas duas semanas, muita coisa pode acontecer, tornando a eleição quase imprevisível. Quais são as chances de cada um e o que os resultados do primeiro turno podem dizer sobre a política francesa?

Primeiro, vamos aos resultados da eleição. O liberal de centro Macron ficou com 27,8% dos votos, enquanto Le Pen, da direita nacionalista, recebeu 23,1% dos votos. Em terceiro lugar ficou Jean-Luc Mélenchon, da esquerda radical, com 21,9% dos votos. A diferença entre ele e Le Pen foi de pouco mais de 400 mil votos. Em quarto lugar ficou Éric Zemmour, de extrema-direita, com 7%. Valérie Pécresse, do conservador Os Republicanos, levou 4,7% dos votos, enquanto o verde Yannick Jadot teve 4,6% dos votos.

Fecham a lista Jean Lassalle, de centro, teve 3,1%, o comunista Fabien Roussel, com 2,2%, Nicolas Dupont-Aignan, de extrema-direita,com 2%, Anne Hidalgo, prefeita de Paris do Partido Socialista, com 1,75%, Philippe Poutou com 0,7% e Nathalie Arthaud com 0,5%, ambos de partidos radicais de esquerda. Consagrados os vencedores do primeiro turno, Dupont-Aignan e Zemmour declararam apoio a Le Pen, dentre os nomes derrotados. O restante declarou apoio a Macron, mesmo que de forma crítica e indireta. Mélenchon, por exemplo, não apoiou Macron, mas pediu "nenhum voto para madame Le Pen".

Ou seja, em uma primeira vista, ao que tudo indica, teremos a repetição do cenário eleitoral de 2017, em que a maioria "tapou o nariz" e votou em Macron no segundo turno, um voto muito mais anti-Le Pen. Naquela ocasião, Macron venceu o primeiro turno com 24% dos votos, contra 21,3% de Le Pen, uma vantagem de menos de três pontos. Em 2022, sua vantagem está quase na casa dos cinco pontos percentuais. O segundo turno de 2017 terminou com vitória de Macron com 66% dos votos, com quase cinco milhões de eleitores deixando de votar entre um turno e outro.

O mesmo fenômeno de menor eleitorado deve se repetir em 2022, e as pesquisas de segundo turno apontam uma vitória apertada de Macron, com entre 52% e 55% dos votos. E existem duas incógnitas principais ao visualizar o segundo turno neste ano. Primeiro, pode soar surpreendente, mas nem todo o eleitorado de Mélenchon vai votar em Macron. A maioria dos que votaram no candidato da esquerda radical possui uma postura crítica da União Europeia, da agenda econômica de Macron e das relações entre França e OTAN..

Guerra na Ucrânia e segundo turno

Paradoxalmente, tudo isso os aproxima de Le Pen. Uma pesquisa do Instituto Ipsos aponta que cerca de 20% dos eleitores de Mélenchon devem migrar para Le Pen, enquanto metade do mesmo eleitorado “ao menos cogita” a abstenção no segundo turno. A segunda incógnita é a mais importante, a guerra na Ucrânia. Muita coisa pode acontecer nas duas próximas semanas. Macron, em seu constante diálogo diplomático em meio ao conflito, pode emergir como um arquiteto da paz, alguém que viabilizou um acordo ou uma aproximação.

Macron também pode ficar com a imagem arranhada, como alguém que foi usado ou feito de idiota por Putin, por Zelensky ou por ambos. Foram quase duas dezenas de chamadas entre o presidente francês e seus homólogos envolvidos no conflito. O primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki, inclusive, provocou Macron, perguntando se ele “negociaria com Hitler”. É importante lembrar, entretanto, que além da básica necessidade de se manter um canal diplomático vivo, muitos desses diálogos foram feitos a pedido de Zelensky.

O conflito também pode influenciar a eleição francesa de outras maneiras. Por exemplo, uma escalada da guerra na Ucrânia pode ser tema de uma reunião da OTAN, ou refugiados podem ser tema de distensão dentro da UE, sendo que a França lidera o Conselho Europeu neste ano. Existe uma miríade de possibilidades em duas semanas de conflito no meio de uma eleição. Existe outro fator que pode favorecer Le Pen em um segundo turno, a ascensão de Zemmour.

Ao defender explicitamente e abertamente ideias como o Ministério da "Desimigração", eufemismo para deportação de cerca de um milhão de pessoas, ele deslocou a Janela de Overton francesa ainda mais para a direita. O termo, referência ao seu criador, o politólogo Joseph Overton, explicita a gama de ideias toleradas no discurso público em dado momento e contexto, ou seja, o que é politicamente tido como “razoável” e o que é considerado extremista.

Um candidato mais extremista que Le Pen torna a líder do Reunião Nacional mais "palatável" para muita gente. No mínimo, “menos extremista”, pelo simples contraste. O fato é que Marine Le Pen está em uma situação difícil e que Macron provavelmente será vencedor com um largo voto “anti Le Pen” e com menor presença eleitoral, mas ela está viva na disputa. Foi exatamente isso que dissemos aqui no nosso espaço em julho de 2021, na coluna 'Marine Le Pen sai derrotada na França, mas ainda viva', o que leva a outra discussão interessante sobre as eleições do último final de semana.

Partidos tradicionais

É bastante debatida a hipótese de que a França é mais um caso em que os partidos tradicionais estão minguando. Os resultados deixaram o Republicanos, o principal partido conservador, com menos de 5%, e Anne Hidalgo, prefeita de Paris e do Partido Socialista, historicamente o mais forte da esquerda, com menos de 2%. Na perspectiva da coluna, entretanto, é um pouco precipitado falar no fim dos partidos tradicionais na França. Como vimos na coluna citada, no ano passado, o Republicanos e o Socialista foram os grandes vencedores das eleições regionais.

As duas coalizões governam quinze das dezoito Regiões francesas, os "estados" franceses, em uma analogia. O Em Marcha! venceu apenas em Guadalupe, enquanto o Reunião Nacional não venceu nenhuma. Ou seja, os partidos tradicionais mostram ter capilaridade, presença e domínio na máquina pública, coalizões fortes e uma atuação regional que favorece renovação. O fim desses partidos pode ocorrer? Sim, claro, mas,  no cotidiano, a imensa maioria dos cidadãos franceses estará em governos desses dois partidos por ainda alguns anos, no mínimo.

A questão é que eleições regionais e nacionais diferem. Apenas 35% dos eleitores compareceram nas eleições regionais, enquanto o comparecimento nas nacionais do último final de semana foi de 74%, mais que o dobro. Questões nacionais são, hoje, vistas como mais importantes e presentes no debate público francês. Exemplos são imigração e aspectos culturais, importantes nas plataformas de Le Pen e de Zemmour. Ou então, a relação com a UE, com a OTAN e as reformas trabalhistas e de segurança social, todas pautas muito presentes nas plataformas de Macron, Le Pen e de Mélenchon.

A coluna de julho passado falava exatamente disso, mas no vetor contrário, que a derrota regional esmagadora de Le Pen não significava que ela era uma carta fora do baralho nacional. Tanto que ela ficou em segundo na eleição presidencial. Sobre os partidos tradicionais, o fato é que as duas candidaturas que vão ao segundo turno são muito personalistas. O partido de Macron possui seu nome na legenda, e Marine Le Pen é herdeira do ativismo político do pai. Esse foco personalista deixa ambos com pouca capilaridade no restante da estrutura política.

É mais provável os Republicanos ou o Socialista encontrarem uma candidatura viável do que Macron ou Le Pen criarem uma estrutura sólida ao seu redor. Seus movimentos políticos são seus nomes e giram em torno deles, não de uma organização partidária convencional. É fenômeno semelhante ao fato de Jair Bolsonaro, presidente no Brasil, ter sido cortejado por vários partidos em 2018, repetindo o cenário em 2021, precisando entrar em um partido já estruturado.

Novamente, a corrida presidencial aponta uma vitória de Macron, com a maioria dos eleitores votando nele como uma maneira de evitar um triunfo de Le Pen. Caso ocorra alguma mudança brusca no placar eleitoral, provavelmente será por causa da guerra na Ucrânia. Essa, entretanto, não é a única questão em debate, e Le Pen vai manter uma campanha atuante, tentando reverter o cenário. Serão duas semanas interessantes e o tamanho do comparecimento do eleitorado será o número essencial para compreender os resultados.

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