Manifestação do lado de fora do Parlamento Polonês, antes da aprovação do adiamento das eleições do país| Foto: Wojtek RADWANSKI/AFP
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A pandemia do novo coronavírus cobra preços em vidas, nas economias, na saúde mental das pessoas, e também na política eleitoral. Cerca de um mês atrás, aqui nesse espaço, comentou-se da realização das eleições parlamentares na Coreia do Sul e o que elas significavam. Não só para a política do país, mas também como exemplo de combate ao vírus. Nas últimas duas semanas, três eventos relacionados ao vírus e eleições também contribuem para esse debate, que é importantíssimo.

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A ênfase na importância se dá por dois motivos. Ainda para 2020 está prevista a eleição presidencial dos EUA, em novembro, cuja relevância e impactos mundiais é quase óbvia. A maior economia, a principal potência militar, etc. A pandemia já afetou as primárias partidárias, um impacto que foi parcialmente absorvido pela desistência de Bernie Sanders e aclamação de Joe Biden como único candidato democrata restante. Ainda assim, será possível que a pandemia afetará as eleições presidenciais? Se sim, como?

Lembre-se também de que não se trata apenas da eleição presidencial, já que também está prevista a renovação de um terço do Senado, de todos os assentos da Câmara, a disputa de mais de uma dezena de governos estaduais e uma miríade de pleitos locais. Desde as prefeituras de cidades grandes como Phoenix e San Diego até referendos sobre finanças locais ou descriminalização do aborto de gestação. Ou, ainda, até um referendo em Nebraska para remover da constituição do estado a escravização como pena criminal.

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O segundo motivo se dá aqui em nosso Brasil, que realizará eleições municipais no dia quatro de outubro. É interessante frisar que prestar atenção no noticiário internacional também serve para aprendizado e desenvolvimento de nossa própria sociedade. No caso da atual pandemia temos um exemplo cristalino: que tipo de medidas são adotadas pelo mundo, o que funciona, o que não funciona, com quais características. O mesmo tipo de reflexão serve para realizar uma eleição nessas condições.

Eleições adiadas

Primeiro, olhemos para a vizinha Bolívia. Originalmente, o país realizaria eleições gerais no último dia três de maio. Em março, a presidente interina Jeanine Áñez anunciou o adiamento das eleições, devido o novo coronavírus. A oposição acusou o governo de querer adiar as eleições por razões eleitorais, já que as pesquisas eleitorais apontam amplo favoritismo do candidato presidencial Luis Arce, ex-ministro da Economia na presidência de Evo Morales e opositor de Áñez, que sairá candidata.

Como consequência e tentativa de se chegar em um meio termo, a Câmara dos Deputados da Bolívia aprovou, no final de abril, um projeto de lei que determina que o pleito precisa ser organizado no prazo de até noventa dias a partir da promulgação da lei. O projeto ainda passará pela revisão da câmara alta e eventual assinatura presidencial. O projeto foi aprovado com 70 votos, dos 130 possíveis, e o prazo de noventa dias foi acordado com o tribunal eleitoral boliviano.

Agora, passamos pela Polônia, que realizaria eleições presidenciais no último dia dez de maio. O país é parlamentarista, mas o presidente polonês possui mais poderes do que em outras repúblicas parlamentaristas, comparando com a vizinha Alemanha, por exemplo. Embora politicamente independente, reformas mais profundas ficam inviáveis sem um presidente amistoso ao primeiro-ministro, como algumas das desejadas pelo partido Lei e Justiça, da direita eurocética.

Inicialmente, o governo não queria aceitar o adiamento das eleições. Pré-candidatos chegaram a se queixar de que suas candidaturas ficariam inviabilizadas por causa da pandemia, já que cada pré-candidato também precisa apresentar cem mil assinaturas para oficializar sua participação. A coleta das assinaturas estaria prejudicada pelas medidas de distanciamento social. Algumas propostas foram debatidas, como voto por correio para todos os eleitores.

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Curiosamente, o parecer negativo do serviço postal polonês encerrou a proposta, afirmando que não teria como garantir a lisura eleitoral. Um político chegou a mostrar cédulas que teriam sido vazadas da gráfica, para exemplificar o potencial de fraude. A situação ficou mais delicada em 30 de abril, quando nove ex-presidentes e primeiros-ministros apresentaram uma denúncia da eleição e propondo um amplo boicote eleitoral da população.

Finalmente, no dia seis de maio, foi anunciado um acordo entre governo e oposição para o adiamento das eleições em até um ano. Curiosamente, aqui a acusação foi a inversa da ocorrida na Bolívia. A Plataforma Cívica denunciava a “pressa eleitoral” do Lei e Justiça como consequência da queda da popularidade do governo, que possui boa relação com o atual presidente, Andrzej Duda, um ex-integrante do partido. Ou seja, tanto cá como lá, mais do que saúde pública, cálculos eleitorais foram colocados na mesa.

Expulsão da missão da OMS

Aos dois países soma-se o exemplo do Burundi. No dia doze de maio, o país africano expulsou a missão da Organização Mundial de Saúde do país, composta de quatro médicos, incluindo o coordenador local dos esforços de combate ao novo coronavírus. E o termo é expulsou mesmo, eles foram declarados “persona non grata” e receberam um prazo mínimo para saírem do país. O motivo seria uma suposta “interferência em assuntos internos”. Na prática, uma simples recomendação de que as eleições fossem adiadas.

As eleições previstas para vinte de maio escolherão mais de cem deputados e o novo presidente do país, após quinze anos do governo de Pierre Nkurunziza. Oficialmente apenas uma pessoa morreu do novo coronavírus no Burundi; entretanto, é um dos países que menos testa no mundo, e o número extraoficial pode já ter passado das dezenas. Além disso, é um dos países com maior densidade populacional do mundo, ou seja, um enorme potencial de contágio, daí a recomendação da missão da OMS.

Considerando apenas o último mês, pode-se observar eleições adiadas por governos tanto em alta quanto em baixa, ambos os cenários marcados pela sempre necessária oposição política. Também temos o exemplo de um país que, aparentemente, vai realizar eleições independente das condições sanitárias e de saúde pública. Como diz o ditado, não temos tempo para cometer todos os erros possíveis em vida. Precisamos ficar de olho e aprender com a experiência dos outros, sejam sucessos ou fracassos.

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