Nos dois últimos finais de semana, ocorreram as eleições regionais francesas. Estavam em jogo dezessete presidências regionais, algo análogo ao cargo de governador estadual no Brasil, e 1.757 conselheiros regionais, os respectivos “deputados estaduais”. Também foram disputadas 157 cadeiras nos conselhos territoriais. Fazendo novamente uma analogia, os “deputados estaduais” da Córsega, de Martinica e da Guiana Francesa. Muitos encararam o pleito como uma prévia das eleições presidenciais programadas para abril de 2022, daqui menos de um ano. Claro que a eleição pode fornecer sinais importantes do que está por vir, e vamos ver alguns deles, mas também deve-se evitar conclusões.
Resultados
Primeiro, aos resultados. Dos doze presidentes regionais da França continental, sete eram da coalizão do partido de direita, Os Republicanos. Quatro do próprio partido, um dos Centristas e outros dois de filiações locais. Os outros cinco eram do Partido Socialista, de esquerda. A direita, via uma filiação local, também governava a ilha de Reunião. A coalizão do Em Marcha, centrista do presidente Emmanuel Macron, governava Guadalupe e a Guiana, via partidos regionais. A Córsega e a Martinica eram governadas por partidos regionais sem filiação nacional, o Pè a Corsica e a Reunião Democrática Martinicana.
Esse era o cenário antes do pleito. As eleições não alteraram as cadeiras tanto assim, já que todos os candidatos à reeleição triunfaram. As mudanças foram em Guiana, com um novo governo sob o Partido Socialista regional, e em Reunião, agora governada pelo Partido Comunista local. Ou seja, a primeira fotografia das eleições regionais francesas aponta para um fortalecimento dos dois grandes partidos tradicionais, Os Republicanos e o socialista, que continuarão governando toda a França continental. Outra “confirmação” é a pouca capilaridade e estrutura partidária do Em Marcha de Macron, um partido criado, basicamente, para sustentar sua candidatura, mas sem grandes projetos definidos.
A eleição também mantém a força dos partidos regionais, inclusive dos independentistas, como é o caso da Córsega, onde o separatista Corsica Libera faz parte da coalizão. Agora, olhando com uma lupa, e os outros partidos? Como os Verdes e o Reunião Nacional, de Marine Le Pen? Não tinham nenhuma cadeira e não conquistaram nenhum governo, mas e o desempenho geral? Das doze presidências regionais continentais, em três os Verdes foram ao segundo turno, levando cerca de um terço dos votos e conquistando um número substancial de conselheiros regionais. Já a Reunião Nacional foi ao segundo turno em cinco regiões. E, em Provence-Alpes-Côte-d'Azur, teve seu melhor resultado, com 42% dos votos.
Le Pen
Nas outras quatro regiões, entretanto, a antiga Frente Nacional não passou dos 30% dos votos. Consequentemente, conquistando menos assentos de conselheiros regionais. Daí veio o diagnóstico de que a Frente Nacional sofreu um grande revés e que isso é um sinal para o ano que vem. E essa interpretação é precipitada e não tem muitos fundamentos. Sim, a Frente Nacional não foi bem nas eleições, e sofre em conquistar um eleitorado além do seu já habitual. Conta com um eleitorado cativo e uma rejeição do restante. Além, obviamente, de seu discurso nacionalista não ser nem um pouco sedutor nas regiões fora do continente, motivo pelo qual o foco da coluna permanece nas doze regiões continentais.
Ao mesmo tempo, a Frente Nacional, ou sua nomenclatura antecessora, nunca foi bem em eleições regionais. Tampouco o Em Marcha, do atual presidente Macron. Ou a esquerda radical, de Jean-Luc Mélenchon e seu França Insubmissa, quarto colocado na eleição de 2017, com 19,5% dos votos. Naquele pleito presidencial, no primeiro turno, Le Pen ficou com 21,3%, seguida de François Fillon, d’Os Republicanos, com 20%. Entre a segunda e o quarto colocado foram apenas dois pontos percentuais de diferença. E, dos quatro candidatos, apenas um desses partidos teve bom desempenho regional.
Essa é a primeira lição: eleição regional é uma coisa, eleição nacional é outra, ainda mais em países com muitos partidos e população grande, como a França e o Brasil. No pleito geral brasileiro de 2002, por exemplo, Minas Gerais elegeu como governador Aécio Neves. Para o mesmo cargo, São Paulo elegeu Geraldo Alckmin. Ambos tucanos. E, em ambos os estados e em ambos os turnos, o tucano José Serra foi menos votado do que o petista Lula na eleição presidencial. Então, o fracasso de Le Pen, de Macron ou da esquerda radical nas eleições regionais não necessariamente quer dizer muito. A principal lição não é de resultado eleitoral, mas de falta de capilaridade desses partidos.
Comparecimento
Capilaridade que Os Republicanos possuem, e Xavier Bertrand, eleito no primeiro turno em Hauts-de-France, desponta como seu melhor quadro presidenciável. A segunda lição acaba por ser quase uma pegadinha, indo além do mero resultado. A média do comparecimento eleitoral na França continental foi de 35%. Isso significa que dois terços dos eleitores franceses preferiram ficar em casa, assistir um filme, ler um livro, descansar, do que ir se expressar nas urnas. É seguro dizer que milhões de eleitores não compareceram por desinteresse, por não se verem representados ou por não acharem que as eleições regionais vão mudar tanto assim sua vida.
E qual o eleitorado de Le Pen e de Mélenchon? Essas pessoas. Ou seja, essas plataformas fracassaram num universo de 35% do eleitorado, mas podem ser sedutoras para os outros 65%. Especialmente em questões nacionais, como o protecionismo agrícola, a União Europeia e a segurança internacional. Também por isso é cedo para descartar um cenário em que Le Pen vá ao segundo turno nas eleições presidenciais francesas. Mesmo os verdes também podem seduzir esse eleitorado, se apresentando como uma nova alternativa, um partido que nunca governou a França. Pela primeira observação, Macron não pode ser descartado. Pela segunda, Le Pen não pode ser descartada. Pelas pesquisas de opinião, se a eleição fosse hoje, seria justamente esse o segundo turno.
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