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Soldados-Equador-Lasso
Soldados equatorianos vigiando a Assembleia Nacional, em Quito (Equador).| Foto: EFE/José Jácome

Na última quarta-feira (17), o presidente do Equador, Guillermo Lasso, acionou o mecanismo constitucional da “morte cruzada”. Com isso, a Assembleia Nacional foi dissolvida e Lasso, na prática, renuncia ao cargo, com a convocação de novas eleições para ambos os poderes. O pleito deve ser realizado em até três meses e os indivíduos eleitos assumem seus postos em aproximadamente seis meses. A decisão causou grande repercussão na América Latina e trouxe diversas questões sobre o ato.

Primeiro, uma breve contextualização geral. Lasso enfrentava um processo de impeachment pelo congresso de seu país, iniciado em 16 de março. O processo foi aprovado no Tribunal Constitucional que, embora tenha rejeitado as acusações de suborno contra Lasso, aceitou a acusação de peculato. No centro do processo está o cunhado do presidente, Danilo Carrera Drouet, com um esquema de corrupção em empresas públicas denunciado na imprensa desde janeiro, o “caso Poderoso Chefão”, referência ao filme.

Danilo Carrera, além de cunhado, é figura de confiança do presidente, com acesso e trânsito no palácio presidencial. Também acompanhou Lasso em viagens internacionais. Em abril, um aliado de Carrera, o empresário Rubén Cherres, foi encontrado morto. Ele era considerado uma potencial testemunha no caso de corrupção e, possivelmente, o termo empresário deveria estar entre aspas, já que ele provavelmente tinha como fonte de sua riqueza uma série de atividades criminosas, incluindo o tráfico de drogas.

Semanas antes de ser morto, inclusive, Cherres recebeu a notícia de que uma investigação policial contra ele foi arquivada. A procuradoria-geral do Equador investiga a possibilidade de que o arquivamento tenha sido decorrente de pressão do próprio presidente. A condenação de Lasso em seu impeachment era praticamente certa. Dos 137 assentos da Assembleia, o governo tinha apenas trinta. O partido do presidente, o Creo, tinha apenas doze, depois de perder catorze cadeiras no mais recente pleito.

Falta de apoio político 

Além de não contar com apoio legislativo ou partidário, recentemente Lasso sofreu uma série de graves derrotas eleitorais no Equador, abordadas aqui em nosso espaço de política internacional. Um referendo popular envolvia oito perguntas e o governo foi derrotado em todas as oito. O Creo não venceu nenhuma eleição regional, enquanto o Movimiento Revolución Ciudadana, de Rafael Correa, venceu sete, incluindo as províncias de Pichincha e de Guayas, onde estão Quito e Guayaquil.

Tratam-se das duas maiores cidades do país, e o partido também venceu nas duas prefeituras. A aprovação popular de Lasso estava, e está, em níveis mínimos, tanto que, já naquela coluna, abrimos com a pergunta “o governo Lasso acabou no Equador?”. Em 16 de maio, a Assembleia Nacional iniciou oficialmente o processo de impeachment contra Lasso, que desclassificou o processo como politicamente motivado. No dia seguinte, veio o decreto da morte cruzada, termo utilizado na constituição.

O mecanismo é legal e está presente na constituição do país, que é de 2008, elaborada após uma constituinte convocada por Rafael Correa, de esquerda, então presidente do Equador. A justificativa legal de Lasso foi invocar a “comoção nacional”, termo presente no artigo. Existe uma comoção nacional que justifique a morte cruzada? Um processo de impeachment é suficiente para ser chamado de morte cruzada? Essas perguntas motivam debates políticos e partidários no Equador.

O problema está na falta de clareza da própria lei, que não define o que seria a “comoção nacional”, deixando o termo ambíguo e aberto para ser distorcido ao bel-prazer. Enquanto isso está numa constituição promulgada por um governo de esquerda no Equador, a constituição outorgada por um governo de direita no vizinho Peru sofre do mesmo problema, vide os seguidos impeachments e afastamentos por “incapacidade moral”. Uma lei precisa definir seus objetos de forma clara e direta, sem “comoção nacional”.

Outro debate é: Lasso poderia ter feito isso durante um processo de impeachment? Legalmente, sim. Eticamente? Provavelmente não, embora ética e política muitas vezes estejam em lados opostos do tabuleiro. Uma das intenções de Lasso ao evocar a morte cruzada é claramente a de evitar seu impeachment, que o responsabilizaria pelo escândalo de corrupção e o tornaria inelegível no futuro. Outra intenção é recuperar sua imagem popular ou, ao menos, evitar a “humilhação” do impeachment.

Tentativa de recuperação 

Para tentar se recuperar, Lasso terá os próximos meses, quando governará interinamente por decreto, sob supervisão do Tribunal Constitucional. Ele já anunciou um corte de impostos via decreto, medida claramente eleitoreira. Lasso certamente enfrentará muitos protestos, inclusive nas ruas, por grupos de esquerda e, principalmente, pela Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador, que considera que Lasso não cumpriu nenhuma de suas promessas nos últimos anos.

Muitos atores políticos classificaram as ações de Lasso como um “auto-golpe”, incluindo comparações com as ações de Pedro Castillo, no vizinho Peru, ali claramente um auto-golpe. O que diferencia Lasso de Castillo, então? O que permite que Lasso adote tal medida, se não tem apoio popular ou partidário, ainda mais durante um processo de impeachment? Lasso possui um único pilar que o sustenta, e que Castillo não contava: os militares e os policiais.

Desde o início de seu governo, Lasso cortejou as lideranças das forças armadas. Parte da cúpula militar, inclusive, sente afinidade com Lasso, um presidente de direita, por questões ideológicas, remanscentes da Guerra Fria e a ideologização das forças armadas da América Latina. Nos últimos dois anos, com o aumento da violência no Equador causada pelo narcotráfico, Lasso direcionou mais verbas e funções ao aparato policial e militar, incluindo o uso do Exército na segurança pública.

Logo depois do anúncio da morte cruzada, os três comandantes militares, mais o comandante da polícia e o chefe de Estado-maior, fizeram um pronunciamento televisionado, todos fardados, em apoio ao presidente. Inclusive, afirmando que protestos seriam contidos. Nos primeiros momentos, já houve a militarização da região do congresso. Nas próximas semanas saberemos como será a reação popular ao ato de Lasso, embora não exista razão para ele ser muito otimista.

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