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Hora de encerrarmos nosso balanço das eleições que nos aguardam em 2024. Depois de três colunas sobre as eleições do ano, ficaram faltando basicamente os dois pleitos mais importantes: EUA e Índia. Claro que veremos ambas as eleições mais vezes aqui em nosso espaço durante o ano, mas uma prévia eleitoral de 2024 estaria incompleta sem abordar as duas maiores eleições do mundo.
Maiores em um sentido literal, inclusive. A eleição indiana de 2019 envolveu o voto de quase 615 milhões de pessoas. São necessárias várias votações, distribuídas em diversos finais de semana, para cobrir tamanho eleitorado por toda a extensão do território. O país se orgulha de ser “a maior democracia do mundo”, um slogan criado justamente por esse imenso eleitorado indiano.
Os EUA vêm logo atrás no ranking populacional, além de ser, por vários critérios, a maior potência do mundo, como o tamanho nominal da economia e seu arsenal bélico. Em ambos os países, a eleição provavelmente será disputada entre um popular e populista líder de direita e uma frente ampla contra esse líder. Os dois líderes em questão, entretanto, vivem situações e contextos diferentes entre si.
Índia
Na Índia, Narendra Modi ocupa o poder como primeiro-ministro e busca seu terceiro mandato consecutivo. Sob seu comando, o país cresceu 4,9% ao ano, em média, na última década. Dado prejudicado, claro, pela recessão da pandemia. Suas políticas nacionalistas hindus conquistam apoio especialmente no populoso norte do país e, sob Modi, a Índia consolidou seu papel de potência mundial.
Nada disso é unânime, entretanto. Modi é próximo dos movimentos abertamente fascistas hindus, como o RSS, e seu governo é acusado de interferir no Judiciário para reprimir os direitos das minorias, como cristãos e muçulmanos. Um símbolo dessa guerra religiosa na Índia de Modi tornou-se uma propaganda eleitoral, o templo Ram Mandir, construído sobre as ruínas da mesquita demolida Babri Masjid.
Seu discurso de “Grande Índia” gera reações regionais, não apenas do tradicional rival Paquistão, mas também de outros países, como Nepal e Maldivas. E, claro, a relação cada vez mais dúbia entre Índia e China, parceiros em muitas áreas e competidores em outras. A consequência foi a formação de uma frente ampla de oposição formada por vinte e oito partidos, cujo propósito é tentar tirar a maioria de Modi e seu Partido Bharatiya Janata.
A frente ampla foi batizada, em inglês, de Indian National Developmental Inclusive Alliance, Aliança Nacional Indiana para o Desenvolvimento Inclusivo. No acrônimo em inglês, INDIA. Ela é liderada pelo Congresso Nacional Indiano, histórico partido de centro-esquerda que liderou o processo de independência da Índia. Na disputa contra o BJP, a principal característica do partido de Gandhi e de Neru é o fato de ser secular.
Mesmo com a criação de uma inédita frente ampla, Modi e o BJP continuam na liderança, segundo as pesquisas. As mais recentes apontam que ele teria entre 40% e 44% das intenções de voto, contra 36% a 40% da Frente INDIA. Outros 20% dos votos, aproximadamente, iriam para partidos menores, regionalistas. Dos 543 assentos da Lok Sabha, a câmara baixa do Parlamento, espera-se que o BJP conquiste de 295 a 335.
Ou seja, mesmo nos piores resultados das pesquisas, o BJP ainda conquistará a maioria das cadeiras. Isso sem mencionar os partidos pequenos regionais que, no âmbito nacional, se alinham ao BJP. O mandato do atual parlamento acaba no dia 16 de junho, logo, as eleições serão realizadas ao fim de abril. A oposição a Modi tem apenas alguns meses para tentar reverter esse cenário.
Trump versus Biden
Já nos EUA, ao que tudo indica, a corrida presidencial será novamente entre Joe Biden e Donald Trump. Ou seja, teremos um novo recorde etário na presidência, independente de quem ganhe, mostrando como a política dos EUA passa por um sério problema de incapacidade de renovação de lideranças. No lado republicano, o governador da Flórida Ron DeSantis e a ex-governadora da Carolina do Sul Nikki Haley tentam um milagre.
Já no lado democrata, impera o tabu de questionar a candidatura do atual presidente, mesmo com sua idade avançada e sua popularidade em baixa. A questão etária não seria um problema se a vice-presidente, Kamala Harris, tivesse se destacado nos últimos anos, mas ela, hoje, está menor do que quando entrou no cargo. A questão da popularidade de Biden é curiosa.
Do ponto de vista econômico, seu governo tem sido um sucesso em diversos parâmetros, como criação de postos de trabalho, o desempenho da bolsa de valores e o combate à inflação pós-pandemia. Programas de médio e de longo prazo também foram implementados, como incentivos para a transição energética. Ainda assim, isso não se reflete em uma opinião favorável no eleitorado.
Para piorar a situação de Biden, sua política externa o fez perder diversos eleitores. Seu apoio incondicional à Ucrânia, ao custo de dezenas de bilhões de dólares, custou votos da classe média branca que flutua entre os dois partidos. Já seu apoio incondicional a Israel custou votos dentro do eleitorado jovem não-branco. Provavelmente a demografia que decidiu o último pleito.
É importante lembrar que a mais recente eleição presidencial dos EUA foi histórica por envolver o maior número de votos de todos os tempos. Donald Trump de 2020 foi a segunda pessoa mais votada na História do país, e teria vencido qualquer eleição anterior. Joe Biden precisou de todos os votos possíveis naquela eleição, uma enorme mobilização anti-Trump, o que deu margem às teorias da conspiração sobre “fraude eleitoral”.
E Joe Biden continuará com a mesma plataforma: votem em mim, pois não sou Donald Trump e ele é uma ameaça à democracia. Biden foi eleito pela rejeição a Trump. Hoje, para muitos que votaram em Biden em 2020, os dois não seriam tão diferentes assim. “Tanto faz” é a pior sensação para um eleitor em um país de voto facultativo. O eleitor não é seduzido, não é mobilizado para votar.
Praticamente todas as pesquisas eleitorais colocam Trump na frente de Biden. Além disso, existe uma chance razoável de os republicanos conquistarem a maioria em ambas as casas do Congresso. Hoje, a única chance dos democratas é Trump ser impedido de disputar a eleição por suas condenações judiciais pelo ataque ao Capitólio de 6 de janeiro de 2021. Ou algum milagre, que Biden parece estar distante de conseguir.
Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise