Sempre há notícia no Oriente Médio. Uma região vasta, de suma importância geopolítica, culturalmente complexa e, para alguns, encantadora. Pensando nos eventos recentes da região, duas notícias merecem ser comentadas brevemente, inclusive pelo fato de estarem conectadas, mesmo que indiretamente. Primeiro, Israel realizará uma inédita terceira eleição em um ano, em Março de 2020.
Eleições em Israel
Não foi possível articular uma coalizão viável no parlamento local. O Azul e Branco de Benny Gantz foi o partido que ficou com mais assentos nas últimas eleições, com 33. São necessários 61 parlamentares para maioria. A esquerda moderada secular somou onze assentos, enquanto a esquerda radical e os partidos árabes somaram treze. O Yisrael Beiteinu, de Avigdor Lieberman, da direita secular, ficou com oito. Porém, parte do Azul e Branco e o Yisrael Beiteinu rejeitaram uma coalizão com os partidos árabes e de esquerda radical.
Do outro lado, o Likud de Benjamin Netanyahu ficou com a segunda maior bancada, 32 parlamentares. Seus diversos aliados da direita radical e da direita religiosa somam 23 cadeiras. Novamente, Avigdor Lieberman poderia ser o fiador de uma coalizão, mas ele se recusa a se juntar aos partidos religiosos.
O presidente israelense buscou, então, uma solução entre os dois maiores partidos, que esbarrou na promessa de campanha de Benny Gantz: uma coalizão com o Likud precisa implicar no afastamento de Netanyahu, ao menos até sua eventual inocência em seus julgamentos por corrupção e abuso de poder. Claro, tudo isso é um resumo de uma disputa política já várias vezes presente nesse espaço.
E o diagnóstico permanece, desde antes das eleições passadas. Netanyahu é o fiel da balança, ainda mais após seu indiciamento formal. Sem ele, uma coalizão entre Azul e Branco, Likud e Yisrael Beiteinu poderia ser formada rapidamente. Claro que ele não abrirá mão de sua posição de primeiro-ministro, agora interinamente, buscando se preservar dos vindouros julgamentos.
Sobram as mesmas opções. Uma vitória esmagadora do Likud e de seus aliados da direita religiosa na próxima eleição, que permita que Netanyahu forme um governo sem precisar dos outros partidos seculares; uma derrota do Likud que viabilize uma coalizão do Azul e Branco; uma renovação do Likud, trocando Netanyahu da posição de líder do partido. Ao menos momentaneamente, enquanto ele responde seus processos.
Curiosamente, um ministro não pode ocupar o cargo em Israel se estiver respondendo processos sobre ações de governo, como corrupção, na justiça; entretanto, nada impede que um primeiro-ministro ocupe o mais alto cargo de governo, mesmo respondendo na justiça. E o passo inaugural de uma arriscada tentativa de afastar Netanyahu já foi dado, com Gideon Sa'ar pedindo por eleições internas ao Likud.
Habitual rival interno de Netanyahu, Gideon Sa'ar terá uma tarefa difícil em vencer Bibi dentro do próprio partido, mas conseguiu as eleições que queria, no dia 26 de Dezembro; depois disso vem a dissolução do parlamento, ou seja, as eleições de Março estão confirmadas. O discurso será de pedir por renovação no Likud, com uma “saída honrosa” de Netanyahu, em nome de seus “serviços ao país”. O futuro de Netanyahu determinará o futuro de seu país.
Armas nucleares na Turquia
Na Turquia, aviões de transporte estratégico dos EUA foram divulgados pousando e saindo da base aérea de Incirlik. Aviões de dois países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) voando de uma base aérea de um deles dificilmente seria uma notícia relevante, salvo o fato de que é nesse local que ficam armazenadas as cinquenta ogivas nucleares dos EUA em solo turco; ao menos, esse é o número oficial conhecido.
A questão é: com as relações entre a Turquia e a Otan estremecidas, e a ambiciosa e independente agenda de projeção internacional do governo de Erdogan, faz sentido político manter as ogivas nucleares em território turco? Mais: faz sentido econômico, em tempos em que Donald Trump tanto comenta sobre gastos militares e que os aliados da Otan precisam colocar mais dinheiro no bolo?
Mesmo militarmente, a política de partilha nuclear com a Turquia sempre foi voltada contra a União Soviética e, hoje, contra a Rússia. As chances de um conflito entre Turquia e Rússia são bastante remotas, e é nessa circunstância que as ogivas seriam úteis; são bombas de queda livre, podendo ser usadas em ações táticas localizadas. Não são elas que ameaçam a existência de Moscou, mas os mísseis balísticos intercontinentais. As ogivas são, em essência, uma arma para defesa, para dissuadir um potencial ataque.
No caso, defender um aliado nem tão próximo assim contra um ataque que dificilmente virá num futuro próximo. As relações entre Turquia e Estados Unidos somente pioraram nos últimos dias, com as duas casas do Congresso dos EUA aprovando moções que reconhecem o genocídio armênio de 1915 como tal, algo inaceitável para o governo turco.
Apenas um motivo mantém as armas nucleares ali – se é que ainda estão em solo turco e os aviões citados não representam o início dessa mudança: o medo de um efeito dominó. Um na Turquia, que pode alegar que está vulnerável sem as ogivas dos EUA, justificando assim o início de seu próprio programa nuclear militar. Um dos motivos do desejo turco por armas nucleares está justamente em Israel. Em evento político no último Setembro, Erdogan afirmou que “nós temos Israel aqui do lado, quase vizinhos. Eles intimidam os outros por possuírem (armas nucleares). Ninguém pode encostar neles”.
Outro efeito dominó temível é o de que outros aliados da Otan, países democráticos, onde a presença das ogivas são impopulares e temas eleitorais, como nos Países Baixos, queiram discutir a retirada dos arsenais em seus países. Para os EUA, a preocupação nesse caso seria financeira. Não é barato mover dezenas de ogivas nucleares com os devidos procedimentos de segurança. Assim como não é fácil discutir uma relação entre aliados que envolve diretamente arsenais nucleares.
Novamente, sempre há notícia no Oriente Médio, já que, aparentemente, a complexidade de qualquer relação potencializa na região. Tudo é mais difícil.
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