Nesse dia 23 de março, os israelenses vão às urnas eleger seu parlamento e seu governo. Pela quarta vez em dois anos, depois de duas eleições em 2019 e uma terceira em março de 2020. Benjamin Netanyahu, ocupante da cadeira de primeiro-ministro desde 2009 e o recordista no cargo, somando com a passagem anterior, é o favorito para vencer o pleito e se manter na liderança do país. E também se manter com foro privilegiado. E o que explica o favoritismo de Netanyahu depois de tanto tempo e tantos problemas?
Foi na eleição passada que Netanyahu chegou mais perto de perder o cargo. Ele e o seu Likud ficaram 29,4% dos votos e 36 cadeiras, enquanto a coalizão Azul e Branco, encabeçada por Benny Gantz, levou 26,5% dos votos e 33 cadeiras. O Azul e Branco, na época, era composto pela junção de três movimentos diferentes. O homônimo, de Gantz, o Yesh Atid, de Yair Lapid, e o Telem, de Moshe Ya'alon, mais à direita. A proximidade do número de cadeiras fez com que ambos buscassem formar governo.
Resumindo um tema que já apareceu por aqui, existiam seis correntes presentes no Knesset, o parlamento israelense. A principal era a do Likud, de Netanyahu, o principal partido da direita isralense, tradicionalmente secular, mas, recentemente, com alas religiosas. Além disso, centrado cada vez mais na figura da pessoa de Netanyahu, que monopoliza o partido. Outras duas eram a direita secular, de Avigdor Lieberman, e a direita religiosa ultraortodoxa, dividida entre vários partidos.
Ao centro, vinha o Azul e Branco, com discurso de renovar a política interna israelense, dar novo fôlego à uma solução de dois Estados com os palestinos e baseando-se num discurso anticorrupção, dados os processos contra Netanyahu. Outra corrente é a esquerda isralense, historicamente muito forte e fundadora do país, mas que perdeu força desde a Intifada. Finalmente, a Lista Conjunta, de partidos árabes, que terminou aquele pleito como a terceira força, com quinze assentos.
Cálculos e acordo
Novamente, como em diversas outras eleições no sistema parlamentarista, o cálculo para formar um governo passa pela Quadrilha de Drummond. O Azul e Branco sentaria com o Likud, desde que sem Netanyahu. O Likud, por sua vez, conseguiria uma coalizão de direita, mas os seculares não sentariam com os ultraortodoxos, em disputa sobre o serviço militar para religiosos. Em compensação, os seculares aceitavam o Azul e Branco, assim como os árabes aceitavam, mas a Lista Conjunta não era bem-vinda na coalizão.
O tempo passava, o impasse persistia e a pandemia se potencializava. Enquanto o governo ficava travado em questões orçamentárias e com um retrógrado ministro da saúde ultraortodoxo, a demografia que menos seguiu as determinações do governo, o número de mortos aumentava e a economia sofria. Netanyahu, então, mostrou novamente a raposa velha da política que é. Defendendo um governo de união nacional contra a pandemia, conseguiu implodir a principal oposição.
Não se trata de dizer que um governo de emergência não era necessário. É claro que era. O ponto é que Netanyahu conseguiu unir o que era moralmente certo aos seus fins partidários, uma combinação, convenha-se, pouco comum na política. Benny Gantz tinha a faca e o queijo nas mãos para conseguir atingir o principal objetivo de sua candidatura, tirar Netanyahu do cargo. Quando ele aceita fazer parte do governo de emergência, dando sobrevida a Netanyahu, Lapid, e Moshe Ya'alon se retiram.
O Azul e Branco, então, é reduzido de 33 cadeiras para quinze, e Lapid torna-se o principal nome da oposição, levando dezoito cadeiras consigo. Gantz torna-se ministro da Defesa, o segundo cargo mais importante do governo, enquanto supostamente se alternaria com Netanyahu no cargo de premiê. Netanyahu iria primeiro, como premiê até outubro de 2021, e a próxima eleição seria apenas em maio de 2023. Entra em cena a raposa velha, e Netanyahu protela intencionalmente o voto do novo orçamento para 2021.
Com o novo impasse, em 23 de dezembro, o parlamento é dissolvido e novas eleições são convocadas. E Benny Gantz completamente derretido perante a opinião pública, visto como alguém que abandonou a sua principal promessa de campanha: não fazer um acordo com Netanyahu. As pesquisas de opinião apontam que Gantz, de suas quinze cadeiras quando do acordo e doze atuais, deve ficar com cerca de cinco. Uma desidratação marcante para um prazo de apenas um ano.
Gantz pode até ter aceitado o governo de emergência por algum senso de responsabilidade e patriotismo, mas foi politicamente ingênuo. Se as pesquisas se mostrarem corretas, ele sequer terá o poder de barganha para manter o ministério da Defesa. E também levou consigo a principal chance de tirar Netanyahu do poder. Já a manobra do premiê garantiu a manutenção de seu foro privilegiado contra as denúncias de corrupção. E existe outro fator que explica o favoritismo de Netanyahu.
Vacina e eleição
Israel é um dos países que mais vacinou sua população no mundo. E isso não é explicado apenas pelo fato de ser uma população relativamente pequena, de cerca de dez milhões de pessoas, mas também pela perspicácia do governo em ver que a vacinação teria enorme valor eleitoral. Albert Bourla, CEO da Pfizer, em entrevista no dia 11 de março, disse que Netanyahu ligava para ele até cinco vezes ao dia, incluindo na madrugada. O contrato foi firmado para que Israel fosse um dos primeiros países a receber o imunizante.
Mesmo que o tamanho da população contribua, a velocidade da ação do governo israelense, e a postura de negociação, foram decisivos. Totalmente contrastante com a postura do governo brasileiro, supostamente formado por um admirador do governo israelense. Obviamente, a campanha eleitoral de Netanyahu usa os números do combate à pandemia a seu favor. O próprio fez visitas e aparições eleitorais nesse contexto, além de postagens como o vídeo contra fake news que viralizou aqui no Brasil também.
Um dia antes da eleição, 22 de março, ele visitou o hospital Shaare Zedek, em Jerusalém, celebrando que a ala para pacientes do coronavírus está zerada, sem nenhum paciente. E, mesmo que não se nutra simpatia nenhuma por Netanyahu, uma figura no mínimo discutível em diversos princípios, é inegável que ele está colhendo frutos merecidos de sua gestão. Esse é um dos pilares de uma democracia liberal, a ideia de que a eleição premia o bom governante e pune quem não desempenhou bem seu papel.
É a combinação de um partido sólido que gira em torno de sua figura, um afiado instinto para cálculos políticos e uma extensa campanha de vacinação com a retomada econômica que explica o favoritismo eleitoral de Netanyahu. Mesmo com processos, denúncias de corrupção, o desgaste de mais de uma década no poder e críticas internacionais sobre a relação com os palestinos. Como cereja no bolo, desidratou a oposição. Benny Gantz poderia ter aprendido algumas lições.