Aqui nesta coluna na Gazeta do Povo buscamos expor e discutir a política internacional. Mostrar sua importância, como ela pode afetar a vida dos leitores, ir além da superfície e do senso-comum, apontar caminhos e as origens de questões de nossos tempos. Nesse sentido, não basta ser reativo, falar das últimas semanas.
É importante ter em mente que alguns problemas são perenes, históricos e também que problemas podem surgir ou se agravarem à partir de fatos previstos. Na coluna anterior, nesta e nas próximas colunas vamos passar por catorze tópicos, de diferentes importâncias, para ficarmos de olho no ano de 2020. Nesta segunda parte o foco será no Oriente Médio.
O mundo pós-soviético no Oriente Médio
Alguns temas são frequentes aqui nesse espaço. Dois deles são o mundo pós-soviético e o Cáucaso. No primeiro caso, trata-se do conjunto de pendências fronteiriças e demográficas herdadas da dissolução da União Soviética. Atualmente o Cáucaso possui dois exemplos bastante concretos dessas pendências, as questões da Ossétia do Sul e da Abkházia. Ambos os territórios são posse georgiana, porém declararam autonomia sob “proteção” russa; na prática, territórios que hoje fazem parte da Federação Russa.
Outros territórios da região do Cáucaso que foram centrais em crises internacionais são a Chechênia e o Daguestão, regiões russas com maioria muçulmana da população. Muitos guerrilheiros dessas regiões foram lutar na Síria, contra as forças russas, ao lado de grupos extremistas, incluindo o Daesh (autointitulado Estado Islâmico). As guerras na Chechênia podem parecer uma memória distante para os brasileiros, mas passam longe de estarem resolvidas. Recentemente, Rússia e Alemanha tiveram uma crise diplomática por esse motivo.
Um “suposto agente” checheno foi morto em Berlim com “suposto envolvimento” de “diplomatas” russos que seriam agentes de inteligência infiltrados; sim, roteiro de filme de espionagem. A Alemanha expulsou diplomatas russos, que retaliou. Em suma, todas essas regiões citadas são potenciais focos de crises à qualquer momento, que podem escalar até um conflito aberto. E são regiões importantíssimas pelas riquezas naturais e, principalmente, pelo fato de serem rotas de oleodutos e gasodutos.
Esses dutos ligam o Cáucaso e o Mar Cáspio ao resto do mundo; a Chechênia é uma encruzilhada de dutos, cujo comprometimento poderia afetar parte da economia russa. Outra questão no Cáucaso é o conflito congelado entre Armênia e Azerbaijão, em disputa pela região de Nagorno-Karabakh, cuja maior parte compreende a região autônoma de Artsakh. O Azerbaijão é apoiado pela Turquia, a Armênia pela Rússia, e escaramuças em 2019 custaram ao menos trinta vidas.
O processo de paz na Líbia e riquezas no Mediterrâneo
Na África, a Líbia continua esfacelada, sem um governo constituído e em guerra civil desde a intervenção ocidental em 2011 que derrubou Muammar Khaddafi. O ano de 2020 verá mais tentativas de um acordo entre as diversas facções envolvidas, agora com um fato novo que certamente afetará o equilíbrio de poder na Líbia. Hoje são dois grupos principais. Primeiro, a facção baseada em Tobruk, apoiada pelos países árabes e africanos, cuja ala militar é liderada pelo general Khalifa Haftar.
Do outro lado, o Governo de Acordo Nacional, em Benghazi, fruto da primeira tentativa de conversas entre as facções, liderado por Fayez Sarraj, apoiado pela Europa e pelos EUA, que absorveu o Conselho da Revolução, baseado em Trípoli e apoiado por Qatar, Turquia e pela Irmandade Muçulmana. O fato novo é que a Turquia decidiu enviar tropas para a Líbia, apoiando diretamente seus aliados e entrando, mais uma vez, em rota de conflito com seus vizinhos árabes, especialmente o Egito.
Além de apoiarem facções diferentes na Líbia, o Egito é próximo dos palestinos seculares do Fatah, enquanto a Turquia apoia o Hamas, ligado à Irmandade Muçulmana, o maior inimigo dos militares egípcios. A aposta turca na Líbia alimenta o conflito e dificulta uma paz mais rápida; na perspectiva de Istambul, garante maior influência no Mediterrâneo, uma região onde a Turquia já possui interesses e presença militar. A ilha do Chipre é dividida entre um lado pró-Turquia e outro pró-Grécia.
Turcos e gregos, além de rivalidades históricas, também estão tentando negociar suas fronteiras marítimas; “tentando negociar” é uma forma gentil de dizer que estão em discordância. E, ano após ano, novas reservas de petróleo e de gás natural são descobertas nas águas da região. Uma política externa turca cada vez mais agressiva não mira apenas nas terras médio-orientais, mas também nas águas e na ampliação de redes de influência.
A Guerra Fria no Oriente Médio
Irã e Arábia Saudita continuam seu conflito por ampliação de influência. Essa Guerra Fria regional entre as duas potências foi extensivamente abordada aqui nesse espaço, numa série de textos chamada "Quem é quem na guerra fria do Oriente Médio?”. Além da recomendação da leitura, é importante frisar que o Iraque está cada vez mais próximo de uma guerra civil deflagrada, e recentes ataques aéreos dos EUA contra alvos dentro do Iraque tornaram-se mais um ingrediente nesse caldeirão.
G-20, economia e petróleo
Diversos países do Oriente Médio têm enfrentado protestos nos últimos meses, causados especialmente pela estagnação econômica. É o caso do Egito, por exemplo. A principal fonte de divisas desses países é o petróleo; o óleo, por sua vez, tem caído de preço. Os países árabes, então, ficam com recursos minguados para tentar incentivar sua economia. A conta não fecha, especialmente em tempos de incentivos para economia verde, energia renovável e um crescente papel dos bancos centrais nesse campo.
Uma fórmula antiga que pode voltar ao cenário é a do “choque do petróleo”; em sua última reunião, a OPEP já decidiu por diminuir ainda mais a produção, para forçar um aumento dos preços. Uma solução momentânea e que não pode ser descartada no horizonte econômico de 2020. Outra opção é o desenvolvimento das economias locais além do petróleo, com incentivos para inovação tecnológica e adequação para cadeias globais de produção. Esse será um dos motes da cúpula do G-20 que será realizada em Riade.
Essa é a abordagem saudita, um país com baixa densidade populacional, uma população jovem e vastas reservas financeiras, que vão sustentar um fundo de desenvolvimento para a chamada Visão Saudita 2030. Nem todos os países possuem essas características, entretanto, e podem se dar ao luxo de esperar uma transição. Como a economia do Oriente Médio vai se comportar em 2020 pode afetar toda a economia global, além do risco de instabilidade local.
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