Aqui nesta coluna na Gazeta do Povo buscamos expor e discutir a política internacional. Mostrar sua importância, como ela pode afetar a vida dos leitores, ir além da superfície e do senso-comum, apontar caminhos e as origens de questões de nossos tempos. Nesse sentido, não basta ser reativo, falar das últimas semanas.
É importante ter em mente que alguns problemas são perenes, históricos e também que problemas podem surgir ou se agravarem à partir de fatos previstos. Na coluna anterior, nesta e nas próximas colunas vamos passar por catorze tópicos, de diferentes importâncias, para ficarmos de olho no ano de 2020. Nesta terceira e última parte o foco será na Economia e no Brasil.
Alemanha
A economia alemã tem perdido fôlego nos últimos anos e o Deutsche Bank, um dos maiores bancos do mundo, passa por uma crise. O governo alemão já anunciou diversas medidas para injetar dinheiro em sua economia, incluindo investimentos em pesquisa e desenvolvimento, além de financiamento de adequações para uma economia mais limpa. Ainda assim, o medo de que a economia alemã possa entrar em crise é grande, especialmente pelo tamanho das eventuais consequências. A Alemanha é a maior economia europeia e, em analogia, uma "fiadora" do Euro e da dívida da Eurozona. Uma crise alemã poderia ser um desastre.
Brexit
O ano de 2020 promete ser o ano em que o Brexit ficará para trás e finalmente será consumado. Por um lado, ainda existem as incertezas do período de adaptação e de como serão os cenários nas regiões do Reino Unido que fazem fronteira com a União Europeia: na ilha da Irlanda e em Gibraltar. Por outro, o governo britânico poderá seguir adiante, com bases mais concretas para seu orçamento e o funcionamento de sua economia. Além disso, Boris Johnson certamente buscará mais parceiros internacionais, um dos principais argumentos da campanha pró-Brexit. Ainda assim, Johnson terá dores de cabeça com a Escócia e seu parlamento regional dominado pelos independentistas.
Recessão e economia verde
Saindo do exemplo específico da Alemanha, ainda assim existem riscos para o sistema financeiro em 2020. Baixo crescimento, mudanças nas taxas de juros, bolhas especulativas, inflação subindo em diversos países, o protecionismo global internacional, tudo isso é bastante presente nos comentários de diversos comentaristas econômicos. Um deles é Mervyn King, ex-governador do Banco da Inglaterra. Bancos centrais e de financiamento público terão um papel importante em financiar inovação e crescimento, especialmente transições para fontes energéticas mais limpas. A Economia Verde será um campo de oportunidades econômicas e um slogan bastante presente em 2020.
África e ACFTA
A grande e boa novidade de 2020 será o estabelecimento da Área de Livre Comércio Continental Africana, a maior área de livre comércio do mundo em número de países. São 54 signatários, com 28 deles já ratificado o acordo; o único país de fora, por enquanto, é a Eritreia. São cerca de 1,2 bilhão de pessoas e um PIB somado de mais de US$ 3 trilhões. O principal foco é aumentar o comércio e a oferta de serviços entre os países africanos. O comércio intra-africano corresponde à apenas 17% do comércio africano, enquanto 68% do comércio europeu é realizado dentro do continente. Além disso, a África possui populações em crescimento, classe média em expansão e um vigoroso processo de urbanização. As expectativas são altas para os próximos anos.
Mais desafios para o Brasil
A política externa brasileira passa por mudanças. Alguns podem achar positivas, outros negativas, mas o fato é que ela passa por mudanças, incluindo aí um maior alinhamento ideológico com governos tidos como nacionalistas e conservadores, como a Hungria e a Polônia. Essa lógica será certamente desafiada nas relações com a Argentina, agora com um governo à esquerda, e potencialmente contestada em outras crises pela região latino-americana. Outra interrogação é a suposta mudança da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, e como isso influencia as outras relações médio-orientais do Brasil. Finalmente, como será a relação brasileira com uma eventual vitória democrata nas eleições dos EUA? Muitas perguntas e poucos indícios concretos de respostas.
Um cisne negro
Repetindo o escrito um ano atrás: 366 dias, mais de sete bilhões de pessoas, duas centenas de Estados nacionais. Podemos esperar também o imprevisível. Os Cisnes Negros. A expressão, consagrada pelo acadêmico Nassim Nicholas Taleb, refere-se aos eventos não computáveis, imprevisíveis, de alta proporção e grande repercussão. Um grande ataque terrorista, uma profunda crise econômica, um crash de uma bolsa de valores, um aperto de mãos entre dois velhos inimigos, um golpe de Estado, um assassinato, até mesmo um acidente. Ninguém em 31 de Dezembro de 2000, ao prospectar o ano vindouro, imaginava um Onze de Setembro. O que 2020 guarda?