Os últimos dias foram agitados na bacia do Pacífico. Essa movimentação será refletida aqui em nosso espaço nos próximos dias. Joe Biden recebeu na Casa Branca o primeiro-ministro do Japão, Kishida Fumio, assim como o presidente das Filipinas, Ferdinand Marcos Jr. Enquanto isso, Xi Jinping recebeu em Pequim Ma Ying-jeou, ex-presidente da República da China, ou Taiwan. E essa visita não recebeu a devida atenção que merece.
Ma estudou nos EUA, onde se formou em Direito, e depois galgou os principais postos do governo de Taiwan. Foi ministro, prefeito da metrópole Taipei e, de 2008 a 2016, foi presidente do país. Taiwan, embora não seja reconhecida como um país pela maior parte da comunidade internacional, possui seu próprio governo. Também foi o líder de seu partido, o Kuomintang, o KMT, em dois períodos, totalizando sete anos à frente da legenda nacionalista chinesa.
O KMT, hoje, é o partido taiwanês que mais defende uma eventual reunificação com a China. Principalmente, em 2015, Ma foi o primeiro presidente de Taiwan a se encontrar com o líder da China continental. Na ocasião, já era Xi Jinping. O encontro em Singapura foi o primeiro entre dois líderes chineses desde o fim da Guerra Civil Chinesa em 1949, e o primeiro encontro entre o líder do KMT e o líder do Partido Comunista da China desde 1945, na época Chiang Kai-shek e Mao Zedong.
Discurso alinhado
No encontro, Xi e Ma tiveram um discurso alinhado, ao menos em frente às câmeras. Xi falou que, em ambos os lados do estreito de Taiwan, são “todos chineses” e que nada impediria uma “reunião de família”. Ma afirmou que a visita, com uma delegação de estudantes, mostrava que o “sangue é mais espesso do que a água”, também dando a ideia de parentesco. Ma também disse que o “século de humilhações” acabou e que os chineses que decidirão por seu destino.
“Século de humilhações” é o termo utilizado na China para o período entre a Primeira Guerra do Ópio e a Revolução Chinesa de 1949. A guerra marca quando a China imperial da dinastia Qing é derrotada pelo Reino Unido e precisa fazer as primeiras concessões ao imperialismo europeu, perdendo o porto de Hong Kong. No período, a China perde territórios, faz concessões aos europeus, aos EUA e ao Japão, e é submetida aos humilhantes tratados desiguais.
Ao usar o termo, Ma mostra que o nacionalismo chinês continua vivo mesmo do outro lado do estreito. Ele também afirmou que uma guerra entre as repúblicas chinesas teria consequências “insuportavelmente pesadas”. Ou seja, a conversa pública entre Xi e Ma foi amigável e cheia de pontos em comum. O que foi conversado em portas fechadas, entretanto, pode ser o mais interessante. Disso, infelizmente, ainda não se sabe o conteúdo, mas o contexto político atual é importantíssimo.
Canal diplomático
Como nossos leitores sabem, recentemente, em janeiro, Lai Ching-te foi eleito presidente de Taiwan. Como comentamos aqui em nosso espaço, o líder do Partido Democrático Progressista (DPP) é o presidente eleito mais pró-independência da História de Taiwan. Nesse caso, pró-independência significa o abandono da política de Uma Só China e da possibilidade de uma reunificação, com a declaração de uma Taiwan independente e separada da entidade chinesa, como um povo separado.
Lai assumirá o cargo no dia 20 de maio. Outro contexto importante é o de sua eleição. Taiwan não prevê um segundo turno, com seu sistema eleitoral pensado para um cenário bipartidário. No último pleito, três forças tiveram bom desempenho, e Lai recebeu apenas 40% dos votos, a menor porcentagem de um vencedor das eleições na História. Hou Yu-ih, candidato do KMT, teve 33% dos votos, enquanto Ko Wen-je, do TPP, ficou com 26% do eleitorado.
Uma comunicação direta entre Lai e Xi, hoje, parece improvável. Sendo assim, a visita de Ma pode servir como um canal diplomático, transmitindo mensagens e prioridades entre o governo chinês e o futuro governo de Taiwan, em um momento de elevadas tensões no Mar do Sul da China. Recentemente, um navio da guarda costeira chinesa abalroou um navio filipino, e aviões chineses fazem incursões frequentes no espaço aéreo de alerta taiwanês, além do crescente poder naval chinês em um geral.
Tais movimentos não passam despercebidos e foram temas das conversas em Washington, entre Biden, Kishida e Marcos, tema para próxima coluna, até pelo fato de a visita do premiê japonês aos EUA ainda estar em curso. Já se pode adiantar, entretanto, que houve nova troca de farpas entre os líderes citados e a China, que considera Taiwan um “assunto interno” seu. Seja uma guerra, seja um conflito congelado, seja uma “reunião de família”, o Pacífico é e será o foco da geopolítica mundial pelas próximas décadas.
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