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A normalização internacional do governo Nicolás Maduro na Venezuela é questão de tempo. Uma série de movimentos recentes indicam isso e, mais, indicam os interesses por trás disso. O principal deles, claro, é o petróleo. Todos esses movimentos recentes ocorreram independentes do Brasil. Com a vindoura posse de Luiz Inácio Lula da Silva para seu terceiro mandato, como a posição brasileira vai mudar nesse cenário?
No início de outubro, uma votação na Organização dos Estados Americanos quase removeu Juan Guaidó como representante da Venezuela. O parlamentar venezuelano foi reconhecido presidente do país por parte da comunidade internacional, incluindo os EUA, em janeiro de 2019, após a consideração de que as eleições presidenciais venezuelanas de 2018 foram ilegítimas.
O que garantiu o apoio a Guaidó naquele momento era o fato dele ser o presidente da Assembleia Nacional, o legislativo venezuelano. Passados quase quatro anos, a autoridade de Guaidó mingou, dentro e fora da Venezuela. Hoje, ele sequer é o líder inconteste da Assembleia Nacional, após um acordo de janeiro de 2021 que escolheu Jorge Rodríguez como presidente da casa. Guaidó mantém sua liderança dentre a oposição.
Na OEA, apenas quatro países votaram a favor de Guaidó e dezenove votaram contra. Foi o número de abstenções que salvou o deputado venezuelano. Uma delas, inclusive, foi do governo brasileiro de Jair Bolsonaro. Ou seja, em um dos principais fóruns dos países americanos, por pouco que Guaidó não foi excluído, abrindo caminho para uma normalização das relações com Maduro.
Colômbia e Venezuela
Depois, no dia primeiro de novembro, o novo presidente da Colômbia, Gustavo Petro, se encontrou com Maduro em Caracas. O encontro marcou uma guinada nas relações entre os dois países, já que a Colômbia foi uma das mais ferrenhas opositoras de Maduro, incluindo o rompimento de relações no início de 2019 e o fechamento da importante fronteira entre os dois países.
Petro, de esquerda, se comprometeu ao diálogo com o país vizinho ainda em sua campanha eleitoral. Logo após a posse, seu governo reabriu a embaixada em Caracas e “trocou” a representação, deixando de reconhecer Guaidó e normalizando as relações com Maduro. O novo governo colombiano também se comprometeu a exercer maior papel em mediar conversas entre governo e oposição, visando as futuras eleições venezuelanas.
Era o fim do principal apoio regional de Guaidó. As conversas entre governo e oposição estavam paralisadas desde outubro de 2021, após a extradição do empresário colombiano Alex Saab, aliado de Maduro, aos EUA, por Cabo Verde. Além do apoio do governo da Colômbia, a retomada das conversas também foram tema de conversas com outras lideranças nas últimas semanas.
No dia 12 de novembro, Petro, o presidente argentino Alberto Fernández, diplomatas noruegueses e o presidente francês Emmanuel Macron se encontraram em Paris para tratar do diálogo venezuelano. A presença norueguesa se dá pelo fato de que o país é um dos mediadores do diálogo. Semana passada, dia 23 de novembro, foi anunciado pelo México, país onde ocorre a mediação, que as conversas estavam retomadas.
O objetivo principal das conversas é a realização de uma eleição presidencial ampla e transparente em 2024. Isso inclui, claro, outros itens, como anistia para presos políticos e a crise humanitária que assola o país, consequência acumulada de diversos fatores, como má gestão econômica, corrupção, sanções internacionais e a pandemia de covid-19. No último dia 26, foi anunciado o primeiro fruto dessa nova rodada de diálogo.
Petróleo e Lula
Será criado um fundo de cerca de três bilhões de dólares para resolver a crise humanitária. O dinheiro do fundo é dinheiro venezuelano, proveniente das divisas congeladas no exterior. Como governo e oposição disputavam a legitimidade para gerenciar esse dinheiro, o fundo será administrado em conjunto, com mediação da ONU. O acordo, por sua vez, também já rendeu uma mudança.
Como suposto sinal de “boa vontade”, o governo dos EUA anunciou, no mesmo dia 26, que vai autorizar que a empresa Chevron volte a explorar petróleo na Venezuela, desde que sem o envolvimento direto da estatal venezuelana PDVSA. A indústria do petróleo é a principal atividade econômica do país e a normalização dessa indústria, afetada por sanções dos EUA, é chave para a recuperação econômica venezuelana.
Claro que esse sinal de “boa vontade” é movido apenas pelo interesse dos EUA de retomar um importante fornecedor de petróleo em meio ao cenário instável do mercado de energia em meio ao conflito na Ucrânia e as últimas decisões da OPEP. A grande vantagem do petróleo venezuelano em relação ao mercado dos EUA se dá pela proximidade geográfica, garantindo um fluxo constante e relativamente barato do produto.
Essa é a conjuntura com a qual Lula vai se encontrar após tomar posse, no primeiro dia de 2023. O Brasil de Lula certamente vai retomar relações com o governo Maduro. Isso certamente terá repercussão na política interna, já que a ideia de “virar uma Venezuela” é quase um mantra presente no cenário eleitoral brasileiro. É importante, por outro lado, destacar que essa melhoria de relações é também de interesse dos EUA.
O Brasil funcionar como um mediador regional, uma ponte entre os diferentes governos do continente, é um papel histórico do país, exercido diversas vezes por diferentes governos brasileiros. Nos últimos anos o Brasil perdeu quase totalmente sua relevância em relação ao cenário venezuelano, consequência da política externa completamente ideologizada imposta nos últimos anos no que concerne aos nossos vizinhos.
Se o governo Lula conseguir impulsionar o Brasil como mediador da situação venezuelana, isso pode render frutos não apenas na região, mas também nas relações entre Brasil e EUA. O governo Macron participou das conversas recentes envolvendo os países sul-americanos pois o governo Biden não tem, hoje, um interlocutor confiável para isso. Talvez possa vir a ter em Petro, mas sua aposta mais sensata é contar com Lula.
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