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Na última terça-feira (12), Joe Biden partiu para sua primeira viagem ao Oriente Médio no cargo de presidente dos EUA. O mandatário passará por Israel, Palestina e Arábia Saudita em sua viagem, que será recheada de questões sensíveis e debates, tanto dentro de seu país quanto nos locais em que visitará. Na mente de seu governo, entretanto, dois assuntos terão clara e total prioridade.
Poderíamos usar e abusar dos clichês sobre o Oriente Médio ser uma região atualmente delicada ou que atrai muita atenção do mundo. Tudo isso é verdade, mas, nas últimas e nas próximas semanas, talvez seja mais verdade do que na média. Uma série de questões coincidiram com a agenda de Biden em sua visita, a primeira depois de praticamente um ano e meio no cargo.
Em Israel, Biden se deparou com um governo interino, liderado por Yair Lapid, em meio a quinta campanha eleitoral em quatro anos, após a dissolução do parlamento. O cenário incomum contribuiu para um encontro entre Biden e o líder da oposição israelense, Benjamin Netanyahu, ex-primeiro-ministro e potencial vencedor das eleições que serão realizadas em novembro.
Outra questão da visita é o fato de que Israel é um país onde o republicano Donald Trump ainda é muito popular, por ter transferido a embaixada dos EUA para Jerusalém, uma decisão que recebeu críticas de alguns setores dos democratas. Esse aspecto da visita acaba repercutindo no discurso político interno dos EUA, onde teremos eleições legislativas daqui alguns meses.
Palestinos
Na mesma seara está a questão principal da visita de Biden à Belém, cidade palestina, onde se encontrará com o presidente palestino, Mahmoud Abbas, nesta sexta-feira, dia 15. Os palestinos ressentem os revezes na relação bilateral nos anos Trump, assim como o plano de paz proposto pelo então governo dos EUA, elaborado por Jared Kushner. O governo Biden já deu sinais de que pretende recuperar essa relação.
Primeiro, o anúncio de auxílios aos palestinos no total de 316 milhões de dólares, especialmente para o setor de saúde local. Segundo, Biden frisou mais de uma vez que defende uma solução de dois Estados entre israelenses e palestinos, mantendo isso como política oficial dos EUA. Essas duas iniciativas, entretanto, parecem que não serão o suficiente para um saldo positivo da visita.
As delegações farão anúncios em separado para a imprensa, sem uma declaração conjunta. Além disso, Biden, mesmo dizendo defender a solução de dois Estados, afirmou que ela “não é factível no momento”. Finalmente, representantes do governo dos EUA rejeitaram se encontrar com familiares da jornalista Shireen Abu Aqleh, palestina com nacionalidade dos EUA que foi morta provavelmente por um disparo de um militar isrelense.
Sauditas
Já na Arábia Saudita, Biden terá que lidar com a repercussão do encontro que ele mesmo condenou dois anos atrás. Na campanha eleitoral de 2020, ele criticava Trump por sua proximidade com o príncipe Mohammed Bin Salman, herdeiro do trono e verdadeiro mandatário saudita, que ordenou o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, morto e esquartejado em 2018 no consulado saudita em Istambul.
Na ocasião, Biden afirmou que era necessário fazer os sauditas "pagarem o preço" e tratar o governo do país "como o pária que são". Como acontece muitas vezes quando se fala de maneira idealista de política internacional, veio o realismo e atropelou as propostas eleitorais de Biden. Ele, inclusive, vai se encontrar com o príncipe em uma reunião bilateral, confirmada nessa quinta-feira, dia 14.
Em terras sauditas, Biden também comparecerá à cúpula do Conselho de Cooperação do Golfo, mais três convidados; Egito, Iraque e Jordânia. Nessa mesa estará a questão do preço internacional do petróleo, com os EUA buscando convencer os países da região a produzir mais petróleo, diminuindo o preço e aliviando a inflação que corrói a opinião popular do governo Biden.
A pauta principal do tour de Biden, entretanto, gira em torno do Irã. Ele e Lapid assinaram uma declaração conjunta afirmando que os EUA usarão “todos os elementos de seu poder nacional disponíveis” para negar ao Irã a capacidade de desenvolver armas nucleares e que o país manterá ajuda militar aos israelenses. Lembrando que, nesse momento, as negociações do acordo nuclear ocorrem no Catar e estão esfriadas.
Tridente contra o Irã
Na Arábia Saudita, o tema também será o Irã, o principal rival saudita, com as duas potências protagonizando uma “Guerra Fria” regional nos últimos anos. Outro tema será a cada vez mais próxima normalização de relações entre israelenses e sauditas. Também na última quinta-feira, dia 14, os sauditas autorizaram a chegada de voos diretamente de Israel. O primeiro deles traz jornalistas cobrindo a viagem de Biden.
A normalização de relações entre sauditas e israelenses é um temor palestino nos últimos anos, já que os sauditas são a última potência regional que prioriza a Palestina. Das diversas propostas de paz feitas, talvez a que mais beneficiasse a Palestina fosse justamente a saudita, a Iniciativa Árabe para a Paz, feita em 2002 e retomada em 2009, durante o governo Netanyahu.
Isso já não importa mais, ao ponto que os sauditas rejeitaram uma visita de Abbas mais cedo na semana, “reduzindo” a conversa ao contato telefônico. O fato de diversos países árabes terem normalizado as relações com Israel e as possibilidades econômicas dessa relação são algumas das questões que eclipsam a antiga proteção dos palestinos pelos sauditas. E, claro, o Irã.
A ideia dos EUA é criar uma frente regional de aliados contra o Irã, baseada em um tridente formado por Israel, sauditas e Emirados Árabes Unidos. Uma completa normalização das relações entre sauditas e israelenses é possível, embora talvez não ocorra do dia para a noite. Um possível obstáculo é o rei Salman, e a normalização viria sob seu filho, após sua morte, para “pular uma geração” em relação ao fundador do reino, Abdulaziz bin Saud.
O Irã, por outro lado, também se movimenta, claro. Semana que vem receberá Vladimir Putin, presidente russo, em um possível anúncio de maior cooperação militar. Também é necessário aguardar quais serão os frutos concretos da visita de Biden. O fato é que os perdedores nessa visita claramente são os palestinos, considerados hoje um tópico menor quando comparados com a disputa por influência com o Irã.