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Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo

Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

Geopolítica

O que esperar da guerra, da energia e de algumas potências em 2023

Guerra na Ucrânia: refugiados internos comemoram o Ano Novo em Lviv
Guerra na Ucrânia: refugiados internos comemoram o Ano Novo em Lviv (Foto: EFE/Rostyslav Averchuk)

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Hora de concluirmos as colunas de começo de ano aqui no nosso espaço de política internacional. Como fizemos em ocasiões anteriores, levantamos alguns aspectos e temas para ficarmos de olho no ano que começa. Por vezes acertamos, algumas vezes erramos, mas, felizmente, os acertos costumam ser maioria. Fechamos com alguns aspectos globais de importância em 2023.

Guerra na Ucrânia

Não há fim no horizonte para o conflito na Ucrânia, com seus diversos efeitos globais. No curto prazo, provavelmente teremos uma renovada ofensiva russa, contra uma Ucrânia que está recebendo uma enxurrada de equipamentos militares de países da OTAN. A ofensiva russa, por melhor sucedida que seja, não vai conseguir ditar os termos de paz. A dura realidade é que o conflito se tornou um impasse.

Não há mais vitória militar possível para a Rússia, não com as tremendas perdas que o país sofreu e com o apoio militar que a Ucrânia recebe. Também não há possibilidade de vitória militar ucraniana, já que o país também sofreu grandes perdas e a Rússia, em última instância, possui a carta nuclear na manga. Sobra uma difícil paz negociada que, hoje, não é amplamente aceita por nenhum dos envolvidos.

Existem três possibilidades para o conflito em 2023. Primeiro, algum desdobramento militar novo que leve à uma paz negociada, em que ambos os lados sairão descontentes em terem que fazer concessões. Segundo, uma guerra de atrito indefinida, um ralo de recursos materiais e humanos. Terceiro, a transformação em uma guerra congelada, com uma mera trégua para recuperação de forças.

Energia

Talvez o campo onde os efeitos da guerra na Ucrânia foram mais sentidos foi o da energia. Alguns movimentos foram causados ou acelerados pela guerra, como o aumento no preço do gás natural e busca por diversificação de fornecedores, especialmente por países que antes tinham a Rússia como seu principal, ou até único, fornecedor. Dois movimentos serão interessantes em 2023.

Primeiro, até onde irá a busca por novos fornecedores ou novas fontes de recursos energéticos. Por exemplo, os campos de gás natural do Mediterrâneo cumprirão seu potencial de serem a principal fonte europeia? Poderão se tornar motivo de conflito, como entre Grécia e Turquia ou entre Argélia e Marrocos? Qual papel será desempenhado por economias em desenvolvimento nesse cenário, com demanda crescente?

Segundo, a Rússia não deixará de ser um player importantíssimo no setor energético, mas precisará de parceiros. A Turquia, ao que indica, será a “laranja” do gás natural russo para a Europa, comprando gás russo e repassando aos mercados europeus como seu. Papel similar ao que a Índia desempenha hoje com o petróleo, comprando petróleo cru da Rússia e vendendo o produto refinado para os EUA.

Na soma desses dois movimentos está o potencial impacto no bolso do nosso leitor. Como serão afetados os preços internacionais da energia? Soma-se isso ao possível novo rumo do governo brasileiro, cuja política de preços dos combustíveis ainda não foi anunciada. A continuidade do conflito na Ucrânia e as incertezas sobre o preço da energia fazem com que, economicamente, o ano de 2023 esteja longe de ser tranquilo.

União Europeia

Falando em distância da tranquilidade econômica, alguns países europeus enfrentam seus piores índices de inflação em décadas. Os diversos pacotes de incentivos econômicos perderam seu protagonismo no noticiário com a guerra na Ucrânia, além da necessidade de readequação econômica devido ao conflito. Também consequência da guerra, hoje está sacramentada a divisão política interna ao bloco europeu.

A União Europeia não vai deixar de existir, mas o ano de 2023 será um ano de maiores cobranças por mudanças na governança do bloco. Principalmente, na eventual necessidade de maior coesão nos temas externos, como defesa e segurança, algo já mencionado aqui em nosso espaço. Em meses, a UE foi do sonho de um exército comum para a troca de acusações sobre ajuda militar aos ucranianos.

Principalmente, a cobrança feita aos alemães, que não estariam auxiliando os ucranianos proporcionalmente à sua economia. Enquanto isso, países como Lituânia e Polônia, embora bem mais pobres que os alemães, mantém um constante suprimento de ajuda militar aos ucranianos. Claro que existem diversas razões para isso, especialmente históricas, mas a cizânia está posta.

China

2023 deve ser o primeiro ano em que a palavra “incerteza” acompanha a China. Ainda não é possível saber quais serão os efeitos e consequências do abandono da política de Covid Zero que o país adotou até os protestos de novembro de 2022. Junto com isso, o mais recente congresso do Partido Comunista foi palco de uma grande dança das cadeiras no governo chinês, com novas lideranças.

Como essas novas lideranças vão desempenhar suas funções é outra incerteza. A continuidade do processo de desacoplar das economias de China e de EUA e as mudanças demográficas chinesas também são elementos importantes, com a população chinesa em processo de diminuição e de envelhecimento. Perguntas sobre o desempenho da economia chinesa em 2023 afetam a economia de todo o globo.

Índia

A demografia indiana vai no caminho contrário da chinesa, com a população cada vez mais jovem e cada vez maior. O ano de 2023 deve marcar quando a Índia passa a China como país mais populoso do mundo. A economia indiana também cresce em passos largos. Que esse gigante tem um papel decisivo no novo mundo que se desenha é claro, mas qual será esse papel?

Por um lado, a Índia compartilha os BRICS e o Pacto de Xangai com a China, além do desejo de reformar algumas organizações internacionais. Por outro lado, Índia e China possuem disputas fronteiriças, os chineses não desejam ver a Índia com um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e a Índia faz parte do Quad, junto de Japão, Austrália e EUA, grupo criado para conter a China.

No plano interno, a Índia está chegando em um momento muito delicado de sua identidade, com o crescimento de grupos extremistas do nacionalismo hindu, ligados ao Hindutva, o “fascismo indiano”, em uma aproximação. O risco de um conflito interno não pode ser subestimado. Em contraste, os indianos seculares do Congresso Nacional tentam mostrar que ainda possuem força, organizando uma marcha rumo à capital.

O BJP, do premiê Narendra Modi, é ligado ao nacionalismo hindu. Diversas decisões judiciais pendentes sobre locais sagrados prometem tensionar ainda mais a situação. Ao final de janeiro, teremos os 75 anos do assassinato de Mahatma Gandhi, justamente por um nacionalista hindu, celebrado como herói nacional por alguns aliados de Modi. Não é apenas qual papel mundial a Índia deseja, mas de qual Índia estamos falando.

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