O primeiro-ministro japonês Kishida Fumio fala à imprensa após as eleições gerais no Japão, 31 de outubro| Foto: FE/EPA/BEHROUZ MEHRI / POOL
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Os japoneses foram às urnas no último dia de outubro e, por larga maioria, confirmaram Kishida Fumio como primeiro-ministro do país. Ele governava de maneira interina desde o início do mês passado, como líder do Partido Liberal Democrático, o partido conservador japonês. Com seu mandato confirmado e Kishida previsto para liderar uma das maiores potências mundiais até 2025, cabe uma olhada mais atenta ao político japonês.

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Suga Yoshihide, ocupante anterior do cargo, renunciou no início de setembro. A pressão dos jogos olímpicos mais o debate público sobre a resposta do governo ao coronavírus motivaram a decisão, supostamente para evitar maus resultados do PLD nas eleições. Suga, por sua vez, ficou menos de um ano no poder, substituindo Abe Shinzo, que renunciou em agosto de 2020 por motivos de saúde.

Ainda assim, Abe continua sendo uma figura bastante influente na sociedade japonesa e, especialmente, no PLD. Seu apoio político ajuda na explicação dos resultados das primárias do partido. No segundo turno, apoiado por Abe, Kishida derrotou Kono Taro com 60% dos votos. Em terceiro lugar nas primárias ficou a ex-ministra Takaichi Sanae que, inicialmente, era a candidata de Abe.

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Por pouco ela não se tornou a primeira mulher premiê do Japão. Esse “pouco” talvez seja a mudança de posição justamente de Abe, que se distanciou de Takaichi pois ela supostamente representaria uma guinada mais radical na política japonesa. Kishida seria uma solução de “meio termo”, especialmente na política externa do país, no que será abordado mais adiante.

Eleições

As eleições foram um passeio do PLD, embora com prejuízo relativo para o partido. Com cerca de 56% do eleitorado presente, comparecimento na média da última década, 34,6% votaram no partido, o mais votado. Com isso, o PLD conseguiu 261 cadeiras das 465 em disputa. Ou seja, terá a maioria absoluta sem sequer necessidade de alguma coalizão ou diálogo com outros partidos.

Ainda assim, é um “prejuízo relativo” pois o partido perdeu 23 cadeiras. Em segundo lugar ficou o social-democrata Constitucional Democrático, com 20% dos votos e 96 cadeiras. Em terceiro os nacionalistas do Ishin, com 41 cadeiras e o maior crescimento no eleitorado, crescendo 8% em relação ao seu resultado anterior, seguido pelo conservador religioso NKP, com 32 assentos. Fecham o parlamento outras quatro pequenas bancadas.

O centrista DPFP elegeu onze parlamentares, os comunistas ficaram com dez, o “anti-sistema” progressista Reiwa, do comediante Tarō Yamamoto, elegeu três e, finalmente, o Partido Social-Democrata ficou com uma singela cadeira. Outros dez parlamentares independentes foram eleitos, normalmente líderes locais. Ideologicamente falando, das 465 cadeiras do parlamento, 345 foram para partidos à direita.

Nem toda a direita japonesa é nacionalista ferrenha ou formada por falcões em política externa. Esse é um ponto importantíssimo para entender a política nipônica e já esteve em textos anteriores no nosso espaço. Em suma, o Japão, pós-Segunda Guerra Mundial, não lidou com os traumas da guerra, da derrota e das atrocidades cometidas pelo país durante o conflito com o mesmo sucesso que a Alemanha.

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Pacifismo ou belicismo?

Existem correntes políticas no país que negam tais atrocidades, defendem a revisão de livros escolares e ainda se apegam ao discurso oficial do período da guerra: que o Japão lutava uma guerra de libertação asiática contra as potências racistas e colonialistas ocidentais. Também repudiam o artigo nove da constituição nacional, que determina o caráter pacifista das instituições japonesas.

Nesse caso existe um detalhe importante e, de certo modo, compreensível. A constituição japonesa não é fruto da vontade do povo japonês, mas uma imposição de uma potência ocupante, os EUA. Mesmo com a participação de acadêmicos japoneses em sua elaboração, ela não é fruto de um processo democrático, tampouco soberano. Isso colabora para o questionamento do seu caráter pacifista.

O Japão, por exemplo, não pode ter em seus arsenais “armas ofensivas”, e suas forças armadas são eufemisticamente chamadas de “forças de auto-defesa”. As feridas pouco cicatrizadas do passado com a Coreia e a China também colaboram nessa equação. Com uma relação entre EUA, o principal aliado japonês, e a China cada vez mais tensa, e uma Coreia do Norte potência nuclear, o debate fica mais acalorado.

No Japão, parte do LPD, o Ishin e os comunistas defendem abertamente que o Japão renuncie ao artigo nove e conduza uma política armamentista. Além de argumentos ideológicos ou de princípios, citam a atual situação geopolítica do Pacífico como indicativo dessa suposta necessidade. Os social-democratas e outra parte do LPD defende a manutenção do status quo.

Homem do consenso

Kishida é desse segundo grupo. Em declarações recentes e de campanha ele defendeu um “maior engajamento” internacional do Japão, especialmente no contexto do Quad, a nova aliança entre Japão, Austrália, Índia e EUA. Caso o leitor consiga visualizar um mapa do Pacífico em sua mente, notará que esses países e seus territórios insulares fazem um cinturão que “cerca” a China.

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Kishida também defende maior aproximação com o sudeste asiático, como Indonésia e Vietnã. Essa é uma seara bastante confortável para ele, que foi o ocupante por mais tempo do cargo de Ministro de Relações Exteriores, de 2012 a 2017. Ele voltou a ser o titular da pasta, acumulando com a chefia máxima de governo. Ou seja, sua política externa será um status quo um pouco mais refinado, mas sem nenhuma guinada brusca.

Importante lembrar que, mesmo “pacifista”, o Japão é uma potência militar. Possui uma moderna frota de submarinos e o país domina a nova tecnologia de baterias de lítio para esse tipo de embarcação. Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, o país lançou um porta-aviões ao mar, embora oficialmente seja um “porta-helicópteros”. Possui centenas de aviões de combate modernos e uma próspera indústria bélica nativa.

Segundo a imprensa japonesa, Kishida segue um “espírito de consenso”, então, ao mesmo tempo em que ele não vai abraçar uma política belicista, ele fez um aceno aos integrantes do seu partido que defendem tal política. Um dos seus primeiros atos como primeiro-ministro foi enviar uma oferenda ao polêmico templo xinto Yasukuni, onde são homenageados todos os ex-combatentes japoneses.

Dentre eles, catorze criminosos de guerra condenados por altos crimes classe-A. A oferenda gerou reprimendas diplomáticas pelos governos coreanos e pelo governo chinês. Curiosamente, o próprio ato foi um acordo, já que, para os nacionalistas, o premiê não deveria apenas enviar uma oferenda, mas visitar o templo pessoalmente. Abe Shinzo, por exemplo, realizou essa visita mais de uma vez.

Economia

As principais novidades do governo japonês devem ser internamente, na saúde e na economia. A pandemia, para Kishida, deve ser combatida via uma agência nacional para distribuição de vacinas e insumos de saúde especificamente contra Covid-19. Economicamente, ele defende o que chama de “novo capitalismo”, um programa de reformas para favorecer a classe média.

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Segundo Kishida, o crescimento econômico dos anos Abe favoreceu as grandes empresas e pessoas já ricas, enquanto achatou a classe média. Ele pretende corrigir isso via reformas fiscais e programas de transferência de renda para diminuição de custos com moradia e educação. Também anunciou um pacote de estímulos econômicos avaliado em cerca de trinta trilhões de ienes, algo como US$ 265 bilhões.

Parte desse estímulo será, obviamente, destinado à recuperar a atividade econômica afetada pela pandemia. Também é preciso recuperar o papel japonês nas cadeias globais de produção, já que a economia nipônica é, essencialmente, exportadora. Com a queda do comércio internacional, também causada pela pandemia, a economia japonesa sofreu um efeito dominó, culminando no fechamento de postos de trabalho.

Salvo algum escândalo de corrupção ou algo do tipo, tudo indica que Kishida terá pelo menos dois anos para mostrar serviço como “homem de consenso” e com seu pacote econômico. Esse é o tempo médio de um governo japonês pós-Guerra Fria, com algumas exceções, como Abe. Caso a economia reaja bem e ele equilibre os desafios externos, aí sim, ele ficará até 2025, o tempo inteiro de seu mandato.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]