Donald Trump não passou pela necessidade de governar sem o Congresso ao seu lado. Ao menos, não ainda. Embora tenha tido atritos com algumas lideranças republicanas tradicionais, como o falecido senador John McCain, seu partido dominou ambas as casas legislativas do país. Terça-feira, dia seis, isso pode mudar, com as eleições de meio de mandato nos EUA.
No Senado, trinta e cinco dos cem assentos estarão em disputa. Todos os 435 assentos da Câmara de Deputados serão renovados. Conseguir a eleição de ao menos 290 deputados e oito senadores é a meta mais satisfatória para o Partido Republicano. Garantiria dois anos de tranquilidade para Trump no que concerne o jogo político e partidário dos EUA.
Ao contrário do chamado “presidencialismo de coalizão” brasileiro, não é raro a presidência dos EUA dividir o governo com um Congresso ao menos parcialmente controlado pela oposição. Por exemplo, dos oito anos de governo Obama, apenas no primeiro biênio o Partido Democrata controlava as duas casas do legislativo; nos oito anos de George W. Bush, o republicano teve o Congresso por apenas quatro. Seu pai teve menos alívio ainda, cumpriu todo o mandato presidencial de quatro anos sem maioria em nenhuma casa.
Pra quê?
Parece óbvio dizer que, em um governo com separação de poderes, é recomendável que o Executivo tenha o apoio do Legislativo para poder governar com maior autonomia. Por outro lado, é saudável que evite-se uma concentração tão grande de poder, diminuindo as necessidades de negociação e moderação na condução do governo e na elaboração de novas peças legislativas.
Como presidente dos EUA, em termos absolutos, Donald Trump possui a caneta mais poderosa do mundo. Em termos relativos, nem tanto. Por exemplo, o Presidente do Brasil possui mais prerrogativas dentro do país do que seu equivalente em Washington. Os freios e contrapesos do governo dos EUA fazem com que a negociação com o Congresso seja imperativa. Em caso de controle pela oposição, também complicadas.
Muitos dos principais projetos de Donald Trump dependem de apoio do Congresso. O orçamento do governo, incluindo o tão discutido muro com o México. Mesmo com maioria legislativa, Trump não conseguiu aprovar seu orçamento, o que causou um fechamento (shutdown) de dois dias das agências federais em janeiro de 2018.
A aprovação do novo acordo com Canadá e México, que rebatizou o NAFTA de USMCA, evitar interferências na guerra comercial com a China, são outros exemplos. Trump afirmou recentemente que pretende revisar a emenda constitucional sobre o direito à nacionalidade territorial nos EUA. Apesar de soar mais como um chamado aos seus eleitores, essa medida provavelmente necessita de dois terços do Congresso para ser concretizada.
Corrida fácil no Senado para Trump…
Dos trinta e cinco assentos senatoriais em jogo nas eleições, apenas nove são atualmente ocupados por republicanos. Dois são ocupados por políticos independentes e vinte e quatro por democratas; dois estão vacantes. Ou seja, mesmo se os republicanos perderem todas as eleições nos locais em que já ocupam um assento, ainda possuem muitas possibilidades de atingir a meta necessária.
O cenário ideal dos democratas, por outro lado, envolve a conquista de vinte e oito dos assentos em disputa. Um empate com cinquenta senadores para cada partido não é suficiente, já que o voto de Minerva é dado pelo líder do Senado, posição ocupada pelo vice-presidente; atualmente, Mike Pence. Os democratas precisariam vencer em todos os estados onde já ocupam assentos e ainda somar outras vitórias eleitorais.
Para complicar ainda mais a vida democrata, dez assentos defendidos pelo partido são em estados que votaram por Donald Trump na última eleição. Além disso, três atuais senadores republicanos se aposentam da vida pública. Seus assentos serão disputados por novos representantes, enquanto todos os democratas buscam reeleição, com imagens eventualmente desgastadas pela trajetória política. Mesmo em caso de improvável surra eleitoral democrata, os republicanos estão em posição tranquila no Senado.
…dificuldades para Trump na Câmara
A Câmara dos Deputados passará por uma completa renovação. Atualmente, o placar está 235 x 193 para os republicanos, com sete assentos vacantes. Embora conte com a maioria simples, os republicanos não possuem a maioria qualificada, de dois terços. Além desses, cinco deputados sem poder de voto serão eleitos, pelo Distrito de Columbia e por quatro territórios insulares.
Caso a meta de maioria qualificada de 290 assentos não seja atingida, a maioria simples é de 218 cadeiras. Dezoito deputados democratas não concorrem à reeleição, enquanto trinta e sete republicanos não o farão. Um deles é o atual líder da Câmara, o republicano Paul Ryan. No caso da Câmara, as chances democratas são bem maiores.
Dado o sistema eleitoral dos EUA, é importante recordar que Donald Trump foi eleito sem a maioria absoluta dos eleitores. Em números brutos, a maior parte do eleitorado provavelmente votará contra os republicanos. E é o cálculo da proporção populacional que importa para a Câmara, não a divisão entre os estados. Por exemplo, dos 53 assentos da Califórnia, tradicional reduto democrata, ao menos 40 devem ficar com o partido.
Estados populosos como Nova Iorque, Nova Jersey e Massachussets devem seguir o mesmo caminho. As previsões eleitorais e os cálculos de distribuição populacional indicam que os democratas conseguirão uma maioria discreta. Algo entre 220 e 235 cadeiras. De qualquer maneira, é seguro dizer que nenhum partido conseguirá maioria qualificada.
Governos estaduais e outras votações
Além das eleições federais, trinta e seis estados passarão por eleições para o governo estadual, incluindo as três maiores economias do país: Califórnia, Texas e Nova Iorque. Catorze republicanos, nove democratas e um independente buscam a reeleição. As principais disputas serão na Flórida, após dois mandatos do republicano Rick Scott, candidato ao Senado, e em Michigan, após Rick Snyder, também republicano, também servir dois mandatos.
Em ambos os estados as pesquisas e projeções estão divididas, mas apontam chances razoáveis dos dois estados tornarem-se democratas. Embora tais eleições não afetem diretamente a vida de Donald Trump, certamente afetam a composição de seu governo, como lidar com as outras entidades da federação e também as perspectivas para sua eventual reeleição em 2020.
Além de todas as eleições citadas, legislativos estaduais também passarão por sufrágio. E 157 consultas populares diferentes em 34 estados serão realizadas. Aborto de gestação, uso medicinal ou recreativo de maconha, sistemas eleitorais, impostos, sistema de saúde, políticas energéticas e ambientais, aumento de salário mínimo e proteção de vítimas de crimes são os temas das consultas. Na Flórida, os eleitores responderão treze consultas.
Decidir o futuro
Um aspecto de suma importância dessas eleições é o fato de que o governo dos EUA realizará seu censo populacional em 2020. Com isso, as proporções de assentos no Congresso poderão ser alteradas. E, em 2022, serão redistribuídos os distritos eleitorais. O planejamento e desenho dos distritos dentro dos estados será realizado pelos governantes e deputados estaduais eleitos na próxima semana.
Isso é importante pois cada partido no poder poderá buscar contornar as restrições existentes para distribuir os distritos eleitorais da forma que lhe for mais proveitosa, mesmo que com desenhos “curiosos” no mapa. Essa prática é chamada de gerrymandering. Um partido pode atribuir os distritos de acordo com o perfil eleitoral ou demográfico, dividindo regiões em que a oposição seja mais forte e concentrando seus próprios votos.
Essa distribuição distrital valerá pelos próximos dez anos, influenciando três eleições presidenciais, além das estaduais e das legislativas. A vitória nas próximas eleições pode influenciar as chances de vitória de cada partido pela década seguinte. A importância delas é enorme não somente para Trump, mas também para os partidos e para a definição dos rumos políticos dos EUA até 2032.